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Capítulo 2. Ensino do inglês e desenvolvimento da competência plurilingue

1. Educação plurilingue: conceitos, finalidades e desafios

1.2 Novas perspetivas didáticas: o desafio do plurilinguismo

1.2.2 Para uma definição de competência plurilingue

Os argumentos expostos a favor do plurilinguismo no ponto 1.2 evidenciaram a centralidade que este conceito tem assumido no âmbito da Didática de Línguas, contribuindo para uma perspetiva recente designada por vários autores como Didática do Plurilinguismo (DP) (Alarcão et al. 2009; Gallison, 2004; Gonçalves, 2011; Pinho, 2008; Pinto, 2012). Após termos apresentado as principais características desta recente perspetiva didática, no ponto 1.1, centramos agora a nossa atenção, nesta secção do capítulo, num dos conceitos-chave da DP, o conceito de competência plurilingue (CP).

Assim, partindo de uma abordagem plural das línguas e culturas, a competência plurilingue relaciona-se com a “noção tradicional de competência comunicativa, nas suas múltiplas dimensões e facetas” (Andrade & Araújo e Sá, 2003, p. 493), uma vez que visa o desenvolvimento da capacidade de comunicar, integrando, simultaneamente, uma vertente de mediação entre contextos onde diversas línguas estão presentes, “incentivando o sujeito a gerir as múltiplas possibilidades, mas também barreiras e

94 conflitos (linguísticos, culturais e identitários, cognitivos, afetivos,…)” (idem). Assim, a CP é definida por Beacco e Byram como “the ability to use languages for the purposes of communication and to take part in intercultural interaction, where a person, viewed as a social actor has proficiency, of varying degrees, in several languages and experience of several cultures.” (2007, p. 67).

Trata-se, pois, de uma competência que remete para a capacidade de cada indivíduo para ativar capacidades e conhecimentos sobre línguas e culturas, ou seja, fazer uso do seu repertório linguístico-comunicativo para participar numa interação cultural (Coste, Moore & Zarate, 1997; Kohonen, 2002). Neste contexto, “o indivíduo, na sua qualidade de actor social, possui proficiência em várias línguas, em diferentes níveis, bem como experiência de várias culturas. Considera-se que não se trata de sobreposição ou justaposição de competências distintas, mas sim de uma competência complexa ou até compósita à qual o utilizador pode recorrer” (CE, 2001, p.231).

Com efeito, a competência plurilingue diz respeito a uma competência complexa e evolutiva que se desenvolve ao longo da vida e que depende da experiência única e exclusiva de cada sujeito. Neste sentido, define-se como uma competência “particular a um indivíduo, dinâmica, heterógenea, compósita, desequilibrada onde se reequaciona sistemática e continuamente a relação entre os diferentes saberes linguísticos e culturais” (Andrade e Araújo & Sá, 2003, p.493). Trata-se de uma competência que é relativamente autónoma no que se refere aos conteúdos e materiais escolares, uma vez que se desenvolve para além da escola, em contextos de vida e de formação de cada sujeito (CE, 2001).

De acordo com a opinião de Coste, Moore e Zarate (2009), o conceito de competência plurilingue e pluricultural deu origem a uma mudança de paradigma, uma vez que permite uma visão holística e múltipla das competências em línguas e das próprias línguas, identidades e culturas, em detrimento de uma visão fragmentada e reducionista das mesmas. Na verdade, o próprio conceito de competência sofre alterações uma vez que se começa a falar de competências parciais e do desequilíbrio entre diferentes competências em línguas, que podem potenciar relações de complementaridade, em oposição ao equilíbrio e segmentação dos diferentes saberes em línguas. Assim, o conceito de

95 competência plurilingue dá lugar a uma perspetiva dinâmica de competência, situada e contextualizada em constante evolução tendo em conta diferentes contextos; permite, ainda, sinergias, mediações e passagens entre línguas e culturas, tendo em conta um cariz altamente individualizado e dependente dos percursos de vida e biografias linguísticas de cada aprendente de línguas, sujeitos à evolução e mudança, em contexto de ensino formal ou informal ou não formal (Coste, Moore & Zarate, 2009).

Segundo estes autores, o que distingue e define a competência plurilingue e intercultural é o facto de não se falar da justaposição de competências monolingues em diferentes línguas, pelo contrário, trata-se da combinação e alternância entre diferentes tipos e níveis de competências em diferentes línguas. Assim, é possível alternar de códigos linguísticos (code-switching) durante uma situação de comunicação, fazendo uso de formas de discurso bilingues, com o objetivo estratégico de negociar o sentido de uma mensagem (Coste, Moore & Zarate, 2009).

Para além disso, a competência plurilingue vem colocar em causa alguns aspetos que se tinham como modelo, nomeadamente o de falante nativo como ideal dos objetivos de aprendizagem. Assim, o reconhecimento e valorização de diferentes níveis de competência em várias línguas do falante plurilingue distingue-se do “mito monolingue”. No que concerne às conceções de aprendizagem de uma língua, até então, entendidas como relações exclusivamente binárias, isto é, relação que se manifesta entre L1 e L2, complexificam-se uma vez que no desenvolvimento de uma competência plurilingue existem jogos, combinações, mediações e retrocessos complexos entre diferentes línguas. Ademais, o conceito de competência plurilingue reposiciona a tónica nos argumentos funcionais e comunicativos, enfatizando a utilidade do conhecimento de diferentes línguas, destacando, de igual modo, a importância da imersão do sujeito que aprende línguas.

Com efeito, como refere o Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas (2001) a finalidade do ensino de línguas modifica-se profundamente, uma vez que não se espera dos aprendentes uma mestria em uma ou duas línguas estrangeiras, mas o desenvolvimento de um repertório linguístico no qual são consideradas todas as competências em línguas. Isto é, o ensino de línguas deve preocupar-se “em fazer do

96 sujeito, não um bilingue perfeito, mas alguém dotado de uma competência que evolua no sentido de uma competência plurilingue” (Andrade & Araújo e Sá, 2001, p. 155).

Neste contexto, o desenvolvimento da competência plurilingue tem como principal finalidade a valorização da construção da identidade de cada individuo através do contacto com outras línguas e culturas no sentido de promover uma educação para a cidadania de abertura e respeito pelo Outro (Beacco & Byram, 2007). Acredita-se, pois, que o aprendente de línguas deve experienciar o contacto com diferentes realidades linguísticas e culturais, aprendendo a conhecer-se a si e ao Outro e tomando consciência da sua identidade una e plural, que também se desenvolve através das suas experiências linguísticas e culturais. Nesta linha de pensamento, defende-se que o contacto com outras vivências e formas de ser e de ver o mundo proporciona experiências de enriquecimento humano, que promovem a intercompreensão e a aceitação de diferentes maneiras de pensar, sentir e agir. Isto só será possível através de uma abordagem didática que explore e tire partido quer das línguas presentes nos repertórios linguístico- comunicativos dos sujeitos, quer das línguas presentes nos contextos onde estes se movimentam (Beacco, Byram, Coste & Fleming, 2009; Coste, Moore & Zarate, 2009; Cavalli, Coste, Crisan & van de Ven, 2009).

Face a esta realidade, o professor passa a desempenhar um papel de facilitador de aprendizagens, envolvendo e valorizando nas suas práticas didáticas diferentes línguas e culturas, em detrimento do ensino exclusivo de apenas uma língua. O professor possibilita que o sujeito possa refletir sobre o seu percurso linguístico-comunicativo, sobre a relação que estabelece com as línguas e culturas que conhece, sobre a sua forma de aprender e sobre o saber ser e estar com o Outro. Assim, “trabalhar a competência plurilingue é, portanto, trabalhar a elasticidade e flexibilidade cognitiva no sentido da aquisição do desenvolvimento de uma consciência metalinguística, metacomunicativa e metacognitiva que permite aos sujeitos construir as pontes e conexões necessárias à compreensão do Outro na sua diferença.” (Gonçalves, 2011, p.115).

Segundo Andrade e Araújo e Sá (2003) a competência plurilingue subdivide-se em quatro dimensões interdependentes e mutuamente implicáveis: a dimensão sócio-afetiva;

97 a dimensão da gestão dos repertórios linguístico-comunicativos; a dimensão da gestão dos repertórios de aprendizagem e a dimensão da interação.

A dimensão sócio-afetiva diz respeito a um conjunto de vontades, predisposições, motivações, atitudes para com as línguas, as culturas, os interlocutores e a comunicação que o sujeito é capaz de mobilizar em contexto de interação. Tem por base uma motivação inicial que se desenvolve em motivações sustentadas ou continuadas, de diferentes tipos (instrumentais, integrativas e/ou académicas), “num processo no qual o sujeito se disponibiliza a reconstruir constantemente a sua identidade linguístico-comunicativa.” (Andrade & Araújo e Sá, 2003, p.494).

A dimensão gestão dos repertórios linguístico-comunicativos remete para a capacidade do sujeito em compreender e fazer uso do seu percurso linguístico e comunicativo, “onde diferentes línguas e culturas ganham diferentes funções, estatutos e papéis, num percurso de vida composto por experiências de situações e tipos de comunicações diversificadas.” (idem).

Relativamente à dimensão gestão dos repertórios de aprendizagem, esta reporta-se à “capacidade de o sujeito fazer uso de diferentes operações de aprendizagem da linguagem verbal.” (ibidem). Trata-se, portanto, dos processos e meios de aprendizagem que podem ser convocados pelo sujeito numa situação de interação e da forma como o sujeito age do ponto de vista cognitivo-verbal. Relaciona-se com o desenvolvimento do sujeito e com o conhecimento de si, do seu repertório linguístico, bem como das suas formas de aprendizagem.

Em relação à dimensão de gestão da interação, esta diz respeito “aos processos interativos próprios das situações de contacto de línguas, tais como a interpretação, a tradução ou a alternância códica. Nesta dimensão, confrontamo-nos com o produto discursivo, resultado da forma concreta como o sujeito lida com as diferentes línguas em contacto, actualiza os vários códigos e gere toda a situação de comunicação intercultural e plurilingue.” (Andrade & Araújo e Sá, 2003, p. 495).

Considerando a complexidade de tal competência, importa, agora, refletir sobre a forma como esta pode ser integrada na construção do currículo escolar. Assim, na secção que se segue, procederemos à exploração do papel das línguas no currículo, com vista ao

98 desenvolvimento de uma ação educativa que visa o desenvolvimento da CP e a construção identitária do sujeito que aprende línguas, alicerçada em atitudes e valores de respeito e solidariedade para com o Outro.

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