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Acompanhando a definição do sociólogo John Urry (2000, 2007), por mobilidades me refiro a um conjunto articulado de deslocamentos e conexões entre corpos, de pessoas, de informações e de categorias. O chamado paradigma das mobilidades proposto por este autor entende que a mobilidade diz respeito a um tipo de movimento que depende da tecnologia para ser realizado. Dessas perspectivas, as Tecnologias da Informação e da Comunicação, operando por meio de máquinas digitais miniaturizadas e de uso privado, não são descorporificadas, mas são entendidas como intimamente interpostas com a corporalidade. Assim, a crescente presença da convergência como característica do digital atua “mobilizando” as características das interações co-presenciais.

As mobilidades desde sempre envolveram sistemas especializados, mas a novidade apontada por Urry é que agora estamos diante de sistemas altamente especializados operando em uma acentuada relação de interdependência uns com os outros, daí o aspecto de convergência e integração característico das mídias digitais. É importante notar que, pelo menos desde a década de 1970, os mais variados sistemas têm se tornado, cada vez mais, dependentes de computadores e softwares. O programa, por assim dizer, escreve mobilidade convergindo com outros e permitindo que as mobilidades particulares aconteçam.

Ao contrário do que pode sugerir uma visão apressada, a mobilidade dos telefones não tornou as pessoas independentes do lugar. Na última década, as pesquisas que se debruçaram sobre as “mobilidades” na era digital têm apontado para o fato de que, embora as pessoas viagem mais, as tecnologias digitais possibilitaram que elas estivessem mais conectadas com amigos e familiares (URRY, 2007; SHELLER e URRY, 2006).

Pesquisas produzidas em solo nacional permitem questionar como o apoio emocional e os afetos tem se descolado da antiga proeminência geográfica, por vezes, configurando um mercado de apoio emocional segmentado por meio das mídias digitais (FACIOLI, 2013; PRADO, 2015). Esses argumentos permitem tensionar os pressupostos do individualismo em redes apresentado na teoria de Barry Wellman (2001). Para este autor, as redes sociais,

deslocadas do lugar e do tempo, são presumidas como fontes de liberdades individuais que permitem aos sujeitos buscar livremente novos modos de socialidade em ambientes digitais.

Em sentido contrário, um dos argumentos que sustentam essa tese é o de que a mobilidade dos equipamentos realocou a localização como um critério fundamental para a comunicação. Se na época dos telefones fixos a questão “onde você está?” parecia não fazer sentido, afinal, a resposta óbvia poderia ser, “mas, para onde você ligou?”; na era dos dispositivos móveis ela recuperou e renovou sua centralidade. Com a disseminação dos telefones móveis o contexto - incluindo a localização como parte dele - deixou de ser dado passando a ser negociado de maneira contínua e interativa.

Em termos históricos, os smartphones, com suas múltiplas funcionalidades, não constituem o primeiro experimento coletivo envolvendo as mídias comunicacionais e a sexualidade. Muito antes da disseminação das mídias digitais, a imagem acústica viabilizada pelos antigos telefones fixos já havia lançado as bases de uma tecnologia da sexualidade. Talvez tenha sido essa uma das primeiras experiências de aproximação entre a telemática e os usuários, em especial, para os homens. No Brasil, por exemplo, entre os anos de 1993 e 1996, respectivamente, não era incomum a oferta de serviços comerciais destinados a homens adultos, via telefone, chamados “tele-fantasia” ou “disque-namoro”.

Por meio de uma rápida busca na internet é possível encontrar as peças publicitárias do “Tele-Fantasia”: no plano à frente da atriz se projetam os dizeres “ruiva, de corpo e alma, pronta para contatos picantes”. No ano 2000, quem estivesse disposto a efetuar uma ligação para esses serviços teria que desembolsar a quantia de R$3,82 por minuto, preço calculado pelo valor de uma ligação internacional, o que talvez explique a decisão publicitária um tanto irônica de selecionar Non, je ne regrette rien, na voz de Édith Piaf, como trilha sonora do comercial. Diferente das décadas passadas, atualmente, quase todos os serviços comerciais voltados ao entretenimento adulto, incluindo os aplicativos de busca por parceiros, dispõem de versões demonstrativas e que podem ser utilizadas gratuitamente para que o usuário conheça o produto.

No caso dos Apps para homens gays, a localidade situada rege o estabelecimento dos contatos e, consequentemente, a formação das redes. No entanto, a articulação entre sexo e espaço também não é, em sentido estrito, um produto das novas mídias. Há um conjunto de elementos históricos, que serão tratados mais adiante, que permitem recompor essa ligação entre o espaço, as práticas sexuais e a moralidade (PERLONGHER, 2008).

Os serviços comerciais de busca por parceiros articulam a telemática, a espacialidade e a sexualidade de uma nova maneira. Os aplicativos podem aproximar as pessoas e, ao mesmo distanciá-las replicando em espaços híbridos relações de poder, diferenças e desigualdades

sociais existentes no plano offline. Não se trata, portanto, de endossar uma perspectiva distópica para a qual os laços contemporâneos foram fragilizados pelas mídias digitais tornando-se superficiais e transitórios (BAUMAN, 2004), mas de entender como os elementos envolvidos nessa relação são atualizados mediante os recursos técnicos disponíveis.

On e offline são planos que se constituem de forma mútua e estão entrelaçados de modo inextricável sendo parte de um processo de modelagem social da tecnologia. Assim, não se trata de buscar a utopia ou a distopia, mas de refletir sobre como tecnologias e pessoas se afetam mutuamente. Nesse sentido, um efeito relevante que merece ser considerado entre os deslocamentos conjugados com as novas mídias é a alteração nas percepções sobre distâncias. “Perto” e “longe”, categorias que ganham um novo sentido nesse contexto.

Autores como David G. Beer e Roger J. Burrows (2013) sugerem que o espaço é um conceito construído com base na experiência. Sendo assim, práticas comunicacionais têm sido alteradas pelo menos desde a difusão das tecnologias da comunicação operadas eletricamente, como é o caso do telégrafo e do telefone. Estes equipamentos introduziram uma dimensão de simultaneidade nas relações sociais à distância. No entanto, foi o desenvolvimento da comunicação digital fundada pela microeletrônica que permitiu a formação complexas redes de telecomunicações, sistemas de informação e transporte de informação que transformaram radicalmente a espacialidade da interação social. A novidade apontada pelos autores é que, com a digitalização, a comunicação simultânea tornou-se independente dos antigos referenciais da espacialidade fixa e introduziu diferentes espacialidades e temporalidades na comunicação.