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2 SOBRE O FÓRUM: A INSTITUIÇÃO E O ESPAÇO

3. Sobre a Teoria e o Método

3.1.1. Paradigmas arquitetônicos

As teorias arquitetônicas sempre buscaram entender como os edifícios refletiam valores sociais, religiosos, espirituais e tecnológicos da sociedade que os produzia. A maioria dessas teorias discutia os aspectos formais e visuais da forma edificada, algumas vezes, relacionando-os a seus aspectos funcionais. Muitas destas teorias surgiram das análises feitas através de métodos artísticos e históricos.

Markus (1987) discutiu a razão para isso. Segundo ele, os três elementos principais dos edifícios são a forma, a função e o espaço. A experiência da forma e da imagem (com suas geometria, proporção, articulação, cor) é imediata e poderosa. Essa experiência pode ser resumida no termo ‘estilo’, que classifica o ambiente construído de acordo com suas características formais. A experiência funcional é sentida analisando as atividades que se realizam no edifício, ou pode ser deduzida através da localização do mobiliário e equipamentos nele distribuídos. A experiência espacial começa no momento em que se entra no edifício, como, por exemplo, no número e localização das entradas, na seqüência de

ligações entre os espaços, no número de alternativas de ir de um espaço para outro. Tudo isso cria experiências espaciais que se relacionam com a função.

Dentre as teorias que tomam o elemento espaço como centro das atenções, existem àquelas que estudam a relação entre espaço e sociedade, ou, como são conhecidos no campo arquitetônico, estudos sobre a relação entre ambiente e comportamento. Neste campo de estudo, duas linhas podem ser apontadas: (a) a linha que tem o espaço como determinante do comportamento humano - teorias prescritivas ou normativas que oferecem um conjunto de soluções para os problemas; (b) a linha que sugere a existência de uma relação mútua entre o ambiente construído e o comportamento humano (esse último visto como uma interação, mais que uma determinação).

Na arquitetura, acredita-se, muitas vezes, que o ambiente físico “determina” o comportamento humano. O determinismo se baseia, então, na crença de que, ao adotar uma determinada prescrição, um certo resultado será garantido. Esse tipo de crença passou a ser mais discutida a partir da não-realização de muitas promessas da arquitetura moderna, que provocou uma descrença quanto ao seu papel na construção da sociedade. Os resultados esperados, e não alcançados, começam a ser criticados com base no argumento de que, na busca por modelos ideais, afastam-se das necessidades reais do usuário (HOLANDA, 1997).

A partir das críticas ao determinismo, o campo de pesquisas do ambiente e comportamento passa a adotar um determinismo mais brando (LOUREIRO, 2000). Como afirma Friedmann, Zimring e Zube (1978, citado em LOUREIRO, 2000, p.41):

...o ambiente tem efeitos diretos e importantes sobre a experiência humana no sentido de que o ambiente não determina experiência, mas, em combinação com influências sociais, suporta satisfação, felicidade e eficiência. (Friedmann, Zimring e Zube ,1978, citado em LOUREIRO, 2000, p. 41)

Assim, surgem enfoques menos deterministas, onde a arquitetura parece se voltar para as ciências sociais e busca entender as necessidades do homem, visto como ocupante ou usuário do produto arquitetônico: o edifício e a cidade. Percebe-se, também, que o ambiente construído pode ter uma importante influência nas atitudes e comportamento dos seus

espaços, pessoas e eventos”38. (GOODSELL, 1988, p. 10).

Nesse sentido, uma das assunções mais comum sobre o espaço é que a organização espacial humana é resultado de princípios de comportamento, ou seja, as regras sociais dão forma aos espaços. O problema desses estudos (FRIEDMANN; ZIMRING; ZUBE, 1978, citado em LOUREIRO, 2000) reside na dificuldade em descrever o espaço objetivamente, relacionando as dimensões espaciais e comportamentais, colocando em dúvida sua eficácia. Além disso, os estudos dessa natureza baseiam-se na crença que a ordem social e a ordem espacial, apesar de sofrerem influências recíprocas, seriam entidades independentes.

A insuficiência na descrição do espaço, do ponto de vista analítico, é discutida por Holanda (1997). Este autor fala das imprecisões das teorias arquitetônicas em: (a) descrever o próprio fenômeno arquitetônico em si, identificando atributos arquitetônicos que estabelecessem semelhanças e diferenças entre manifestações sociais; (b) descrever a relação entre os atributos do fenômeno arquitetônico e as expectativas sociais. Para isso, distinguiu duas dimensões da arquitetura: uma sintática e outra semântica. A semântica da arquitetura (o que ela significa) já estaria contida em sua sintaxe (sua própria configuração). O termo configuração é utilizado no sentido de “relações que levam em conta outras relações”39 (HILLIER, 1996, p.1). Ou, como sugere Hanson (1998, p. 23),

...relações espaciais existem onde é encontrado qualquer tipo de ligação entre dois espaços, enquanto que a configuração espacial existe quando as relações existentes entre dois espaços podem mudar, quando relacionadas a um terceiro espaço40. (HANSON, 1998, p. 23).

Esses argumentos utilizados por Holanda (1997) se fundamentam nos conceitos da Teoria da Lógica Social do Espaço (HILLIER; HANSON, 1984). Esta Teoria, que tem sido referida por alguns autores como Sintaxe Espacial (PEPONIS, 1997), é a uma teoria descritiva associada a uma metodologia de representação, quantificação e interpretação da configuração do espaço construído. A Sintaxe Espacial também pode ser classificada dentre aquelas teorias que estudam as relações entre ambiente (espaço) e comportamento (sociedade). Porém, ao contrário do paradigma adotado por teorias que “conceituam o espaço como não tendo

38 Tradução do original em Goodsell (1998).

39 Tradução do original em Hillier (1996).

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conteúdo social e a sociedade como não tendo conteúdo espacial”41 (HILLIER; HANSON, 1984 p. x), a Sintaxe Espacial trata as duas entidades - a social e a espacial - como dependentes uma da outra. Ou seja, a sintaxe do espaço, ou a forma de organização do sistema de barreiras e permeabilidades ao movimento, e a sua semântica, resultado dos modos de utilização e significados dos espaços por uma determinada sociedade, têm uma relação de interdependência.

Essa interdependência se baseia na idéia de que a estrutura espacial do ambiente construído pelo homem é a expressão da sua estrutura social, descrita como uma série de comportamentos humanos e eventos sociais. Em outras palavras, acredita-se no relacionamento mútuo dessas duas dimensões, onde comportamento e eventos influenciam a morfologia do ambiente construído e essa, por sua vez, também influencia o comportamento e os eventos (Figura 3.1). Holanda (1997) descreve claramente essa relação de interdependência ao afirmar que,

...às barreiras e permeabilidades físicas sobre o chão (sintaxe) se superpõem regras de utilização (semântica) que acrescentam significado simbólico à sintaxe do lugar e contribuem para construir – produzir e reproduzir - padrões de interação social. O conjunto de permissões e restrições relativo às interações pessoais está “colado” à sintaxe e à semântica da arquitetura. (HOLANDA, 1997, p. 7)

Figura 3.1 Relação de influência mútua entre o ambiente e o comportamento

Fonte: Teklenburg; Timmermans; Wagenberg (1992)

Assim, dentre as várias teorias que tentam descrever e analisar a forma espacial dos edifícios, a Sintaxe Espacial se estabeleceu no campo da morfologia arquitetônica por abordar a relação intrínseca entre a sociedade e o ambiente construído pelo homem. Mais que isso, ao propor uma descrição analítica e precisa do espaço (que é passível de comparações entre si e entre entidades da ordem social), a Sintaxe Espacial estabelece métodos que oferecem um consistente e objetivo conjunto de técnicas de representação e análise que reconhece as idéias sociais presentes na forma da edificação.

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