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4 A ESCRITA COMO TRABALHO: AVALIAÇÃO E

4.1 Paradigmas de avaliação: do tradicional ao formativo

Segundo Suassuna (2007), há dois grandes paradigmas de avaliação: o paradigma tradicional (marcado por aspectos como classificação, controle, competição e meritocracia) e o paradigma formativo (marcado pelo enfoque formativo, processual e democrático). Por sua vez, o paradigma tradicional pode ser desmembrado em quatro fases, referentes ao momento histórico em que emergiram.

É importante salientar que, apesar de estarmos tomando como pano de fundo a ordem cronológica para a distinção entre esses diferentes paradigmas, não os entendemos como divisões rígidas e estanques. Tentaremos compreender as particularidades que mais marcaram cada modelo teórico e que, por isso, podem ser indícios de um determinado modo de compreender e de fazer avaliação em determinado tempo e contexto social, político e econômico. É por esse motivo que podemos encontrar, na prática de um mesmo professor, marcas de diferentes modelos e fases da avaliação, como acontece com a professora participante dessa pesquisa, Clarice, dado que será discutido mais adiante na seção destinada à discussão dos resultados.

Ainda segundo Suassuna (2007), o paradigma tradicional é nomeado dessa forma por ter se estabelecido como tradição. Ele teve início nas primeiras décadas do século XX e se estendeu até a década de 90. Mesmo compreendendo que, no decorrer do século passado, esse paradigma foi sofrendo muitas mudanças devido às alterações no contexto sócio-político- econômico, é possível evidenciarmos algumas particularidades que nele perduraram em todas as suas quatro fases: a classificação e a hierarquização, a medição, a meritocracia, a valorização de resultados observáveis e o estabelecimento prévio de objetivos e critérios de julgamento.

A primeira fase do paradigma tradicional se afirmou do início do século XX e se estendeu até os anos 30. Nessa fase, a avaliação era vista como medida, e os testes e exames, quase sempre padronizados, tinham o objetivo primordial de classificar os sujeitos avaliados. Esse modelo vem da psicologia/psicometria, área responsável por elaborar técnicas para tentar quantificar a inteligência e o desempenho das pessoas. Também era um modelo inspirado nas ciências exatas e da natureza (de base racionalista-empirista), área que produziu mecanismos de experimentação, controle de variáveis, verificação, generalização de resultados e

estabilidade de conclusões. Esse é o motivo pelo qual a avaliação da aprendizagem, nessa época, ficou marcada pela busca por objetividade, pela tentativa de rigor e precisão dos instrumentos avaliativos e pela atribuição de notas ou menções.

A segunda fase do paradigma tradicional foi do final dos anos 30 até o começo da década de 60. Devido ao enfraquecimento da economia norte-americana decorrente da crise de 1929 e à busca pela sua recuperação financeira, surgem políticas e programas educacionais para contenção de despesas e desenvolvimento do país. Partindo da ideia de que um gerenciamento eficiente da educação produziria melhores resultados, a avaliação passa a ser usada como um instrumento para, então, otimizar, controlar e racionalizar o processo educativo, evitando desperdícios. Nesse sentido, a avaliação deixa de ser vista como medição e passa a ser encarada como gestão, capaz de garantir qualidade e excelência no ensino. E a forma encontrada para controlar seus resultados foi realizar uma avaliação por objetivos: partindo de um programa prévio de ensino e, dentro dele, da definição dos objetivos que os alunos deveriam ser capazes de atingir ao final do ensino-aprendizagem, verificava-se em que medida o rendimento de cada aluno alcançou esses objetivos estabelecidos; tal rendimento, por sua vez, era mensurado através de provas objetivas e da observação de mudanças no comportamento dos alunos, o que reforçava seu caráter positivista.

A terceira fase do paradigma tradicional se estabeleceu nos anos 60 e 70. Nessas décadas aconteceram várias mudanças sociais, frutos das lutas de movimentos que defendiam os direitos das minorias. Nesse contexto, a avaliação tinha como objetivo apontar os problemas sociais a serem solucionados através das políticas públicas, as quais começam a contar com maior participação da sociedade. A avaliação passa a assumir um papel político e público, bem como a receber influência das pesquisas de caráter mais qualitativo. Nesse contexto, os critérios de avaliação passam a ser elaborados a partir de processos pluralistas, democráticos e participativos. Apesar da grande mudança no contexto da época, na prática, a avaliação continuava impregnada das características dos períodos anteriores, na medida em que as políticas públicas eram avaliadas com o objetivo de aumentar a produtividade dos programas e aperfeiçoar a relação custo-benefício.

Por fim, a quarta fase do paradigma tradicional vai do final da década de 70 até parte da década de 90. Nesse período, acontece a crise do petróleo e a economia mundial novamente entra em crise. Diante desse contexto, a palavra de ordem passa a ser, mais uma vez, controlar o desperdício e a ineficácia da máquina pública. Agências e órgãos financeiros internacionais, para regular e fiscalizar o Estado, estabelecem sistemas de avaliação e impõem os critérios que lhes são convenientes. A avaliação passa, então, a ter como objetivo gerar

resultados para tais agências e órgãos, os quais seriam indicadores importantes para o mercado. Ao mesmo tempo, o neoliberalismo se consolida, firmando a preocupação com a maximização do lucro e a redução do custo. Nesse contexto, escola passa a ter como objetivo formar pessoas com os perfis requisitados pelo mercado e, para tanto, seu currículo passa a focar aquelas habilidades e competências que os alunos precisam aprender para se enquadrar no sistema produtivo. Como consequência, a avaliação assume um caráter excludente, racionalista e normativo, baseado na competição, na comparação e na meritocracia, típicas do modelo neoliberal. Retomando o teor positivista das fases iniciais do paradigma tradicional, as atividades avaliativas voltam a centrar-se em testes padronizados e em resultados observáveis e quantificáveis.

Através desse breve levantamento, obtido a partir de Suassuna (2007), foi possível constatar que o paradigma tradicional reinou na maior parte do século XX. Todavia, começaram a surgir muitos questionamentos sobre esse modelo avaliativo, na tentativa de demonstrar as limitações, incoerências e prejuízos trazidos por suas práticas.

Uma primeira crítica a ser feita diz respeito aos limites dos instrumentos objetivos de avaliação (como os testes, os exames e as provas padronizadas) e das medidas (resultados quantitativos, como notas), utilizados nesse paradigma. Isso porque a avaliação não pode se restringir a meros instrumentos (estáticos, pretensamente objetivos e neutros, cujas análises são frias e cujos resultados forjam juízos definitivos e inquestionáveis), nem pode ser simples controle e medida do que já foi feito, pois a educação é um fenômeno social. Nesse sentido, se os instrumentos e as práticas de medidas são um fim em si mesmos, não provocando questionamentos, reflexões e ações, não são úteis. Na verdade, eles precisam fazer parte de um conjunto de atividades valorativas que produzam sentidos e motivem decisões e ações de melhoria. Assim, não se trata de negar o valor das verificações e das medidas, mas seu uso fechado e isolado (SOBRINHO, 2008). A elaboração de uma prova exige, primeiramente, que o conhecimento seja recortado de um universo muito maior de conhecimentos ensinados e, em segundo lugar, que estes sejam simplificados em forma de perguntas e respostas. Sendo a aprendizagem um processo em permanente transformação, tais instrumentos só conseguem avaliar um momento de um processo que é dinâmico e muito amplo. Como explicam Davis e Espósito (1990), o aproveitamento escolar é dinâmico e processual, não podendo ater-se somente ao que ocorre em um dado ponto do tempo. Sobrinho (2008, p. 203) defende a mesma posição, ao afirmar sobre a avaliação: “não se trata de fotografia ou medida da retenção de conteúdos num momento dado, mas sim de compreender as mudanças que vão ocorrendo ou os valores que vão se agregando ao longo do percurso”. Da mesma forma, as

notas obtidas através desses instrumentos não conseguem dimensionar o real desenvolvimento de aprendizagem do aluno.

Como explica Luckesi (2012), a média de notas não revela nem o valor anterior do desempenho do aluno nem o posterior: se o aluno estava com uma nota muito baixa e, numa segunda prova, obtém uma nota muito alta, com a média, ele obterá uma nota mediana que não retrata o quanto conseguiu avançar e faz parecer que houve pouco avanço. Os resultados quantitativos parecem refletir, ainda, apenas a capacidade do aluno de memorizar, imitar e repetir conteúdos, não correspondendo, de fato, a sua aprendizagem. Até porque, as provas ou testes só conseguem avaliar comportamentos visíveis, deixando de lado os vários processos internos de pensamento que o sujeito consegue elaborar, mas que não podem ser mostrados. Igualmente, é questionável se esses processos conseguem ser adequadamente externados através da linguagem e de comportamentos. Por fim, vemos que as provas apenas apontam para o que se conseguiu ou não aprender, não anunciando possibilidades de transformação do conhecimento por parte do aluno. Ademais, Barriga (2000) explica que o exame é um instrumento seletivo e restritivo. Primeiramente, ele é seletivo porque seleciona, com base em notas, os supostamente melhores entre um conjunto maior de pessoas; em segundo lugar, é restritivo porque exclui os reprovados. Assim, alerta o autor, é preciso ter em mente que a finalidade do exame é predominantemente classificatória.

Da mesma forma, o paradigma tradicional trazia, em suas bases, uma visão negativa do erro, na medida em que este, ao invés de ser compreendido como parte inerente à aprendizagem, era visto como falha ou falta, cabendo ao professor corrigi-lo e reconduzir o aluno ao acerto, mas, sobretudo, evitá-lo. Todavia, como defende Esteban (2002), conhecer o erro é um caminho necessário para as possibilidades de sua superação. Nessa mesma linha, Davis e Espósito (1990) defendem ser necessário um reenquadramento do erro na escola: na medida em que ele deixar de ser visto como derrota, não haverá mais motivos para puni-lo, temê-lo e evitá-lo.

Igualmente, a visão estática do conhecimento, do aluno e da aprendizagem, pressuposta nesse paradigma merece ser questionada. O conteúdo avaliado é tomado como algo fechado, neutro, independente e alheio a quaisquer elementos externos a ele. Da mesma forma, as aprendizagens a serem avaliadas e os resultados esperados são predeterminados, não deixando espaço para contemplar formas particulares e diferentes de os alunos compreenderem os conhecimentos. Entretanto, como defende Sobrinho (2008), a avaliação não é capaz de encerrar e fechar significações. Ela é apenas parte de um processo que, para além de dar explicações conclusivas, tem por objetivo trazer questões e produzir significados

(no plural). Nessa perspectiva, os sentidos obtidos através da avaliação devem ser abertos, não conclusos e sempre relacionais, tendendo a novas implicações. Ademais, na perspectiva tradicional, pelo fato de a avaliação ser reduzida, objetivamente, a verificar se os alunos atenderam ou não os objetivos programáticos, torna-se difícil qualificar adequadamente as aprendizagens dos alunos. Por esse motivo, também, vemos que a preocupação com o programa de ensino acaba se sobrepondo ao efetivo processo de ensino e aprendizagem. A esse respeito, Sobrinho (2008) tece críticas, argumentando que não podemos limitar a avaliação ao alcance de normas e metas prévia e exteriormente estabelecidas, pois isso não é suficiente para compreender uma realidade tão complexa como a educação, nem é capaz de levar a grandes transformações pedagógicas.

Vemos, ainda, que no paradigma tradicional, não é feito nenhum julgamento da adequação ou relevância dos conteúdos que estão sendo avaliados para o contexto social e cultural do aluno. Isso acontece de forma muito nítida, por exemplo, nas avaliações comparativas de rendimento escolar de larga escala, as quais desconsideram as diferenças dos grupos culturais avaliados e, dessa forma, não conseguem de fato dimensionar a qualidade da educação.

De modo semelhante, esse modelo não contempla a complexa realidade em que se constituem os sistemas e processos educacionais. Nesse sentido, a avaliação acontece em tempo e espaço abstratos, a partir de critérios gerais predefinidos, que desconsideram o contexto educativo em que ocorre. Todavia, é impossível separar a avaliação de aspectos mais globais que fazem parte do fenômeno educativo (como, por exemplo, as finalidades da escola e os procedimentos de ensino e aprendizagem) e o tornam tão complexo. “A educação é um fenômeno polissêmico, aberto, plurirreferencial. Tudo na educação tem interesse à avaliação, pois cada um de seus aspectos sempre se remete a outros e não pode ser compreendido isoladamente”. (SOBRINHO, 2008, p. 198).

Por fim, constatamos que as práticas avaliativas tradicionais têm contribuído para o fracasso escolar no Brasil, na medida em que são corresponsáveis pelas altas taxas de evasão e repetência e, sobretudo, pela sonegação do conhecimento a consideráveis parcelas da população brasileira (DAVIS e ESPÓSITO, 1990). O caráter classificatório dessa avaliação, acabou discriminando pessoas e naturalizando a exclusão social. Nesse sentido, a avaliação, além de julgar o aproveitamento escolar dos alunos, tem servido para julgar quem deve permanecer na escola e quem deve ser dela excluído (DAVIS e ESPÓSITO, 1990). Da mesma forma, o caráter controlador, ameaçador e punitivo da avaliação tradicional também tem colaborado para o fracasso escolar. Como explica Sobrinho (2008), a avaliação é, muitas

vezes, utilizada como instrumento de poder do professor, ou seja, de mero controle, no sentido de conformação à norma socialmente estabelecida. Luckesi (2012) também alerta que é comum, no ambiente escolar, os professores ameaçarem os alunos através da avaliação caso a ordem da escola ou das salas de aula seja infringida. Na mesma linha, muitos professores preferem deixar os alunos com as notas baixas e não dar-lhes novas oportunidades de ensino- aprendizagem como forma de puni-los ou castigá-los pelo seu comportamento inadequado. Por esses e outros motivos, a avaliação tradicional de cunho classificatório de nada serviu para apontar caminhos de melhoria possíveis com o objetivo de promover transformações. A esse respeito, Luckesi (2012, p. 34) assevera:

Trabalha-se a unidade de estudo, faz-se uma verificação do aprendizado, atribuem-se conceitos ou notas aos resultados (manifestação supostamente relevante do aprendido), que, em si, devem simbolizar o valor do aprendizado do educando e encerra-se aí o ato de avaliar. O símbolo que expressa o valor atribuído pelo professor ao aprendido é registrado e, definitivamente, o educando permanecerá nesta situação.

Ademais, uma avaliação baseada na meritocracia, na competição e na comparação se baseia na ideia de que todos os alunos estão em uma mesma posição e serão avaliados de acordo com seus desempenhos. Todavia, não se pode garantir que todos tenham tido condições de receber o mesmo ensino e as mesmas oportunidades de aprendizagem, e isso impede que os alunos concorram entre si de forma igualitária.

Esse complexo de críticas sobre o paradigma tradicional da avaliação aponta para a necessidade urgente de renovação dos seus procedimentos e instrumentos. Nessa conjuntura, a proposta de avaliação formativa surge, erguendo um novo paradigma, que pode ser considerado como ainda estando em construção.