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5 SABERES E PRÁTICAS DOCENTES NO ENSINO E NA

5.1 Saberes e Práticas: relações construídas no cotidiano

5.1.3 Pensando em uma nova forma de abordar a relação teoria e

Então, se teoria e prática na formação docente não são, de fato, tão distantes entre si como se acreditava, faz-se necessário repensar os modelos que abordam os saberes dos professores, rompendo como paradigmas rigorosos.

A esse respeito, Chartier (2007) diz que, se formos perguntar aos professores experientes quais as teorias que eles aplicam, estaríamos apenas fazendo com que eles produzissem discursos que, talvez, não condigam com o que eles fazem efetivamente. Ou pior: nossa pergunta poderia simplesmente calá-los. De modo diferente, se quisermos alcançar verdadeiramente seus saberes na ação, seria preciso buscá-los nos dados retirados da observação da ação pelos professores. Acreditamos, assim como Chartier (2007) e Schön (1995), que uma pesquisa que tenha como propósito resgatar os pensamentos e as ações dos professores possibilitaria entender melhor “como se aprende a ensinar”, “como se ensina” e “como se pode melhorar o ensino”.

Parte-se, portanto, do seguinte pressuposto: já que as práticas não utilizam tal e qual as teorias construídas pelos especialistas nas universidades, elas poderiam, então, favorecer a construção de sua própria teorização. Isso seria possível na medida em que os pesquisadores, através da promoção de um trabalho reflexivo por parte do professor sobre os seus saberes na ação, promovessem uma consciência maior sobre o que sabem fazer, mas não se dão conta de que sabem. “Eles poderiam dar aos professores o domínio explícito do que sabem fazer de modo somente implícito” (CHARTIER, 2007, p. 187). Por sua vez, esse trabalho reflexivo poderia ser feito de diversas formas: por exemplo, através de narrativas orais ou escritas de práticas, de pesquisas-ação, de exibição de gravações de aulas etc. Esse modelo dá voz à perspectiva dos professores em seu campo de trabalho e permite uma mudança na forma mais tradicional de cooperação entre professores e pesquisadores. Para Chartier (2007), sua utilização seria um modo não só de compreender como estão sendo aplicadas as inovações no ensino, mas também de contribuir para a melhoria das práticas dos professores que já estão em sala de aula e formar os professores que ainda estão nos bancos das universidades.

É efetivamente nisso que acreditamos e apostamos nesta pesquisa. Nosso interesse em realizar uma investigação que tem como foco o resgate dos esquemas e dos saberes mobilizados por uma professora para ensinar seus alunos a produzirem textos, e que utiliza uma metodologia baseada na reflexão por parte da docente sobre seu ensino se justifica, primeiramente, por acreditarmos que a pesquisa em educação tem a ganhar ao colocar os

professores como protagonistas. Ao dar espaço para a professora Clarice se ver, refletir e falar sobre a sua prática em seu ambiente de trabalho, esperamos compreender melhor como ela ensina e, assim, ajudar a tornar mais evidentes os saberes-na-ação de uma experiente professora de língua portuguesa. Da mesma forma, almejamos que essa experiência seja formativa para ela enquanto docente, ajudando-a a ter mais clareza sobre seus conhecimentos e suas ações.

Na seção a seguir, vamos discutir mais sobre o papel da reflexão na prática profissional.

5.1.4 O professor como profissional reflexivo

Schön (1995; 2000) defende que a formação profissional seja baseada numa “epistemologia da prática”, isto é, tanto no reconhecimento da prática como espaço de construção de conhecimentos, por meio da reflexão sobre ela, como na valorização dos conhecimentos-na-ação dos profissionais experientes.

Esse “conhecimento na ação” é o conhecimento tácito, espontâneo, implícito, intuitivo, interiorizado, experimental e cotidiano, o qual é mobilizado pelos profissionais no seu dia a dia e lhes permitem dar conta de suas tarefas cotidianas e mais fáceis de forma quase automática, como um hábito, sem precisar pensar a respeito delas. A respeito dele, Schön (2000, p. 31) explica:

Usarei a expressão conhecer-na-ação para referir-me aos tipos de conhecimentos que revelamos em nossas ações inteligentes – performances físicas, publicamente observáveis, como andar de bicicleta, ou operações privadas, como a análise instantânea de uma folha de balanço. Nos dois casos, o ato de conhecer está na ação. Nós o revelamos pela nossa execução capacitada e espontânea da performance.

Como o autor destaca na citação acima, este tipo de conhecimento é construído na ação, portanto, não a precede. Ademais, seu uso não depende de nossa capacidade de descrevê-lo em palavras, embora seja possível para um profissional, por meio da observação e da reflexão sobre suas ações, realizar uma descrição desse saber tácito que está implícito nelas.

Por sua vez, esse conhecimento nem sempre é suficiente. Isto porque, a rotina também gera resultados inesperados, surpresas ou problemas, os quais não estão conforme as nossas expectativas. Diante dessas situações novas que extrapolam a rotina e na tentativa de restaurar

os padrões normais de conhecer-na-ação, explica Schön (1995; 2000), o profissional pode responder à ação simplesmente colocando-a de lado (ou seja, ignorando-a) ou por meio de uma reflexão sobre a ação, pensando no que fez e tentando compreender como seu ato de conhecer-na-ação pode ter levado ao resultado não esperado. Ao optar pela reflexão, ele pode, ainda, proceder de duas formas: fazendo uma pausa no meio da ação para pensar ou deixar para pensar após a ação. De toda forma, nas duas situações, a reflexão feita já perdeu a relação com a ação presente. Uma alternativa, segundo o autor, é o profissional refletir no meio da ação (sem interrompê-la), num período de tempo que ele denomina de “presente-da- ação” e durante o qual ele tem a possibilidade de interferir na situação ainda em andamento. É dessa forma que, através da reflexão, os profissionais conseguem inventar procedimentos para resolver problemas e, assim, criam ou constroem novas soluções e novos caminhos para a sua prática. Vale salientar, ainda, que tal processo também não exige palavras.

Esse movimento, o qual Schön (1995; 2000) chama de “reflexão-na-ação”, é normalmente desenvolvido numa sequência de momentos sutilmente combinados, tal como descrito a seguir:

1) Num primeiro momento, anterior à reflexão, vivencia-se uma situação comum e rotineira, a qual está funcionamento normalmente e gerando os resultados esperados. Durante esta situação, o profissional age de modo espontâneo e regular, sem ter a necessidade de pensar e tomar decisões, e usa inconscientemente seus conhecimentos, revelando, assim, um processo de conhecer-na-ação;

2) Num segundo momento, a rotina acaba gerando uma surpresa, um resultado inesperado ou um problema (que pode ser agradável ou desagradável) e que não se encaixa nas categorias do conhecer-na-ação do profissional envolvido;

3) Num terceiro momento, a surpresa leva o profissional a realizar uma reflexão sobre o fato ocorrido dentro do presente-da-ação. Esta reflexão é consciente, mesmo que não precise acontecer através de palavras. Ao realizá-la, o profissional leva em consideração tanto o fato surpreendente como o processo de conhecer-na-ação que levou a ele.

4) Num quarto momento, o profissional questiona os pressupostos do seu conhecer-na- ação, reformula o problema ocorrido e, a partir disso, reestrutura as suas estratégias de ação;

5) Num quinto e último momento, o profissional coloca em prática as estratégias de ação formuladas, experimentando e testando os novos caminhos que inventou.

Ao realizar esse movimento de reflexão, o profissional acaba construindo um repertório de experiências as quais são mobilizadas por ele repetidas vezes em situações parecidas e caracterizam seu conhecimento prático. Tal conhecimento permite que ele –

enquanto profissional experiente – dê conta de situações da prática que são únicas, incertas e conflituosas.

Todavia, mesmo esse conhecimento não consegue dar conta de certas situações novas, as quais trazem problemas que vão além do repertório construído. Tais situações exigem do profissional uma maior investigação sobre o problema surgido, através de um movimento denominado por Schön (1995; 2000) de “reflexão sobre a reflexão-na-ação”. Por meio dele, é possível olhar retrospectivamente e refletir sobre a reflexão-na-ação. Assim, por exemplo, o professor, depois da aula, pode refletir sobre o que aconteceu em sala, como pensou, os significados que atribuiu à situação e em novos sentidos. A esse respeito, Schön (1995; 2000) salienta que esse movimento é uma ação, uma observação e uma descrição que exige o uso de palavras. Ademais, a reflexão presente sobre a reflexão-na-ação anterior, por parte do profissional, pode dar início a um verdadeiro diálogo entre pensar e fazer de modo a conformar, indiretamente, a sua ação futura.

No decorrer da sequência didática, a professora colaboradora desta pesquisa se deparou com algumas situações conflituosas, diante das quais precisou refletir sobre sua ação e decidir como agir, redirecionando a ação, ou seja, ela vivenciou momentos de reflexão-na- ação. Em vista disso, durante os encontros de autoconfrontação, forjamos oportunidades de reflexão sobre a reflexão-na-ação, ou seja, promovemos situações em que Clarice foi incentivada a parar, pensar e falar (consciente e explicitamente) a respeito da reflexão-na-ação que realizou várias vezes em sua sala de aula durante as nossas observações. As discussões realizadas nesta seção serão, portanto, de suma importância para compreendermos como acontecem essas decisões e escolhas didáticas realizadas pela professora durante a aula e explicitadas verbalmente ao refletir sobre a sua prática.

Ademais, elas também serão relevantes ao levantarmos indícios de possíveis implicações dessas reflexões feitas pela professora para a ressignificação de suas práticas de ensino e avaliação da produção textual. A esse respeito, Schön (1995; 2000) acredita que a reflexão pode tornar o profissional mais habilidoso. É nesse sentido que o autor defende a necessidade de formar o professor para que ele se torne cada vez mais capaz de refletir na e

sobre a sua prática. Concordamos com Pimenta (2012) quando ela destaca que, ao

desenvolver tais ideias, Schön acaba abrindo as portas para a valorização da pesquisa na ação dos professores e criando as bases para a noção do professor como pesquisador de sua prática.