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Paradoxo de emoções coexistindo no cuidado

4. Apresentação e Discussão dos Resultados

4.1. Emoções frente ao cuidado paliativo neonatal

4.1.1. Paradoxo de emoções coexistindo no cuidado

Nos discursos das enfermeiras percebe-se que ora sentimento de impotência ora sentimento de onipotência permeia a narrativa de sua experiência em cuidar de recém- nascidos sem proposta terapêutica curativa, como se pode constatar nos trechos a seguir:

(...) “Impotência. Eu acho que é impotência. De você não poder fazer nada, parece que é um... Não um trabalho jogado fora (...) mas a gente sempre quer ver o bebê saindo bem né?! (...) Essa sensação de impotência por não conseguir fazer com que ele saia saudável daqui.” (Diamante)

“Eu me sinto, assim, de mãos atadas porque eu não posso fazer nada pra essa criança melhorar, é diferente de quando você pode intervir. (...) É como se alguém amarrasse as minhas mãos e falasse: não, você não vai fazer nada.” (Cristal)

“Às vezes você acaba cuidando muito de uma criança, (...) às vezes já esgotou todas as possibilidades, (...) o que tinha que ser feito né, da parte da ciência, humana, religiosa, então você (...) se sente fraco e impotente diante daquela coisa, daquela realidade que não tem o que fazer.” (Safira)

Apesar de todos os avanços tecnológicos, muitas vezes o controle da situação

“foge das mãos” do profissional que cuida do paciente e isso faz com que o mesmo

olhe para suas limitações, percebendo sua impotência enquanto ser humano e sentindo-se co-responsável pela manutenção da vida da criança. Esse sentimento parece comprometer sua competência (Aguiar et al., 2006). A impotência foi observada em todos os discursos das participantes.

A morte potencializa o sentimento de impotência profissional, pois o torna vulnerável à realidade na qual não se tem definida a maneira de agir com o paciente e com a família (Alencar et al., 2005). Encarar a finitude de um cuidado que não resultará em cura, mas necessário ao RN e família ao longo desse processo, levou as enfermeiras desse estudo a sentirem-se impotentes.

Isso corrobora com o que a literatura aborda: os profissionais de saúde são preparados e formados para cuidarem do ser humano no sentido de promover a reabilitação e a cura. Quando isso não ocorre, o sentimento de impotência se instala

(Aguiar et al., 2006; Alencar et al., 2005). Essa impotência pode ocasionar sofrimento ao profissional levando-o a pensar no que deixou de fazer para que a vida ou saúde do paciente fosse mantida (Costa e Lima, 2005).

A impotência é, por vezes, confrontada com a fantasia da onipotência, portanto é primordial que a profissional busque o autoconhecimento e reveja seus conceitos de existência para encarar a morte como um processo natural (Aguiar et al., 2006).

Muitas profissionais associam os sentimentos de impotência e frustração não somente ao cuidado prestado, mas à fragilidade de sua existência, o que pode levar a momentos de reflexão sobre a própria finitude ou de seus familiares, além de vivenciarem constantemente o desafio de preservarem a vida (Alencar et al., 2005).

Em Heidegger (Heidegger, 2012), no entanto verifica-se que a existência anônima cotidiana é uma fuga à morte

“Os pais, eles não tem a noção, não tem o conhecimento que a gente tem, eles não sabem o que vai acontecer com a criança, enquanto nós, como profissionais, sabemos o que vai acontecer.” (Cristal)

“Porque se eu for pensar que eu estou cuidando pela última vez, que ele vai morrer daqui a pouco ou que eu estou cuidando ali, tudo o que eu estou tentando fazer, que eu acho que vai ser para o bem (pausa)... De repente outro plantão vem e não vai fazer igual ou amanhã a mãe em casa não vai fazer: porque não vai ter dinheiro, ou não vai ter estrutura, não ter técnica pra fazer, não vai ter com quem dividir aquilo... Aí eu prefiro não pensar.” (Esmeralda)

“Que ele (o bebê) não vai sair daqui ou se sair vai ser pra outro lugar (outro hospital) e do outro lugar a gente sabe que vai a óbito. (...) Você fala: como assim morreu? Não, espera aí, eu sabia que ia morrer, né?! Mas assim, o fato de ter ficado tanto tempo com a gente, chegar lá e durar tão pouquinho tempo, você fica meio... (...)” (Diamante)

“Às vezes vai pra casa de um jeito que não é o jeito que a gente idealizou que fosse” (Esmeralda)

Muitas vezes, o sentimento despertado nas profissionais, que pode estar relacionado à própria formação intervencionista e curativa ou ao despreparo para lidar com o ser morrendo, é o desejo de ser herói. Assim, acabam sentindo-se onipotentes, com o sentimento de que cuidam melhor do que outros profissionais e, até, melhor que a própria mãe da criança. Observo, no cotidiano que, muitas vezes, a equipe, não considera as habilidades da mãe como também, as vêem desprovidas de vários pré- requisitos, que acreditam ser necessários para cuidar do RN. O sentimento de onipotência foi citado por três enfermeiras.

Contudo, a assistência tecnicista que permite o prolongamento da vida do paciente, prolonga também o seu sofrimento, bem como dos familiares e, não raramente, do próprio profissional, uma vez que a onipotência contribui para o aumento da frustração e sentimento de fracasso quando não é possível salvar a vida do paciente. Nesse contexto, acredita-se que enquanto a morte for encarada como um desafio a ser superado e sua presença como um insucesso profissional, o sofrimento irá existir. Assim, é necessário que o profissional consiga respeitar a autonomia do paciente e sua família, despindo-se de sua autonomia (Shimizu, 2007; Guiterrez, 2005).

A onipotência, entretanto, não é antagônica a impotência, e sim um disfarce desta última: uma defesa contra o seu possível aparecimento. A onipotência pode prejudicar a assistência prestada, pois não reconhece a autonomia e individualidade do paciente e família, reafirmadas acima. Para tanto, é preciso que a relação existente entre o profissional de saúde e o paciente seja de igual para igual, limitando-se apenas ao fato de que o profissional estudou e apresenta conhecimentos que possibilitam cuidar do outro naquela situação terapêutica, mas quem sabe das reais necessidades é o próprio paciente, ou no caso dos RN, a família (Martins, 2004).

Observando as emoções que o cuidado aos RN suscita, a enfermeira desvela o significado que atribui em estar com RN e sua família no mundo do cuidado, onde o

existir enquanto profissional se dá em presença destes, caracterizando-se pelo envolvimento existencial entre o cuidador e o ser cuidado.

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