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Fonte: Arquivo da pesquisa.

O momento da tarefa transcorre até o horário do lanche, podendo, no entanto, ter continuidade após a alimentação das crianças. O tempo médio utilizado na rotina para a realização da tarefa é de 30 a 40 minutos.

4.3.4 Lanche

Aproximadamente às 14h30min as crianças seguem em fila para o lanche, que é servido no refeitório da escola. As professoras ajudam a servir o lanche, mas não lancham com as crianças. Como já referido, as crianças do Infantil V lancham juntamente com outras turmas, também de Infantil V. É importante ressaltar que as crianças não lavam as mãos antes da refeição, fato que revela a desvalorização das práticas relativas à higiene e aos cuidados das crianças.

“As professoras ficam em pé obsevando quem está lanchando, mas nem um diálogo é estabelecido com as crianças. A função assemelha-se a de um vigilante. O tempo do lanche dura aproximadamente oito minutos.” (NOTAS DE CAMPO, 24/11/2014).

Biscoitos tipo cream cracker, suco, frutas, leite, sopas, pão e ovos são os alimentos mais oferecidos. O índice de rejeição alimentar é elevado; poucas crianças apreciam a comida e raras são aquelas que repetem o lanche, existindo, casos de crianças que apenas observam o alimento servido e nada comem. A ausência de estímulos por parte dos adultos e a pouca variedade dos alimentos são fatores que possivelmente contribuem para a pouca aceitação do lanche pelas crianças.

Ao saírem do refeitório, as crianças retornam para a sala de atividades e realizam o chamado “lanche da sala”. Nesse lanche são consumidos os alimentos trazidos de casa, fato

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que provavelmente explica também o pouco interesse pelo lanche da escola. O momento do lanche na sala parece ser um momento de um pouco mais de liberdade para as crianças; elas compartilham o que trazem e conversam entre si, mesmo que brevemente, conforme mostra o trecho a seguir:

Às 14h25min é hora do lanche, as crianças seguem até o refeitório. O lanche nesse dia é sopa de frango. Somente duas crianças comem. As professoras permanecem com as crianças nesse momento, mas não as estimulam, apenas ficam em pé observando ou garantindo que as crianças permaneçam sentadas. A professora disse em um comentário que as crianças gostam mesmo é de “xilito e refrigerante” e que “tem criança que nunca comeu o lanche da escola.” Às 14h32min as crianças retornam à sala. Foram exatamente sete minutos de permanência no refeitório. Na sala, as crianças retiram o lanche de dentro da mochila, lanche que trouxeram de casa. A professora diz: “Quem trouxe lanche de casa é hora de lanchar, quem não trouxe termina a tarefa!” Da mochila, as crianças retiram: refrigerantes, biscoitos, salgadinhos, bolos, iogurtes e achocolatados. Algumas crianças também ficam sem lanchar. Aquelas crianças que já terminaram de lanchar iniciam uma brincadeira dentro da sala. Percebo que as crianças demonstram pressa em concluir o momento do lanche para usufruírem mais tempo de brincadeira. (NOTAS DE CAMPO, 08/12/2014).

Logo após o lanche na sala, minutos que antecedem o recreio, é possível ver crianças na porta aguardando o toque da sirene. O recreio é ansiosamente aguardado por todos. Geralmente, a professora ao observar as crianças na porta, diz que é para todos aguardarem sentados até tocar. Quando toca, as crianças saem da sala correndo.

4.3.5 Recreio

Esse parece ser o tempo da rotina mais esperado pelas crianças. O tempo destinado a essa atividade é de vinte minutos diariamente, e sempre após o lanche. Como já referido anteriormente, a professora da turma não acompanha as crianças nesse momento da rotina. As crianças do Infantil V ficam juntas com as crianças dos 1º e 2º Anos.

Minhas primeiras impressões ao observar o recreio foram registradas no diário de campo:

Por onde começar? O que observar nesses vinte minutos? Apesar de ter um roteiro de observação, o número de crianças compartilhando/disputando o espaço me impressiona. Tento encontrar as crianças de cinco anos, busco saber onde elas estão, com quem brincam, como brincam, que espaços são explorados etc. Observo as crianças maiores tentando consertar um equipamento do parque que está quebrado, na tentativa de resgatá-lo e construir uma brincadeira. Não está sendo fácil. O barulho é ensurdecedor. As crianças correm intensamente, a sensação que tenho é a de que elas necessitam extravasar energias. (NOTAS DE CAMPO, 30/10/2014)

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Durante as observações dos recreios na escola, presenciei muitos acidentes com as crianças, inúmeros conflitos e violência física. A nota de campo abaixo registra um episódio vivenciado durante o período de observação:

O momento mais tenso foi quando observei um menino cair de um equipamento e machucar seus testículos. Olhei para os lados e não vi nenhum adulto, somente eu. Deixei o caderno de lado e fui ajudar a criança que chorava, demonstrando sentir muita dor. Conversei com a criança, tentei acalmá-la, as outras crianças também tentaram ajudar. Alguns instantes depois, uma professora que estava na sala ao lado ouviu o choro da criança e resolveu sair da sala. Ela chamou a funcionária dos serviços gerais, que apareceu para levar a criança até a sala dos professores. Contei para ela o que aconteceu, ela exclama: “esses meninos são muito danados, ficam correndo!”. Parecia que a própria criança era culpada pelo ocorrido. (NOTAS DE CAMPO, 10/11/2014).

Diante de um contexto caracterizado pela ausência de adultos, a minha presença no período de observação, tornava-se importante para as crianças, especialmente quando necessitavam de algum auxílio. É interessante destacar que apenas uma ajuda, aparentemente algo trivial e perfeitamente esperado de um adulto, parecia suficiente para que as crianças me percebessem como “legal”. É o que se pode perceber no episódio a seguir:

[...] No recreio, de adulto apenas eu e uma funcionária do serviço de limpeza da escola. Percebo que uma criança caiu e se machucou durante uma brincadeira de corrida. As outras crianças olham para mim como se tivessem pedindo ajuda, deixo o meu diário e ajudo a criança que estava caída a levantar, converso um pouco com ela, na tentativa de acalmá-la. Outra criança puxa a minha blusa e diz: “Ei, tu é legal!” Agradeço e levo a criança com o joelho machucado até a funcionária que observa as crianças no recreio. Depois a criança foi levada para a sala dos professores. “Esse é o momento de recreio do professor”, lembrei da fala da coordenadora. Como pesquisadora, mais uma vez senti as dificuldades de estar naquele espaço, pois de repente estava “sozinha”, observando o recreio das crianças e me sentindo responsável por todas elas. Pensava sobre o meu papel naquele contexto e nas necessidades das crianças, que já percebiam em mim alguém que pudesse ajudá-las de alguma forma. (NOTAS DE CAMPO, 14/11/ 2014).

Vale destacar que a Secretaria Municipal de Educação do Município, nas Diretrizes para o trabalho pedagógico na Educação Infantil (SME, 2014), destaca que o

tempo do parque é um dos “tempos que não podem faltar” na rotina. Conforme o

documento:

O tempo do parque deve ser pensado como um momento de brincadeira livre, na rotina diária, no sentido de ser permitido às crianças escolher a brincadeira, o parceiro, o enredo, como também, dirigir e controlar sua atividade. Assim, ele é compreendido para além do uso do espaço com equipamentos lúdicos, é a oportunidade de brincar livremente, seja na sala de atividades, no pátio, na área verde, entre outros espaços. O papel do professor deve ser o de propor espaços estruturados (os cantinhos), oferecer brinquedos e materiais diversificados, além de tempo cronológico suficiente para o desenvolvimento das brincadeiras pelas crianças. Vale ressaltar que nas escolas que possuem turmas de Educação infantil e Ensino Fundamental (preferencialmente, o atendimento parcial), o recreio

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é um espaço-tempo da rotina que acontece, geralmente, após a higiene e alimentação das crianças, e se constitui uma excelente oportunidade de movimentação corporal ampla (correr, jogar bola, pular corda, amarelinha, jogar carimba), de interagir com outras crianças e adultos, devendo ser garantido de forma segura e organizada pela escola, sempre sob a supervisão de profissionais. Nesse sentido, constitui-se como tempo pedagógico no qual a criança também aprende e se desenvolve. Embora o recreio aconteça no espaço de intervalo do professor, a escola deverá garanti-lo em continuidade da rotina escolar da criança, não devendo ultrapassar 20 minutos (SME, 2014, p.15).

É interesse observar no trecho do documento apresentado acima, que mesmo diante de muitos aspectos positivos, exista uma delimitação tão rígida quanto ao tempo de duração do recreio – no máximo vinte minutos.

De fato, embora com muitos aspectos negativos apontados pelas crianças e constatados na observação, o recreio no contexto da escola pesquisada constitui-se como a uma das poucas oportunidades na rotina para a realização de brincadeiras e interações, elementos fundamentais para a aprendizagem e o desenvolvimento da criança, de acordo com Vygostsky (2007).

A regulação dos tempos das crianças na escola por meio das imposições realizadas pelos adultos revela o quanto os profissionais da instituição lidam de forma adultocêntrica com os elementos que envolvem a temporalidade e a ludicidade da criança, no espaço institucional. Sarmento (2005) lembra que a construção simbólica da infância na modernidade desenvolveu-se em torno de processos de disciplinação da infância, que são inerentes à criação da ordem social dominante e assentaram em modos de “administração simbólica”, com a imposição de modos paternalistas de organização social e de regulação dos cotidianos e, ainda, da desqualificação das vozes das crianças na configuração dos seus mundos de vida. O autor destaca o processo de colonização adultocentrada dos modos de expressão e de pensamento das crianças que acentua os paradoxos da condição social da infância na contemporaneidade.

É durante o recreio que as crianças conversam, encontram amigos, negociam papéis, realizam movimentos amplos, cantam, imaginam, transgridem, escolhem com quem brincar e do que brincar e produzem culturas infantis (DELALANDE, 2011).

Em seguida, alguns registros fotográficos de brincadeiras realizadas pelas crianças:

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