• Nenhum resultado encontrado

3.2 Unidades de conservação

3.2.2 Unidades de conservação de proteção integral

3.2.2.1 Parques Nacionais

Figura 1: Parques Nacionais

Fonte: http://www.ibama.gov.br . Acesso em 03/06/2007.

Nos termos do art. 11 da Lei n° 9.985/00, os parque nacionais, estaduais ou municipais têm como objetivo principal “a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, a recreação em contato com a natureza e o turismo ecológico”329.

Existindo previsão de visitação pública e de proteção integral da natureza, há total incompatibilidade com o regime privado, sendo, portanto, indispensável, para sua instituição, prévia desapropriação. O § 1° do art. 11 prevê, por esta razão, ser o parque nacional “de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei”.

329 Os parques nacionais eram originalmente regidos pelo art. 5°, a, do Código Florestal,

Por essa mesma razão, não é admitida a permanência de populações humanas residentes, ainda que tradicionais330.

A diferença entre parques nacionais, reservas biológicas e estações ecológicas, que serão analisadas a seguir, reside, basicamente, na possibilidade de visitação. Muito embora o parque nacional não necessite ter sua área totalmente aberta ao público, ao menos parte dela, conforme estabelecido no plano de manejo, deverá sê-lo, sob pena de transformar-se o parque em categoria de manejo semelhante à estação ecológica ou à reserva biológica. Desse modo, parques fechados, a não ser provisoriamente, contrariam frontalmente à lei, eis que acabam por se tornar, de forma transversa, categoria diferente331.

Os parques nacionais constituem a primeira categoria de manejo instituída no Brasil, tendo o Parque Nacional de Itatiaia sido criado em 1937, nos moldes dos parques nacionais norte-americanos. Posteriormente, em 1939, outros dois parques foram instituídos: o Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná, e o Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro. Outras espécies de espaços territoriais especialmente protegidos já haviam sido criadas quando da instituição dos primeiros parques nacionais, como é o caso de jardins botânicos e reservas florestais, mas, dentro da perspectiva de unidades de conservação, nos termos hoje estabelecidos pelo SNUC, os parques nacionais foram os pioneiros, constituindo a sua criação e administração, segundo Drummond, a mais antiga política ambiental desenvolvida continuamente pelo Poder Público332.

330 A única exceção diz respeito a populações indígenas, quando há sobreposição entre UCs e terras

por elas tradicionalmente ocupadas. Isso porque a CF/88, em seu art. 231, garante aos índios os

direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens, não sendo possível, assim, pretender-se retirá-los

desses espaços, em função da criação de qualquer espécie de unidade de conservação. Não será abordada, contudo, neste trabalho, a questão da sobreposição entre terras indígenas e unidades de conservação, remetendo-se o leitor ao trabalho do ISA, Terras indígenas e unidades de

conservação da natureza: os desafios das sobreposições. São Paulo: ISA, 2004; além de trabalhos

anteriores, de Juliana Santilli, denominado Aplicação das Normas Ambientais às Terras Indígenas e

Superposição de Unidades de Conservação com Terras Indígenas, publicado na Revista de Direito

Ambiental, Ano 3, nº 12, São Paulo, RT, outubro-dezembro 1988, p. 68-77.; de Ubiracy Craveiro de

Araújo, sob o título A Presença Indígena nas Unidades de Conservação, publicado no Livro Direito

Ambiental das Áreas Protegidas, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2001, p. 317; e de

Fernando C. Tourinho Neto, Os povos indígenas e as sociedades nacionais: conflito de normas e

superação. In: LIMA, André (org.). O direito para o Brasil socioambiental. Porto Alegre, Fabris,

2002.

331 Nesse sentido, DOUROJEANNI (2000), que expõe serem os parques fechados um dos motivos

de críticas feitas pelos socioambientalistas.

Os objetivos dos primeiros parques nacionais criados em diversos países do mundo e, posteriormente, no Brasil, foram o de preservação de áreas virgens, geralmente dotadas de paisagens espetaculares, e o de visitação. Constituíam-se, normalmente, de grandes extensões territoriais, eram criados pelo Poder Público e o uso direto de recursos naturais era proibido. Essa concepção perdura, ao menos parcialmente, até os dias de hoje. Os objetivos de preservação de ecossistemas naturais relevantes e belos, possibilitando o turismo ecológico e a recreação em contato com a natureza coincidem com os objetivos traçados para os parques desde a criação de Yellowstone, nos EUA, o primeiro parque nacional instituído no mundo. Importante observar, nesse sentido, a redação do caput do art. 11 da Lei do SNUC, em que o objetivo básico dos parques nacionais é descrito como “preservação de

ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica”. A utilização

do termo “e” demonstra que, não sendo o local dotado de beleza cênica, não deverá ser ali criado um parque nacional. O Plano do Sistema de Unidades de Conservação já definia parques nacionais como locais com características naturais espetaculares ou únicas, em terra ou no mar, sob controle do Poder Público, sendo exigida sua criação em áreas maiores do que 10 Km².

Drummond procurou estabelecer um padrão de criação de parques no Brasil, classificando os momentos de instituição em diferentes “gerações”. A primeira geração inclui apenas os três primeiros parques nacionais, criados entre 1937 e 1939333. A segunda geração possui 11 parques, instituídos entre 1959 e 1961334. A

terceira geração conta somente com 3 parques, criados entre 1971 e 1974335. A

quarta, formou-se entre 1979 e 1986, com mais 11 parques336. Uma quinta geração

333 Parque Nacional de Itatiaia, no Rio de Janeiro, Dec. 1713/37; Parque Nacional do Iguaçu, no

Paraná, Dec. 1035/39; Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro, Dec. 1822/39.

334 Parque Nacional de Ubajara, no Ceará, Dec. 45954/59; Parque Nacional de Aparados da Serra,

no Rio Grande do Sul, Dec. 47446/59; Parque Nacional do Araguaia, no Tocantins, Dec. 47570/59; Parque Nacional das Emas, em Goiás, Dec. 49874/ 61; Parque Nacional do Caparaó, em Minas Gerais, Dec. 50646/61; Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás, dec. 49875/61; Parque Nacional de Sete Cidades, no Piaui, Dec. 50744/61; Parque Nacional de São Joaquim, em Santa Catarina, Dec. 50922/61; Parque Nacional da Tijuca, no Rio de Janeiro, Dec. 5092361; Parque Nacional de Brasília, no DF, Dec. 241/61; Parque Nacional do Monte Pascoal, na Bahia, Dec. 242/61.

335 Parque Nacional da Serra da Bocaina, em São Paulo, Dec. 68172/71; Parque Nacional da Serra

da Canastra, em Minas Gerais, Dec. 70355/72; Parque Nacional da Amazônia, no Pará, Dec. 73683/74.

336 Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piaui, Dec. 83548/79; Parque Nacional do Pico da

Neblina, no Amazonas, Dec. 83550/79; Parque Nacional de Pacaas Novos, em Rondônia, Dec. 84019/79; Parque Nacional do Cabo Orange, no Amapá, Dec. 84913/80; Parque Nacional do Jaú, no Amazonas, Dec. 85200/ 80; Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, no Maranhão, Dec. 86060/81; Parque Nacional do Pantanal Matogrossense, no Mato Grosso, Dec. 86392/81; Parque

teria surgido após 1988. Com isso, constatou o autor descontinuidades na política de criação de unidades de conservação, que teve momentos dinâmicos, de pouca duração, separados por períodos de paralisia. Embora esses momentos de estagnação tenham diminuído ao longo dos anos, a sua existência revela a falta de planejamento do sistema337, que não contava e não conta com um programa que

estabeleça a continuidade da criação de UCs, com fundamento em estudos técnicos sobre áreas prioritárias para a conservação, previsão orçamentária e diretrizes embasando sua instituição a curto, médio e longo prazo.

Continuando a análise iniciada por Drummond, pode-se perceber que a descontinuidade da política de criação de parques nacionais, assim como a política de instituição de outras categorias de UCs, prosseguiu no tempo. A quinta geração seria composta de 6 parques, criados entre 1988 e 1989338. Na década de 90, nove

parques foram instituídos, sendo apenas um em 1992, e os demais, entre 1997 e 1999339. De 2000 a janeiro de 2007, mais 19 parques foram criados340. É possível,

então, classificar os parques instituídos entre 1997 e janeiro de 2007 como integrantes de uma sexta geração. Note-se que, entre 1989 e 1997, apenas o

Nacional Marinho dos Abrolhos, na Bahia, Dec. 88218/83; Parque Nacional da Serra do Cipó, em Minas Gerais, Dec. 90223/84; Parque Nacional da Chapada Diamantina, na Bahia, Dec. 91655/85; Parque Nacional Lagoa do Peixe, no Rio Grande do Sul, Dec. 93546/86.

337 DRUMMOND (1997b).

338 Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha, em Pernambuco, Dec. 96693/88; Parque

Nacional da Chapada dos Guimarães, no Mato Grosso, Dec. 97656/89; Parque Nacional do Superagui, no Paraná, Dec, 97688/89; Parque Nacional da Serra do Divisor, no Acre, Dec. 97839/89; Parque Nacional Grande Sertão Veredas, em Minas Gerais, Dec. 97658/89; Parque Nacional do Monte Roraima, em Roraima, Dec. 97887/89.

339 Parque Nacional da Serra Geral, no Rio Grande do Sul, Dec 531/92; Parque Nacional de Ilha

Grande, no Rio de Janeiro, Dec. 30/09/97; Parque Nacional Serra da Mocidade, em Roraima, Dec. 29/04/98; Parque Nacional Restinga de Jurubatiba, no Rio de Janeiro, Dec. 29/04/98; Parque Nacional Viruá, em Roraima, Dec. 29/04/98; Parque Nacional da Serra das Confusões, no Piaui, Dec. de 02/10/98; Parque Nacional do Descobrimento, na Bahia, Dec. 20/04/99; Parque Nacional do Pau Brasil, na Bahia, Dec. 20/04/99; Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, em Minas Gerais, Dec. 21/09/99.

340 Parque Nacional da Serra da Bodoquena, no Mato Grosso do Sul, Dec. 21/09/00; Parque

Nacional da Serra da Cutia, em Rondônia, Dec. de 01/08/01; Parque Nacional de Saint-Hilaire / Lange, no Paraná, Lei nº 10.227/01; Parque Nacional de Jericoacoara, no Ceará, Dec. 04/02/02; Parque Nacional das Nascentes do Rio Parnaíba, no Piauí, Dec. 16/07/02; Parque Nacional das Montanhas do Tumucumaque, no Amapá, Dec. 22/08/02; Parque Nacional do Catimbau, em Pernambuco, Dec. 13/12/02; Parque Nacional das Sempre Vivas, em Minas Gerais, Dec. de 13/12/2002; Parque Nacional dos Pontões Capixabas, no Espírito Santo, Dec. 19/12/02; Parque Nacional da Serra do Itajaí, em Santa Catarina, Dec. 04/06/04; Parque Nacional da Serra do Pardo, no Pará, Dec. 17/02/05; Parque Nacional Serra de Itabaiana, em Sergipe, Dec. 15/06/05; Parque Nacional das Araucárias, em Santa Catarina, Dec. 19/10/05; Parque Nacional Chapada das Mesas, no Maranhão, Dec. 12/12/05; Parque Nacional do Rio Novo, no Pará, Dec. 12/02/06; Parque Nacional do Jamanxim, no Pará, Dec. 13/02/06; Parque Nacional dos Campos Gerais, no Paraná, Dec. 23/03/06; Parque Nacional do Juruena, no Mato Grosso e Amazonas, Dec. 05/06/06; Parque Nacional dos Campos Amazônicos, no Amazonas, Mato Grosso e Rondônia, Dec. 21/06/06.

Parque Nacional da Serra Geral, no Rio Grande do Sul, foi instituído, em 1992, o que demonstra outro amplo período de estagnação.

Até o final de janeiro de 2007, já haviam sido instituídos, a nível federal, 62 parques nacionais341.

Relativamente aos problemas mais graves identificados nos parques nacionais (e demais UCs de proteção integral), discorda-se, parcialmente, da afirmação de Drummond, relativamente à idade média dos parques brasileiros, que seria insuficiente para resolver questões fundiárias, demarcar limites, estabelecer boas relações com a população local, criar infra-estrutura, recrutar e treinar pessoal, atrair visitantes e apoiar pesquisas científicas e programas de educação ambiental. Em outras palavras, para o autor, a média de idade dos parques nacionais brasileiros ainda seria muito baixa para que tantos problemas já pudessem ter sido resolvidos. Na verdade, ao menos no que tange à regularização fundiária e à demarcação de limites, a legislação pátria impõe sejam realizadas antes da instituição definitiva da unidade, sendo sua ausência absolutamente ilegal. Ou seja, antes de se criar um parque nacional ou qualquer outra espécie de unidade de conservação que exija dominialidade pública, deverá o Poder Público, necessariamente, desapropriar as áreas privadas que se encontrem dentro dos seus limites, que deverão ser estabelecidos definitivamente no ato de instituição (lei ou decreto). A implantação de unidades de conservação de domínio público342 sem a

prévia desapropriação constitui uma prática ilegal, que contraria frontalmente as normas constitucionais e infraconstitucionais que regem a matéria, apesar da tolerância da doutrina e da jurisprudência pátrias com o que se denomina de desapropriação indireta343. Daí a irrelevância da idade da UC em relação a esses

requisitos.