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Parte 1 – Capítulo 1 A colonização do norte do Paraná 4 O papel da CTNP/CMNP

CAPÍTULO 1. A colonização do Norte do Paraná

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A partir dos anos 30, no noroeste do Paraná, além do adensamento demográfico, ocorreu um processo de identificação da expressão “Norte do Paraná” ao espaço dominado pela CTNP/CMNP. Esta produziu documentos que formaram, durante muito tempo, imagens regionais consistentes e duradouras (Gonçalves, 1999).

A propaganda planejada pela CTNP/CMNP e por outros agentes imobiliários visou construir uma imagem para a qual, por vezes, utilizavam-se expressões pitorescas, como, por exemplo, “Nova Canaã”, “Eldorado” e “Terra onde se anda sobre dinheiro” (Gonçalves, 1999, p.118), enfatizando e promovendo a região que se desbravava. Os pesquisadores também renovaram o discurso da CTNP/CMNP, ao se referirem a Maringá, glorificando os pioneiros e a iniciativa da Companhia. Segundo o historiador Nelson Tomazi (1999, p.51), desde 1950, há duas posições nas várias descrições e análises do processo de (re)ocupação da região hoje situada no norte do Paraná: os que analisaram a questão de um “ponto de vista científico” e os que procuraram confirmar (e muitas vezes construir) o discurso dominante, sendo que estes foram a maioria.

A propaganda realizada para a atração de compradores de terrenos no mundo pioneiro foi analisada por Monbeig (1984). Para o autor, os grandes golpes de propaganda evidenciavam a ingenuidade e o ardor dos pioneiros, que eram seduzidos com esperanças de lucros desmesurados.

Lança-se uma cidade, como se lançaria uma moda, com grandes golpes de propaganda. Os primeiros compradores de terrenos eram comerciantes que tinham sido atraídos. Os que os seguiram, vinham em busca de bons negócios. E por fim, exatamente como se torna popular a moda, depois de adotada por uma minoria, afluíam então para o jovem centro urbano pessoas de todas as classes sociais e de todas as regiões, novas ou velhas. E, sem dúvida, bem justificam a confiança dos pioneiros os progressos do povoamento rural, a extensão da rede ferroviária, a melhoria das comunicações por ferrovia. Mas tal confiança é fortalecida e acrescida pela publicidade. Dela se beneficiaram Londrina e Marília, mais que as suas vizinhas, que tanto quanto elas associava-se ao surto rural (Monbeig, 1948, p. 357).

As cidades são preestabelecidas e, juntamente com o plano urbano, as vantagens são enaltecidas para atrair compradores. Monbeig enfatiza o caráter da comercialização dos terrenos, destacando a semelhança da promoção das vendas com outros

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produtos. As cidades-polo são promovidas pelo seu plano urbano, que foi difundido como um avanço para a época e, principalmente, para a região que se colonizava. Tais aspectos foram fundamentais para promover o polo regional criado pela CTNP/CMNP.

Enquanto isso, a floresta desaparecia rapidamente, a diversidade da vegetação nativa era exibida em fotografias e em relatos diversos. A supremacia do homem sobre a paisagem “selvagem” a ser civilizada era glorificada. Segundo o historiador Arthur Andrade, “Eram cedros, jacarandás, perobas, marfins, paus-d´alho, que tombavam sob o vigor do machado pioneiro” (Andrade, 1979, p. 61). Os animais nativos eram afugentados e desapareciam paulatinamente. “Quando a noite chegava, fogueiras eram acesas para iluminar os toscos acampamentos observados por animais selvagens assustados com tanto barulho” (Andrade, 1979, p. 62) A descaracterização foi violenta em todos os sentidos.

O historiador estunidense Warren Dean (2007, p. 254) avalia que “a derrota súbita e decisiva da floresta fora inevitável, porque a agricultura, na maioria dos lugares, era praticada como antes, com queimada da floresta primária, seguida, mais cedo ou mais tarde, por pastagem de gado”. Ao se referir à atuação da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, esse mesmo autor denuncia que, “em 1975 e 1981, a companhia queimou e desmatou duas enormes faixas não vendidas, as últimas de bom tamanho em seu poder, totalizando 140km2, para plantar pasto e cana-de-açúcar” (Dean, 2007,

p. 256).

Segundo Gonçalves (1995), no processo de venda dos lotes rurais, a CTNP/CMNP não se responsabilizou pelos problemas referentes ao impacto ambiental, imensamente ecocida. Houve descumprimento do Código Florestal aprovado em 1934, que mantinha a preservação das matas em 25%. A empresa assegura que mantinha cláusulas preservacionistas, obrigando a manutenção de 10%. Porém retira- se da responsabilidade, alegando que os proprietários aproveitavam todo o terreno para produção, para se capitalizar e pagar as prestações do lote (ver figura 05).

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Figura 05. A derrubada da mata e a exuberância da floresta nativa expostas nos álbuns da CTNP/CMNP e divulgadas em revistas locais e regionais. Acervo digital do Museu da Bacia do Paraná.

Comentamos alguns aspectos da formação de uma cidade em um novo território que foi considerado destituído de uma história preestabelecida e de habitantes. A política colonizadora realizada por uma empresa privada impôs uma nova realidade, a partir de um processo civilizatório que modificou sobremaneira a paisagem original e introduziu novos problemas e novos programas.

Assim, não só Maringá, mas também a própria colonização do Norte do Paraná assemelham-se a processos que aconteceram na última década do século XIX e nas primeiras do século XX em países onde se estabeleceram as propostas de “civilização de gajo”5 e as políticas imigratórias, como a Argentina (Gorelik, 2005).

No início dos anos 1940, vislumbrava-se em Maringá o lugar onde se poderia implantar um verdadeiro projeto de modernização. Nesse contexto, o projeto urbanístico assumia importância fundamental (ver figuras 06 e 07). Há uma defasagem entre o projeto e a realidade em uma região que se transforma ao introduzir uma nova paisagem: civilizatória e moderna. No Paraná, um projeto moderno de cidade foi implantado ex-novo, uma década antes do início da construção de Brasília.

5Conforme GORELIK, 2005:113, “a metáfora botânica – ‘civilización de gajo’ / ‘civilização de galho’ – foi proposta por Juan Bautista Alberdi na Argentina do século XIX, diante da conclusão generalizada de que nessas terras ‘nada de bom podia nascer da raiz’”. Ver Gorelik (2001).

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Figura 06. A presença da mata compondo o cenário urbano juntamente com a imagem do avião veiculado como símbolo do progresso, utilizado nas propagandas de promoção da cidade. Acervo do Museu da Bacia do Paraná.

Figura 07. Exemplo de publicidade feita sobre a rápida construção da cidade. Acervo do Museu da Bacia do Paraná.

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Maringá, uma década antes de Brasília, surgiu com a missão de exercer uma função integradora, com um forte apelo simbólico que, de certa forma, constituía-se também no seu plano urbanístico e na propaganda planejada feita pela CTNP/CMNP e por seus seguidores.

A aproximação entre o plano de Brasília e o de Maringá merece uma análise mais aprofundada, pois ambos foram formulados para cidades onde a presença da cobertura vegetal original era fator comum, apesar das diferenças entre o cerrado e a mata atlântica. Sendo duas cidades implantadas ex-novo e em zonas de expansão de fronteiras, a ideologia civilizatória marcou nelas a defesa de sua implantação e contribuiu para a formação da carga mítica presente em suas representações e nos discursos sobre a história de cada uma. No entanto, há diferenças óbvias. Brasília contou com investimentos públicos e com o empenho nacional; já Maringá foi criada a partir de uma empresa particular, embora com a intermediação pública (Gonçalves, 1999). Além disso, é claro, ressalte-se diferença de funções entre uma cidade de colonização e uma capital federal. Os traçados urbanos e as configurações dos lotes e dos edifícios nas duas cidades são marcadamente distintos. Porém ambos os planos urbanísticos surgiram num contexto nacional de transformações da rede urbana nacional.

Assim como Brasília, Maringá constituiu-se como terra de promissão. No Norte do Paraná, como foi dito, inúmeras cidades foram construídas ex-novo, porém algumas especialmente tiveram a tarefa de se destacar como polos regionais e polos modernizadores, diferenciando-se em termos de escala, localização, de função e, também, de desenho urbano. A cidade, então, nasce de um sonho moderno e, portanto, a produção de sua carga mítica constitui-se em fator importante para atração de pessoas. O processo de criação de Maringá ilustra o que ocorria na América Latina na época. Pode-se dizer que a CTNP/CMNP, guardadas as particularidades de ser uma empresa privada e inicialmente de capital inglês, contava com o “voluntarismo construtivista” que vislumbrou no novo território a possibilidade de empreender uma modernização sem o ônus dos países desenvolvidos (Gorelik, 2005), ratificando uma região divulgada como terra de promissão em um país moderno.

... de modo que o mainstream do pensamento social duplicou uma característica tradicional do imaginário social latino-americano, depositando no continente uma série de aspirações que, novamente, convertiam-no em terra de promissão para a construção ex-novo do Ocidente, como pareciam ratificar a criação de cidades novas como [...] Guayana e, mais importante ainda, Brasília, o sonho da cidade

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moderna como só podia acontecer em um país “condenado ao moderno”(Gorelik, 2005, p.119).

Maringá pode ser considerada um exemplo de criação de novos centros que encontrou na “integração a expressão de sua modernização” (Hardoy apud Gorelik, 2005, p. 119). Portanto, o plano urbano e a propaganda planejada contribuíram para a promoção da imagem, com o objetivo de atrair pessoas e investimentos.