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2 A MINERAÇÃO E O GARIMPO NO BRASIL:

2.1 O Contexto histórico da mineração e do garimpo no Brasil

2.1.2 A participação de alguns atores sociais

Segundo Souza (2006) a atuação do Estado (governo, especificamente) possui certa autonomia, no entanto, é permeável de influências. E com o Novo Código da Mineração esse processo não foi diferente: observamos a influência em maior grau do mercado (empresas privadas) e em menor destaque da sociedade civil organizada.

Se o setor mineral insiste na ideia de que a mineração é uma atividade de interesse público, parece contraditório que ele evite discutir o assunto com o público interessado. A decisão de conceber um novo marco regulatório unicamente a partir das contribuições e demandas das empresas mineradoras reforça o caráter de interesse privado (MILANEZ, 2012, p. 81).

Justifica-se a participação do primeiro pelo fato dos atores políticos diretamente envolvidos com a proposta do código da mineração tiveram suas campanhas políticas financiadas em parte pelas empresas minerais: “o modelo de extração mineral que põe em primeiro plano a rentabilidade dos negócios para as empresas e governos e secundarizam a participação da sociedade civil, em especial a dos atingidos pela mineração” (OLIVEIRA, 2013, p. 43).

Logo, a característica preponderante do código é a centralização, “com poderes de decisão concentrados no Executivo e blindado contra qualquer ameaça de participação cidadã” (BITENCOURT, 2013b, p. 7). De acordo com Bustamante et al. (2013, p. 79), “o viés excessivamente tecnocrático, intervencionista e centralizador do Poder Executivo Federal afasta quaisquer outros atores do centro da tomada de decisões no setor mineral e semeia insegurança”. Além do mais, os autores acrescentam que “a sociedade é

ignorada pelo PL, que é omisso a questões de extrema relevância, como o

licenciamento ambiental, o pacto intergeracional e a transformação da CFEM em benefícios para sociedade” (BUSTAMANTE et al., 2013, p. 79, grifo nosso). Um exemplo pode ser observado nos debates para negociação do novo código da mineração. Para Bitencourt (2013a), dados analisados sobre a participação no processo de elaboração da proposta, revelam que ao longo do processo tiveram 189 representantes, sendo, em sua grande maioria, representantes ministeriais: Ministério de Minas e Energia – MME, Ministério do Meio Ambiente – MMA, Ministério da Ciência e Tecnologia – MCT e Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – MDIC. Em menor número estiveram presentes representantes da Vale S.A. e do Instituto

Brasileiro de Mineração (Ibram). Já os sindicatos, movimentos sociais, ONGs e as cooperativas minerais estiveram praticamente ausentes nessas discussões.

Foi baseado neste contexto que diversas organizações1, como as dos territórios afetados, os movimentos sociais do campo e da cidade, os pesquisadores e as ONGs se organizaram no Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração. O Comitê, formado no dia 29 de maio de 2013, em um evento em Brasília, busca lutar pelos direitos comunitários e ambientais frente à proposição do Novo Código da Mineração recomendado pelo Governo Federal.

Como reivindicações do Comitê em relação ao Novo Código da Mineração estavam a democracia e transparência na formulação e aplicação da política mineral brasileira, o direito de consulta, consentimento e veto das comunidades locais afetadas pelas atividades mineradoras, a definição de taxas e ritmos de extração, de acordo com planejamento democrático, a delimitação e respeito a áreas livres de mineração, o controle dos danos ambientais e estabelecimento de Planos de Fechamento de Minas com contingenciamento de recursos, o respeito e proteção aos Direitos dos Trabalhadores e a garantia de que a Mineração em Terras Indígenas respeite a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho e esteja subordinada à aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas (OLIVEIRA, 2013).

No entanto, para Oliveira (2013, p. 43), os membros do Comitê “se quer tiveram acesso ao conteúdo da proposta do novo código antes que o mesmo fosse apresentado ao Congresso, ao contrário das empresas que inclusive o modificaram em detalhe”. Como essa observação, temos a ausência de diálogo com a sociedade civil demonstrando cada vez mais a necessidade de “construção

1Como a Comissão Pastoral da Terra – CPT, FASE, Greenpeace, Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – IBASE, Marcha Mundial de Mulheres – MMM, Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra – MST, Pastorais Sociais/CNBB, Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Canaã dos Carajás - PA

de vias de acesso para a cidadania influir no planejamento do setor” (BITENCOURT, 2013a).

Ausentes também do debate do Novo Código da Mineração estiveram os garimpeiros e as cooperativas minerais. Os representantes dos interesses das cooperativas, a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) se articularam juntamente à Frente Parlamentar do Cooperativismo (FRENCOOP2) para tentar inserir no Novo Código os interesses de seus representados. Para tanto, se organizaram e articularam junto às unidades estaduais por meio do Conselho Consultivo do Ramo Mineral e definiram as prioridades e temas de interesses das cooperativas.

Ao todo, foram realizadas oito reuniões com os representantes do setor, dos Estados; sete com o governo federal e duas com o relator da matéria, deputado Leonardo Quintão (MG). Os representantes do setor também acompanharam 28 audiências públicas realizadas no Congresso (FERREIRA, 2014).

Dos pleitos do sistema cooperativista, 80% das solicitações foram atendidas pelo relator da matéria, Deputado Leonardo Quintão – PMDB/MG (ORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS DO BRASIL - OCB, 2014), que também é membro da Frencoop. Entre os pleitos estavam: linhas de financiamento para o setor; adequação dos prazos para o desenvolvimento em relação ao investimento; fomento das cooperativas pelo Governo de forma organizada e articulada com o Sistema OCB; redução dos custos, como os tributários às cooperativas para facilitar a implementação das atividades (FERREIRA, 2014) e obrigatoriedade de registro das cooperativas minerais junto à OCB para conseguir obter o direito mineral. Em resumo, com as demandas do setor cooperativista espera-se que:

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Contribuir para o aperfeiçoamento do marco regulatório de interesse do Sistema Cooperativista Brasileiro, a partir de uma atuação articulada e transparente. Essa é a missão da Frente Parlamentar do Cooperativismo (Frencoop), bancada formada por deputados e senadores que participam das discussões e deliberações legislativas referentes ao setor, tanto nas comissões temáticas, como nos plenários das duas Casas Legislativas (ORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS DO BRASIL - OCB, 2015).

O novo marco regulatório expresse menção ao incentivo às cooperativas minerárias; o respeito aos direitos minerários preexistentes, a desburocratização do processo de cessão de direitos minerários; a possibilidade de delegação da tarefa de expedir autorização minerária para os Estados; a inclusão da OCB no Conselho Minerário Nacional; a aplicação do valor mais baixo previsto para a taxa de fiscalização às cooperativas; e a possibilidade de oferecer os direitos minerários (lavras) como garantia para a obtenção de financiamento (FERREIRA, 2014). Diante do exposto, observamos que a ampla participação social e o debate em torno do Novo Marco foram apagados em detrimento dos interesses econômicos. Visualizamos a participação de alguns setores específicos, como o cooperativismo por meio da Frencoop, caracterizando assim, a defesa de uma parcela dos atingidos pelo Novo Marco da Mineração. Dessa forma, defendemos que “se os bens minerais são bens da União, ou seja, do povo brasileiro, a forma, o ritmo e a destinação dos benefícios de sua exploração devem ser fruto de um debate democrático nacional que resulte em um planejamento público sobre o tema” (OLIVEIRA, 2013, p. 43). A ausência desse debate refletiu as disputas e reproduziu contradições de classe da sociedade brasileira.

2.2 Dimensões da mineração e do garimpo no Brasil: questão