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3 COOPERAÇÃO E COOPERATIVISMO

3.5 Problematização das relações entre cooperativismo e poder

Neste estudo não se busca pensar o cooperativismo com seus valores e princípios de forma estanque, como algo imutável. Pois, conforme Rios (1987), tratar o cooperativismo em termos doutrinários como uma ideologia é uma forma de controle social, pois, a doutrina é “um conjunto de ideias que se aprende e se transmite sem discussão para justificar uma determinada prática” (RIOS, 1987, p. 48), não contestando, não procurando (re) pensar a realidade.

Para o autor, os princípios e valores do cooperativismo oriundos da cooperativa de Rochadale foram “‘fossilizados’ posteriormente numa rígida ‘doutrina’, desvinculada do seu contexto original” (RIOS, 1987, p. 22). Scopinho (2007) ao discutir a cooperação e as cooperativas em assentamentos rurais toma como base os argumentos de Rios (1987) e aponta que o cooperativismo na visão do autor “é uma ideologia niveladora de classes sociais

distintas, que se contradiz porque longe de superar a diferenciação de classe a reproduz em seu interior” (SCOPINHO, 2007, p. 86).

Adicionalmente, Rios (1987) pondera que a transposição desses ideais para o contexto brasileiro fora deturpado pelas elites para garantir um maior controle social e político.

No Brasil o cooperativismo surge como uma promoção das elites (econômicas e políticas) numa economia predominantemente agroexportadora. Não se trata, pois, de um movimento vindo de baixo, mas imposto de cima. Não é o caso, pois de um movimento social de conquista, mas de uma política de controle social e intervenção estatal. Não ocorreu a criação de uma fórmula associativa, mas apenas sua importação e adequação aos interesses das elites políticas e agrárias (RIOS, 1987, p. 24). Consoante a esses argumentos, Bursztyn (1984) ao tratar em sua obra, O Poder dos Donos, assinala que desde o Governo Vargas em 1934 o Estado incentivava a atuação das cooperativas (neste caso, agropecuárias) como uma alternativa de supressão dos problemas sociais, da mesma forma como apontou Costa (2007) para o garimpo. Naquela época, o Estado as enxergavam, e talvez as enxerguem ainda hoje, como um meio dinamizar a produção agrícola para suprimir a demanda de abastecimento da população.

O autor assinala que desse período em diante, o Estado buscou criar os meios para o desenvolvimento dessas cooperativas, como por exemplo, em 1951 foi instituído o Banco Nacional de Crédito Cooperativo (BNCC) para o oferecimento de crédito para subsidiar essas organizações e mais adiante, em 1971, aprovou a Lei Geral das Cooperativas, a Lei 5.764/71, ainda vigente nos dias atuais (BRASIL, 1971; BURSZTYN, 1984).

Essa breve contextualização da atuação do Estado junto ao cooperativismo agropecuário contribui para refletir sobre a sua forma de se fazer presente junto às cooperativas, como as do ramo mineral. Pois, conforme Bursztyn (1984, p. 51) indicou em seu estudo que esse processo teve como características o corporativismo ao realizar a “centralização e subordinação ao aparelho do Estado”. As evidencias do

trabalho de Forte (1994) sobre as cooperativas minerais convergem com os argumentos de Bursztyn (1984), “pelo lado das cooperativas, o desapontamento dos associados tem muito a ver com o modelo paternalista e ao mesmo tempo descontínuo da ação governamental” (FORTE, 1994, p. 104).

Segundo Forte (1994) inicialmente o Estado, por meio dos Governos Estaduais do Rio Grande do Norte e da Paraíba, por exemplo, vislumbraram as cooperativas minerais como uma alternativa de aperfeiçoar o aproveitamento das jazidas, melhorar as condições de trabalho e a vida dos garimpeiros, por meio de apoio técnico e financeiro. No entanto, com o desenrolar do projeto, após algum tempo o Estado sem prévias sinalizações saiu de cena e não mais passou a oferecer o apoio técnico e financeiro para esses empreendimentos que até então eram concebidos como importantes para o Estado.

Além dessa saída repentina, o Estado não preparou os trabalhadores para que assumissem tal empreendimento e como o apoio do Estado era constante, criou-se uma cultura de dependência em relação a este. Tais organizações após o fim do apoio recebido se viram sem reação para dar continuidade às suas operações (FORTE, 1994). Ademais cabe refletir sobre o envolvimento dos beneficiários neste projeto. Para o autor, a atuação do Estado se caracterizou como vertical e paternalista, em que o Estado não se preocupou em envolver esses trabalhadores no projeto que eles estavam ingressando.

Corroborando com os argumentos, o estudo realizado por Nogueira (1994) sobre a autonomia e emancipação dos colonos no Projeto de Irrigação de Gorutuba no norte de Minas Gerais incentivado pelo Estado por meio da Companhia de Desenvolvimento dos Vales São Francisco e do Parnaíba – CODEVASF, tinha como pressuposto do Estado que a autonomia desses trabalhadores em relação àquele perpassaria pela organização destes em cooperativas. Todavia, os resultados do estudo assinalam para uma não apropriação dos colonos da organização

cooperativa e a consequente dominação dessa organização por um grupo de pessoas com interesses divergentes do coletivo.

Para a autora, essa ausência de consciência quanto à importância da participação e apropriação da cooperativa pelos colonos “se deve em parte ao fato dos mesmos não terem sido previamente capacitados e também pela velocidade com que foi imposta a política de transformação de pequenos agricultores em empresários” (NOGUEIRA, 1994, p. 99). Para Demo (1988, p. 17) quando o Estado anuncia a participação é para se “desconfiar, pois deve vir uma proposta aparentemente avançada, mas no fundo desmobilizante” como apontou o estudo de Nogueira (1994).

Bursztyn (1984) faz uma crítica à atuação do Estado ao incentivar a organização de cooperativas como um meio de transformar e desenvolver as forças produtivas no campo. Para o autor, o Estado “define esta união como um instrumento de transformação dos produtores em empresários” (BURSZTYN, 1984, p. 50). Tal prerrogativa desvirtuaria, segundo o autor, a lógica dos Pioneiros de Rochdale, pois se busca empregar princípios socializantes para atingir objetivos capitalistas. Diante desses argumentos, consideramos que sob essa lógica, as cooperativas seriam um ‘filho predileto’ do Estado na medida em que o mesmo incentiva, mas também controla, sendo, portanto, “filho não emancipado” (BURSZTYN, 1984, p. 50).

Frantz (2001) complementa os argumentos de Bursztyn (1984) ao ponderar que as cooperativas funcionariam na visão do Estado como alternativas no processo de superação dos problemas sociais. Frantz (2001, p. 254) corrobora com os argumentos ao refletir que a organização cooperativa aparece “como meios de garantir a ‘inscrição na estrutura social’, procurando evitar a exclusão social”.

O que se pretende nessa discussão não é negar o papel do Estado junto ao desenvolvimento do cooperativismo, mas sim reconstruir essa relação Estado - Sociedade. Conforme ressaltou Schneider (1999, p. 399) sem o “apoio legal,

técnico e financeiro, especialmente nas fases iniciais da implementação das cooperativas, o surgimento de organizações cooperativas não teria sido possível, particularmente junto às faixas populacionais de mais baixa renda”. No entanto, segundo o autor, quando essas organizações possuem as condições de se autogerirem, o Estado continua com os processos de ingerência.

De acordo com os argumentos de Nogueira (1994, p. 104), a autonomia das cooperativas em relação ao Estado demandaria uma participação dos trabalhadores na cooperativa, pois ela gera “processos de consciência, reflexão e apropriação de conhecimentos, além de compromissos” dos trabalhadores para com a cooperativa e caminharia para um processo autogestionário. Cabe ressaltar que compreendemos o processo autogestionário não como um fim em si mesmo, mas em constante construção. Para Nogueira (1994), a autogestão pode ser entendida em dois níveis: a) do trabalhador e da b) cooperativa.

No primeiro caso “significa a capacidade que o mesmo tem de satisfazer as suas necessidades econômicas, sociais, culturais, com consciência, poder de decisão e participação no processo por ele envolvido” (NOGUEIRA, 1994, p. 104). Já na segunda dimensão, em nível da cooperativa, significaria autonomia dela em relação ao Estado. Não se defende aqui, um afastamento completo da cooperativa em relação ao Estado, mas sim uma “capacidade de assumir diretamente as decisões e a direção dos seus negócios” (NOGUEIRA, 1994, p. 104).

4 CAMINHOS METODOLÓGICOS