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Participação das famílias no Programa Nacional de Crédito Fundiário: a que será que se destina?

FUNDIÁRIA

4 O PROGRAMA NACIONAL DE CRÉDITO FUNDIÁRIO EM TOUROS: A PARTICIPAÇÃO EM DEBATE

4.3 O PROGRAMA NACIONAL DE CRÉDITO FUNDIÁRIO EM TOUROS: CONSIDERAÇÕES SOBRE A PARTICIPAÇÃO DAS FAMÍLIAS

4.3.2 Participação das famílias no Programa Nacional de Crédito Fundiário: a que será que se destina?

Não é exagero iniciar afirmando que a concepção de participação adotada em documentos oficiais do Programa Nacional de Crédito Fundiário não se materializa na realidade das famílias que foram assentadas pelo Programa no município de Touros, muito menos na atuação da sociedade civil na gestão e execução do mesmo. A menos que a perspectiva de participação adotada esteja relacionado ao passivismo e a subordinação.

Esta afirmação é possível considerando as avaliações das famílias em relação a “escolha” ao financiamento, via Programa Nacional de Crédito Fundiário. Não houve alternativas que dessem a oportundiade de escolher as condições de acesso a terra, se por desapropriação de terra e com direito ao uso e permanencia no solo, ou se por meio de crédito adquirindo uma dívida para ser paga em 20 ou 30 anos. Foi unânime em todas as associaçãoes a avaliação das famílias que consideraram como principal aspecto positivo do Programa o acesso a terra.

Vale problematizar o acesso a terra via Programa Nacional de Crédito Fundiário que tem por principal objetivo combater à pobreza rural como uma expressão das políticas compensatórias implementadas, a partir dos governos do Partido dos Trabalhadores. Nesse sentindo, há o atendimento de necessidades das classes subalternas, mas sem alterar os interesses das classes dominantes. Com isso, afirma-se que com a aquisição de pequenas propriedades, conforme baliza a Lei nº 93 que cria o Fundo de Terras e da Reforma Agrária, reitera juridicamente a manutenção do latifúndio. Portanto, o acesso a terra por meio do mercado se apresenta como uma forma gerir a pobreza e conter o crescimento das lutas por reforma agrária. Enquanto isso, a diversidade de segmento dos trabalhadores rurais seguem sendo alocados em estreistas faixas de terras, com precário ou nulo acesso as políticas sociais, bem como isolados em propriedades que, no mínimo, dificultam a comercialização dos frutos de seus trabalho como forma de geração de renda, os submentendo a mão do atravessador, que por suas vez, quando pagam por tais produtos o fazem muito abaixo do preço de mercado.

A resultante do acesso a terra via mercado na realidade do município de Touros compõe a lógica estrutural do capital frente ao Estado reduzido pela contrarreforma. De modo que, embora as avaliações afirmem que o PNCF contribui para a melhoria das condições de vida e trabalho das/os trabalhadores/as rurais, estudos apontam que há muito mais problemas que êxito na vida dos/as trabalhadores/as rurais assentados pelo programa. Como analisou Barros (2014) sobre o referido Programa:

[...] Entretanto, ela tem reforçado os processos de exploração e de expropriação dos trabalhadores rurais, no momento em que os insere de forma precária e seletiva no mercado de terra, via Programa Nacional de Crédito Fundiário, provocando processos de endividamento e criando “ilusões”. Dessa forma, a reforma agrária de mercado se apresenta como uma política social de combate à pobreza rural, mas faz parte do mesmo processo de ajuste estrutural do Estado, ao capitalismo financeiro globalizado (BARROS, 2014, p. 30).

Em estudo realizado para Avaliação de Impacto do PNCF, Estudos de Reordenamento Agrário, número 2, da SRA/MDA, considerando aspectos como a forma de participação, tanto do beneficiário, quanto da comunidade, a Avaliação institucional da gestão do Programa chegou a seguinte análise:

A atuação do PNCF tem como base a participação ativa das comunidades envolvidas, que possuem autonomia para elaborar propostas de financiamento, escolher imóveis e negociar preços. De fato, a participação social tem sido uma das principais características do programa, desde sua concepção até efetiva atuação, não só por parte das comunidades, mas também dos estados, dos sindicatos representantes dos trabalhadores rurais e dos demais parceiros. Dessa forma, por meio de uma gestão marcada pela descentralização, o PNCF atua de forma

transparente permitindo que os diversos segmentos envolvidos no programa exerçam o controle social das ações (SRA/MDA, 2007, p. 03).

Porém, as pesquisas realizadas por SAUER (2004), sobre o programa Cédula da Terra, programa que antecede o PNCF, e por Barros (2014) sobre o PNCF, revelam que a participação dos/as assentados/as pela política de financiamento se dá numa condição de submissão. Segundo esses autores, de fato, os/as beneficiários/as não protagonizam esta participação, sequer para a compra da terra, pois há agentes intermediários que se beneficiam deste processo.

As dificuldades de participação são agravadas pela situação das famílias e pela falta de conhecimento. A possibilidade de mudança de vid deixa as famílias ansiosas para adquirir a terra. Elas se dispõem a “negociar por qualquer preço” – afinal a capacidade de pagamento é um problema a ser “resolvido” posteriormente (a demanda imediata é adquirir a terra) (SAUER, 2004, p. 50).

A análise de Sauer (2004) é sobre o Programa Cédulda da Terra, porém reflete a realidade das famílias, assentadas pelo Programa Nacional de Crédito Fundiário, no muncípio de Touros. Dentre as críticas ao Programa ter uma dívida para pagar é sinalizado como um problema.

Para a aquisição da terra é critério do Programa a formação de uma Associação para adquirir o financiamento coletivamente. Assim, as famílias são orientadas a formalizer juridicamente este instrument para esta finalidade. Também é por meio da Associação que o PNCF exemplifica a capacidade participação e autonomia das famílias. Contudo, não foi o que constatou-se na realidade de Touros, certamente, são muitos os fatores que determinam tal realidade. Dentre esses pode-se destacar a falta de conhecimento, experiência e prática em associativismo. A maioria das famílias relataram que, quando ocorria atividade na reunião, a partir da associação, esta atividade estava sempre relacionado ao endividamento das famílias.

Os casos em que os conflitos são mais evidentes estão relacionado as associações que as famílias foram agrupadas pela necessidade de acesso a terra. Ao passo que, as associações onde as famílias tem relação de parentesco ou tem longa convivência de trabalho, antes da propriedade adquirida, as relações sociais mostra-se menos conflituosa. Acreditamos que a formação das famílias para o associativismo serão uma maneira de constitur uma identidade de grupo e o sentimento de pertencimento coletivo, de associativismo.

A ausência de automia das famílias, que também reflete na participação, foi destacado sobretudo na relação com a assistência técnica. Haja vista que, nenhuma associação mostrou- se satisfeita com o serviço que foi ofertado, tanto pela falta de orientação, pela ausencia dos

técnicos, ou ainda, pela decisão quanto ao tipo de projeto produtivo os recursos poderiam ser investidos. Eembora não tenha sido adotado como categoria de análise da pesquisa, por absoluta falta de condições em desenvolver o estudo com o rigor que merece, ainda assim, foi notadamente destacado situações como: autoristarismo frente aos benficiários na decisão dos projetos produtivos e destinação dos recursos; relação dos técnicos com os fornecedores dos produtos adquiridos pela associação resultando em superfaturamento de produtos; cobrança extra para oferta do serviço; abandono da prestação de serviço a associação. Também foi possível observer a replicação dos projetos produtivos para as associações quando coincidia da mesma empresa de assistência técnica prestart serviço a mais de uma associação no muncípio.

Outro aspecto que foi observado no discurso das famílias é que a trajetória de trabalho assalariado, de empregado, de parceria, de meia, que todas as famílias relataram ter antes de adquirirem a terra impõe a esta o permanente entendimento de que são empregados. Foram poucas as famílias que se reconheceram como proprietária, autônoma, que tinham domínio dos recursos destinados a associação. A análise realizada por Sauer(2004) sugere caminhos para entender, porque as famílias do Programa Nacional de Crédito Fundiário se sentem “abandonadas pelo Seara”, se sentem largadas “ao relento”, como mostrou trecho da pesquisa abordada no item anterior:

A prática de recompensar quem trabalha nos empreendimentos coletivos com pagamento de diárias transforma as pessoas em “assalariados” ou “empregados” de sua própria associação ou comunidade. As pessoas, em primeiro lugar, não se apropriam do processo porque estão sendo pagar para fazer um serviço, na mesma lógica de qualquer assalariamento. Em Segundo lugar, as pessoas não se apropriam do próprio investimento porque este não lhes pertence, pois é visto como “da associação” ou “do órgão responsável” (SAUER, 2004, p. 53).

As famílias são obrigadas a conviver de forma coletiva, a realizarem o trabalho previsto no projeto produtivo constante na proposta de financiamento da terra. De modo que, o recurso de investimento destinado as famílias não representa para elas como seus próprios recursos. Some-se a isso, o desconhecimento em trabalho associative, coletivo e a ausência de assistência técnica, consequentemente, resulta em descontinuidade dos projetos produtivos. Nenhuma das associações permanecem desenvolvendo os projetos produtivos propostos inicialmente, certamente há outros determinantes para isso, mas não se sentirem “donos” do projeto pode ser uma justificativa.