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A participação do Ministério Público

O Ministério Público é outro sujeito frequentemente ausente no deslinde dos con- flitos fundiários estudados. Em apenas dois casos, o órgão foi chamado ao processo. No caso 08, o juiz designa a audiência de justificação de posse antes da apreciação do pedido liminar e, nessa decisão, determina a intimação do Ministério Público pelo fato de o autor ser maior de 70 anos e ter a proteção do Estatuto do Idoso. No entanto, logo em seguida, o autor pediu a desistência, não havendo tempo para efetivar a participação do parquet.

No caso 24, o Ministério Público foi intimado tendo em vista a possibilidade de ocorrência de lesões físicas contra o autor da ação pelos demandados, denunciadas por ele mesmo e por uma testemunha, para, sendo o caso, requerer a investigação permanente. A Pro- motora de Justiça participou de duas audiências de instrução. Ao oferecer seu parecer, conside- rou que:

No caso em tela não se percebe clara definição de quem seja invasor/ defensor, visto que é objeto desse processo tal declaração. Há nos autos apenas menção a um BO e declarações do autor e de uma testemunha na condição de informante. Dessa forma, o ato narrado no decorrer da instrução pode ser possível em defesa da posse de um ou de outro, desde que, claro, tenha ocorrido dentro do limite ao estritamente necessário para a retomada da posse perdida [...]. Com efeito, é de se reconhecer que a efetiva intervenção do Ministério Público é desnecessária, visto que a notícia de crime fora encaminhada a autoridade policial, pessoa privativamente competente para presidir inquérito penal. Nesse caso, deve abster-se o Ministério Público de manifestar por força de disposição constitucional, devolve então este membro do Parquet os autos sem incursão da demanda (fls. 214).

Nesse caso, diversas foram as manifestações dos réus sobre a possível falsidade documental do registro do imóvel apresentado pelo autor, feito no Cartório de Registro de Imó- veis de Solonópole, com inconsistências relativa às numerações das folhas, do livro e até mesmo na assinatura do oficial de registro. Diante da competência do Ministério Público para fiscalizar os registros públicos, revela-se uma omissão do órgão.

A mesma falha existe no caso 01, em que o Ministério Público não é intimado a se manifestar mesmo quando os réus apontam irregularidades no loteamento Antônio Diogo, do qual teria sido comprado o imóvel reivindicado, inclusive com a juntada de parecer do Procu- rador de Justiça sobre o assunto oriundo de outro processo judicial. Nesse caso, a própria autora solicita a participação do órgão.

Chama atenção, ainda, a ausência de intimação e participação do Ministério Público no caso 03, no qual os réus fazem pedido de reconsideração da concessão da liminar, trazendo relatos e documentação sobre agressões e fatos criminosos que teriam sofrido por parte da cons- trutora autora da ação.

Entre os documentos anexados na petição está o Ofício 35/2013-2º NUHAM- DPGE, do Núcleo de Habitação e Moradia da Defensoria Pública Estadual direcionado à Co- missão de Direitos Humanos da Câmara dos Vereadores, a fim de solicitar a realização de au- diência pública, junto com Termo de Representação de moradores da comunidade Vitória, de- nuncia ações de despejo ocorridas por duas noites seguidas, na madrugada, com a presença de seguranças armados, que teriam ateado fogo nos barracos quando as famílias dormiam dentro deles, utilizado armas não letais, inclusive atingindo uma criança de 11 anos com choque, e disparado tiros de armas de fogo.

Conforme os relatos, na segunda noite, o Corpo de Bombeiros e a Polícia Militar foram acionados e três homens do grupo de segurança foram presos em flagrante. A Defensoria informou que as famílias perderam seus bens e foram acionadas as autoridades competentes e o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos da Secretária de Justiça e Cida- dania do Estado do Ceará.

Também são anexados à petição dos demandados, documentos do Inquérito policial 130-00074/2013, alusivo à prisão em flagrante, confirmada pelo Delegado, com termo de de- poimento do policial condutor e de testemunhas. Depois disso, a juíza proferiu o seguinte des- pacho: “Rh. Mantenho inalterada a decisão. Aguarde-se a audiência de Instrução e Julgamento na ação de usucapião. Expedientes necessários” (fls. 129).

Ao que parece, nos casos de conflitos fundiários, o Ministério Público não é iden- tificado como um guardião do regime democrático, dos interesses sociais e individuais indis- poníveis, como determina a Constituição Federal no art. 127, ou ignora-se que tais interesses estejam ameaçados nesses tipos de litígio, mesmo quando a sua violação é estampada no pro- cesso. Em nenhuma das situações em que o órgão foi chamado a participar a motivação era o conflito social que envolvia o direito à moradia.

De acordo como o Novo Código de Processo Civil, o Ministério Público deverá ser intimado para acompanhar a ação possessória coletiva (art. 554, §1º). Será intimado também para participar da audiência de mediação nos casos de ações de força velha (art. 565, §2º).

A atribuição de acompanhamento é reforçada pela redação do art. 178, III do Novo Código que estabelece a obrigatoriedade de intervenção do parquet como fiscal da ordem jurí- dica nas causas que envolvam litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana. A redação do CPC de 1973 (art. 82, III) não se refere à disputa pela posse da terra urbana, mas ela já deveria ser considerada abrangida, por interpretação extensiva, tendo em vista que a lei proces- sual menciona os “[...] litígios coletivos pela posse da terra rural e nas demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte”.

A redação clara do NCPC representa mais um avanço para o cumprimento da mis- são constitucional do Ministério Público. O art. 179 do Novo Código esclarece que a interven- ção ministerial se dará tanto pela intimação de todos os atos do processo como pela produção de provas, requerimento de medidas processuais cabíveis e interposição de recursos.

No Ministério Público do Estado do Ceará, por meio do Provimento 046/2010, do dia 12 de maio de 2010, foi criado o Núcleo de Prevenção e Monitoramento de Conflitos Fun- diários, com o objetivo de inaugurar um processo permanente de estudos e proposições de me- didas para o aperfeiçoamento de medidas judiciais e extrajudiciais para resolução de conflitos fundiários, com ênfase na prevenção. O núcleo tinha como atribuições monitorar processos de desapropriação por interesse social, ações judiciais relativas ao domínio e à posse de imóveis; estudar as atividades dos cartórios de registro; elaborar estudos para viabilizar a celebração de convênios com entidades com atribuições fundiárias; dentre outras.

No final de 2012, o Núcleo foi extinto, e vários processos administrativos que ver- savam sobre conflitos fundiários foram arquivados após a redistribuição para Promotorias da Cidadania, o que também mostra o papel da convicção pessoal e o engajamento do operador do direito no seu tratamento. Posteriormente, após a realização do Fórum Social do Ministério Público, realizado em 21 e 22 de outubro de 2013 para elaboração participativa do planejamento estratégico do órgão, a retomada do Núcleo foi pautada por diversas comunidades prejudicadas com a sua extinção, bem como pela Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, pelo Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Po- pular Frei Tito de Alencar, vinculado a essa Comissão, e pela Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares. O núcleo foi então reativado a partir da especialização de uma das pro- motorias cíveis em Promotoria de Conflitos Fundiários.

4 FUNDAMENTOS JURÍDICOS DAS DECISÕES JUDICIAIS

Nos tópicos abaixo, discuto especificamente os fundamentos das decisões que de- signaram a justificação de posse ou negaram a medida liminar e, em seguida, os fundamentos das decisões que concederam a liminar e das sentenças de procedência da ação. Por fim, será feito o debate sobre os casos julgados, com ou sem resolução do mérito da causa, e exposta a situação dos casos em que não houve nenhuma decisão de mérito, chamados “casos inertes”.

Dos 27 casos, em 15 houve a concessão da medida liminar, sendo que em 14 ela foi concedida sem oportunidade de manifestação prévia dos réus. A exceção foi o caso 19, em que foi oportunizada a defesa, não apresentada, e a liminar foi concedida após o prazo de resposta. Ainda dentre esses 15 casos, em 11, a concessão da liminar ocorreu na primeira oportunidade de decisão. Nos outros quatro casos, antes da apreciação da liminar foram deter- minadas algumas diligências, como: intimação para autoras juntarem matrícula do imóvel atu- alizada (caso 02); verificação da situação pelo oficial de justiça (caso 0385, caso 1986); corre- ção do valor da causa e recolhimento das custas complementares (caso 03, caso 20); citação dos réus para defesa (caso 19).

No caso 11, houve, inicialmente, a declaração de suspeição por parte da juíza, por motivos de forte amizade com a família do autor, que tem tradicional e forte atuação empresarial no estado. Após a redistribuição, o juiz concedeu a liminar na primeira oportunidade de decisão. Em dois casos, o 21 e o 22, o pedido liminar foi negado. No segundo, junto com o indeferimento da liminar foi designada a audiência de justificação de posse. Essa audiência foi marcada num total de cinco casos (06, 07 08, 22 e 23).

Em 10 casos, o pedido liminar não chegou a ser apreciado. Isso ocorreu ou por omissão judicial (23, 24, 25, 26 e 27) ou pela desistência do autor (casos 06, 07, 08, 09 e 10) após decisão que tomou providência diferente da concessão da liminar, impossibilitando a apre- ciação posterior do pedido.

85 “Intime-se a parte autora para, no prazo de 5 (cinco) dias, emendar a inicial para atribuir correto valor à causa e recolher as custas complementares. Baixo os autos em diligência e, considerando a proximidade do período de carnaval e a natureza da presente ação, determino, em caráter de urgência, a expedição de mandado de verificação, com acompanhamento de força policial, devendo o Oficial de Justiça certificar: 1. Se a invasão relatada é no terreno de propriedade ou no de posse da empresa promovente, 2. Se houve atos de vandalismo, derrubada de cercas e/ou muros, 3. Se a cerca e o muro são antigos, 4. Se há invasores ou pessoas armadas no local” (fls. 36). 86 Nesse caso, foi determinada também a suspensão de qualquer construção.