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A participação política no interior das empresas estatais e os conselhos operários

2. A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS TRABALHADORES NAS EMPRESAS ESTATAIS EM PROCESSOS DE TRANSIÇÃO AO SOCIALISMO

2.2. Participação política e controle da produção pelos trabalhadores nas empresas estatais

2.2.1. A participação política no interior das empresas estatais e os conselhos operários

com a intenção de refletir sobre os avanços dessas experiências e também seus limites.

2.2.1. A participação política no interior das empresas estatais e os conselhos operários

Uma instância particular de participação e decisão é a própria empresa estatal da transição ao socialismo. As formas de propriedade presentes nos processos de transição ao socialismo podem ser várias, conforme se apontou no capítulo anterior, mas neste item dar-se-á enfoque ao processo de participação política e tomada de decisão pelos trabalhadores em uma forma de propriedade específica, a empresa estatal.

Segundo Mészáros (2011, p. 869), “[...] só a plena e igual participação política de todos em todos os níveis do processo de tomada de decisão pode progressivamente retirar a sociedade de transição em sua trajetória [...]”, para avançar na superação da divisão do trabalho. O âmbito da produção é um espaço específico de decisão, de participação política e de elaboração do plano. Este espaço conta com um grupo de trabalhadores de qualificações e formações diversas, mas que com a divisão técnica do trabalho dependem mutuamente dos trabalhos realizados uns pelos outros, visto que vislumbram alcançar os resultados da produção em geral. A empresa estatal na transição ao socialismo herda aspectos relacionados à organização das empresas no capitalismo, pois como tudo que passa a ser modificado em um processo de transição, conserva alguns elementos ao

mesmo tempo em que nega e supera outros. Nesta perspectiva, a hierarquização, por exemplo, que já existe na organização das instituições no capitalismo se manteve em algumas empresas estatais de países que iniciaram o processo de transição ao socialismo. A presença da hierarquia não é um problema em si, o que deve ser questionado, avaliado e vigiado é o que se identificou ao longo da história: um aprofundamento da centralização das decisões a serem tomadas na empresa ou nas diversas empresas estatais por um grupo reduzido de pessoas.

Nessa perspectiva, retoma-se aqui a ideia de que “socialização dos meios de produção” não é sinônimo de estatização, devendo haver alterações significativas e processuais nas relações de produção que vão emergindo na sociedade em transição, para além das alterações nas formas de propriedade. Nas palavras de Korsch (2013, p.164), na “[...] equiparação entre socialização e estatização baseia- se a maioria das objeções que são feitas frequentemente a “socialização”[...]”, devido à generalização da associação entre “socialização dos meios de produção” e a burocratização que se evidenciou nas diversas experiências histórico-concretas que tentaram realizar a transição ao socialismo. A estatização é importante para iniciar as alterações nas formas de propriedade, as quais são necessárias a um processo de transição ao socialismo, mas não se limita a isto, devendo ainda ser implementadas alterações no sentido de constituir novas relações de produção, alterando a forma de apropriação da produção pelos trabalhadores no sentido da coletivização e da horizontalidade.

Assim, do ponto de vista singular, a “socialização dos meios de produção” caracterizaria uma “democracia industrial” a partir da qual a iniciativa individual não seria reduzida ou eliminada - conforme ocorreu em algumas experiências em que se desenvolveu o burocratismo -, mas ao contrário, seria potencializada, estaria mais visível e palpável do que esteve em qualquer outro momento da história do capitalismo. Assim, ao iniciar-se a transição do capitalismo ao socialismo (e posteriormente ao comunismo) - implementando-se as mudanças nas formas de propriedade, de apropriação da produção e de participação política e decisão – não se elimina a presença do interesse individual80. Ao contrário, o interesse individual

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O que fundamentou algumas críticas às experiências histórico-concretas, pois generalizou-se na sociedade capitalista a ideia de que o socialismo ou o comunismo são formas de sociedade que negam totalmente a individualidade do ser humano por pretender igualizar uma série de aspectos sociais. Entretanto, não há dúvida de que essa crítica não condiz com a compreensão de indivíduo (de homem) que fundamenta boa parte dos pesquisadores, estudiosos e militantes do campo da

se mantém, inclusive devido às diferenças entre os distintos indivíduos81 e entre os diversos grupos, sendo a participação política e a tomada de decisão pelos próprios trabalhadores mecanismos importantes para a realização destes interesses, de modo que o trabalhador possa de fato fazer parte dos processos de decisão e planejamento sobre os quais atua. Entendido dessa forma, a realização do interesse individual consequentemente contribui para a ampliação da produtividade do trabalho (KORSH, 2013).

Na perspectiva de Korsch (2013, p.167),

A socialização dos meios de produção longe de eliminar o estímulo ao interesse pessoal pela produção, diminuindo as forças produtivas e provocando uma redução da produtividade do trabalho social, na verdade, nessa primeira fase da economia comum, conseguirá a emancipação do trabalho, e assim um aumento do interesse econômico pessoal em um círculo significativamente maior dos participantes na produção. Diferentes salários e a participação de todos os grupos da empresa no rendimento da produção comum [...] caracterizarão a indústria socializada em sua primeira fase de desenvolvimento.

O que denomina o autor de “primeira fase da economia comum” está relacionado ao que também expressa Marx na “Crítica ao Programa de Gotha” sobre a “fase inferior do comunismo”; o que neste texto se compreende por um processo inicial de construção da sociedade socialista. Exatamente por se compreender assim, alcançar este estágio inicial de organização que cita o autor demanda mudanças importantes nas relações de produção e na forma de apropriação da produção pelos trabalhadores, o que não se dá de maneira repentina, mas também resulta de inúmeras alterações em diversas esferas da sociedade. Em destaque na citação acima, se evidencia a relação estabelecida entre o interesse pessoal e a ampliação da participação dos trabalhadores na produção. A realização dos interesses individuais possui grande probabilidade de não se concretizar em relações de produção que, em processo de transição, primam pelo centralismo, pelo esquerda e defensores daquelas formas de sociedade. A visão de homem que perpassa a teoria crítica marxista é do homem constituído em sociedade, é do ser social, o que nega uma natureza humana estática e indiferente ao tempo e espaço, o homem se constitui a partir de sua relação com o trabalho e com os outros homens, variando sua forma de ser ao longo da história.

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O indivíduo mesmo sendo um indivíduo particular, sendo que sua particularidade faz dele um indivíduo, “[...] é, do mesmo modo, tanto a totalidade, a totalidade ideal, a existência subjetiva da sociedade pensada e sentida para si [...]”, MARX (2010a, p.108). Cada indivíduo, portanto, apresenta particularidades que o determinam, mas essas determinações estão relacionadas com sua inserção na sociedade. Logo abaixo no mesmo manuscrito, Propriedade privada e comunismo, Marx irá pontuar que apesar de pensar e ser não serem a mesma coisa, formam juntos uma unidade, acrescenta-se aqui que formam juntos uma unidade dialética.

burocratismo e que reduzem (ou quase eliminam) a participação dos membros diretamente vinculados à produção nas decisões a serem tomadas sobre elas e/ou sobre outros aspectos presentes na sociedade.

A contradição82 entre o interesse dos indivíduos ou famílias singulares e o interesse coletivo83 surge a partir das primeiras formas de divisão do trabalho. Com a divisão do trabalho o homem passa a atuar de forma cada vez mais alheia ao processo coletivo, sem consciência da totalidade de sua ação, o que, como se viu, não ocorria nas sociedades pré-capitalistas que mantinham relações de produção menos complexas. A partir da separação entre o interesse individual e o coletivo, “[...] a própria ação do homem torna-se um poder que lhe é estranho e que a ele é contraposto, um poder que subjuga o homem em vez de por este ser dominado”, (MARX; ENGELS, 2009c, p.37). Na sociedade capitalista, a divisão do trabalho configura um limite de atuação a cada trabalhador, delimita “[...] um campo de atividade exclusivo e determinado, que lhe é imposto e ao qual não se pode escapar [...]” (MARX, 2009a, p.38). Nesta mesma linha, na futura sociedade comunista o trabalhador não estará limitado a um campo exclusivo de atividade, mas poderá dispor de inúmeros saberes, que o permitiriam contribuir com a produção coletiva em áreas diversas.

A formação de “conselhos operários”, ou organização similar, se daria no sentido de buscar ampliar o poder de decisão desde as empresas, desde as fábricas, até outras instâncias da sociedade. Os conselhos configurariam a autogestão das empresas, que contribuiria para progressivamente substituir a organização política herdada do capitalismo – mediante largo processo de transição. Durante este largo período, a organização através de conselhos operários ou similares contribui para exercitar a democracia sob nova forma, sendo que os trabalhadores passam a participar politicamente e decidir coletivamente em seus espaços de produção. Em cada unidade de produção ou empresa estatal (objeto de nossa discussão) são os trabalhadores que possuem a responsabilidade de decidir sobre suas atividades e sobre a produção. Entretanto, não há como essas decisões e deliberações internas estarem desconectadas da instância mais geral da sociedade, da planificação estabelecida para a economia como um todo. Por isso,

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Esta contradição na ordem do capitalismo seria uma das contradições secundárias presentes neste modo de produção (MAO, 1999).

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Este se refere ao relacionamento entre os indivíduos organizados em sociedade, os quais dependem reciprocamente uns dos outros mediante a relação com o trabalho e a produção.

esta planificação também deve ser resultado de amplo processo de participação e decisão coletiva.

Através dos conselhos operários se torna possível não apenas aprovar, decidir, deliberar, mas através deles tem-se a inteira dimensão da forma de democracia presente neste período de transição, mediante o processo de discussão, decisão/ deliberação e execução pelos próprios trabalhadores.

2.2.2. Algumas experiências de conselhos operários em países que buscaram

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