• Nenhum resultado encontrado

4.1 O ANTEPROJETO DE LEI DE REFORMA DO CPP

4.1.2. Particularidades

É por certo que um Projeto de Lei que visa a reforma de um Código é uma Lei de corpo extenso, modificando inúmeros procedimentos. No entanto, em virtude do objetivo deste estudo já estar mais do que definido, é previdente que se atenha apenas a parte de nosso interesse, ou melhor, à persecução penal e assuntos conexos.

Murad86 anota que:

Dentre as significativas novidades introduzidas no projeto 156/09, surgem novidades, tais quais a criação do juiz das garantias (art. 15-18), a previsão de novos direitos para detidos, investigados (arts. 8º-14), réus (arts. 60-74) e vitimas (arts 75-82), bem como a radical alteração do modelo tradicional de prisão cautelar (arts. 523-554)

É realmente notável a transformação que propõe o Projeto de Lei mencionado nas áreas citadas pela autora. No entanto, em breve, veremos que continua omisso no ponto fulcral de nosso estudo, ou seja, a investigação a cargo do parquet.

Uma vez apresentadas em linhas gerais algumas das novidades trazidas pelo PLS n.156/09, é chegada à hora de esmiuçá-lo, analisando as partes correlatas ao estudo que ora afigura-se, mais precisamente no tocante à fase pré-processual.

4.1.2.1. O Juiz das Garantias no PLS n.156/09

Essa é uma das grandes inovações relativas à fase pré-processual, trazidas pelo Projeto de Lei em questão. Trata-se de uma louvável iniciativa que visa a manutenção dos direitos fundamentais do investigado.

A redação do art.15 do PLS n.156/0987 é que regula de forma detalhada a atribuição deste juiz das garantias, vejamos:

86

MURAD, Priscila de Castro. A prisão em flagrante sob a égide do PLS n. 156/09 (Projeto de Lei

de Reforma do CPP). 08.2009. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13331>.

Acesso em: 10 out. 2009. 87

BRASIL. Projeto de Lei do Senado Federal n.156 de 2009. Disponível em: <http://legis.senado.gov.br/mate-pdf/58503.pdf>. Acesso em: 10 out. 2009.

Art. 15. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe especialmente:

I – receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do inciso LXII do art. 5º da Constituição da República;

II – receber o auto da prisão em flagrante, para efeito do disposto no art. 543;

III – zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido a sua presença;

IV – ser informado da abertura de qualquer inquérito policial;

V – decidir sobre o pedido de prisão provisória ou outra medida cautelar; VI – prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou revogá-las;

VII – decidir sobre o pedido de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa;

VIII – prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso, em atenção às razões apresentadas pela autoridade policial e observado o disposto no parágrafo único deste artigo;

IX – determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento;

X – requisitar documentos, laudos e informações da autoridade policial sobre o andamento da investigação;

XII – decidir sobre os pedidos de:

a) interceptação telefônica ou do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática;

b) quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico; c) busca e apreensão domiciliar;

d) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado.

XIII – julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia; XIV – outras matérias inerentes às atribuições definidas no caput deste artigo. [...]

Segundo a própria Agência de Notícias do Senado88:

A figura do juiz das garantias contribui, assim, para dar maior imparcialidade às decisões do juiz da causa, que está livre e desobrigado em relação à validade das provas obtidas na fase do inquérito, não tendo compromisso direto com o modo de proceder da investigação.

Este também é o pensamento de Lopes Jr.89, segundo o qual “O perfil ideal do juiz não é como investigador ou instrutor, mas como controlador da legalidade e garantidor do respeito aos direitos fundamentais do sujeito passivo.”

88

NARDELLI, Rita. Criação do juiz das garantias dá maior isenção a julgamento. 07.2009.

Disponível em:

<http://www.senado.gov.br/agencia/verNoticia.aspx?codNoticia=93070&codAplicativo=2>. Acesso em: 10 out. 2009.

89

Muito embora a criação de tal juízo seja com a melhor das intenções, também não escapou das críticas feitas pela sociedade jurídica. Explica Barros Filho90 que

Efetivamente, o chamado "juiz de garantias", na prática, seria inexecutável,por absoluta falta de recursos humanos e materiais para a implantação desse novo sistema. Com efeito, para a efetivação de tal medida,seriam necessários, no mínimo, dois juízes em cada Comarca– um responsável pelas medias assecuratórias adotadas na fase da apuração preliminar e outro para a instrução e julgamento do processo. Para aquilatar a carência de recursos humanos no Poder Judiciário, registre-se que 40% das Comarcas do Estado de São Paulo, Unidade mais rica e desenvolvida da Federação,contam com apenas um juiz.

O autor traz a tona a questão da inexequibilidade de tal medida, por sua vez Taques91 nos alerta sobre a incongruência constitucional de um de seus incisos:

“No inciso IX, cabe ao juiz determinar o trancamento do inquérito criminal quando não houver fundamento razoável para a sua instauração ou prosseguimento. Parece-me que este inciso padece de inconstitucionalidade em frente ao art. 129, I, CF, opção do legislador constituinte pelo sistema penal acusatório. Cabe ao titular da ação penal, que é o Ministério Público, fazer o juízo a respeito disso”.

O animus do legislador em proteger o investigado por meio do juiz garantista acaba por interferir na esfera de quem teria o poder para tal decisão, no caso, o órgão ministerial.

4.1.2.2. A Atuação Ministerial no PLS n.156/09

Eis aqui um ponto obscuro na já obnubilada discussão que cerca o tema. O dispositivo legal constante do referido Projeto de Lei que, mais anuvia do que esclarece é o art 9º92:

90

BARROS FILHO, Mário Leite de. A Reforma ou Destruição do Código de Processo Penal. 06.2009. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13056>. Acesso em 15 out. 2009.

91

TAQUES, José Pedro. PLS que altera o CPP contém fortes falhas, na opinião da Confraria do

Júri. 09.2009. Disponível em:

<http://www.confrariadojuri.com.br/noticias/artigos_view2.asp?cod=343>. Acesso em: 15 out. 2009. 92

BRASIL. Projeto de Lei do Senado Federal n.156 de 2009. Disponível em: <http://legis.senado.gov.br/mate-pdf/58503.pdf>. Acesso em: 15 out. 2009.

Art. 9º. A autoridade competente para conduzir a investigação criminal, os procedimentos a serem observados e o seu prazo de encerramento serão definidos em lei.

Após a leitura desta teratologia legislativa no tocante a questão, difícil não se torna encontrarmos insurgentes no meio jurídico vociferando contra tamanha displicência com que foi tratada a problemática exposta no transcorrer do estudo em tela. É o que faz Barros Filho93 ao criticá-la com veemência:

Efetivamente, vários dispositivos do projeto em discussão estãoeivados pelo vício da inconstitucionalidade [...] Em primeiro lugar, merece relevo a norma disposta no art. 9º, do projeto em debate,que intencionalmente não identifica a autoridade competente para presidir a investigação criminal. [...] A indefinição da autoridade competente para presidir a investigação criminalfoi proposital. Teve comoobjetivo possibilitar o exercício dessa atividade pelos integrantes do Ministério Público.

Argumenta ainda, o autor94, que: “[...] lamentavelmente, o Ministério Público transformou a proposta de atualização do CPP em instrumento ilegítimo para usurpar a investigação criminal da Polícia Judiciária.”

É fato que, mais uma vez, o legislador se fez omisso a questão. A pergunta, no entanto é: O fez realmente com o propósito de (conforme o retrocitado autor) permitir veladamente a atuação do MP na investigação preliminar? Ou simplesmente preferiu abster-se da problemática, relegando a sua solução para Lei superveniente?

Independentemente da mens legislatoris, a conclusão a que se chega é que ao assunto não foi dada a devida seriedade.

As críticas não param por aí, Souza95, em debate organizado pela Procuradoria Geral de Justiça para a discussão do PLS n.156/09, deixa registrado em ata seu repúdio ao tratamento relegado ao assunto:

Quanto ao poder investigatório do MP. O art. 9º tem redação omissa. O código remete a uma legislação posterior com “medo” de enfrentar a questão. Essa questão é bastante madura doutrinariamente, e está na hora da comissão enfrentar o assunto, estabelecendo parâmetros. O assunto é importantíssimo face ao princípio da legalidade, sob pena das investigações serem tidas como ilegítima.

93 BARROS FILHO, 2009. 94 BARROS FILHO, 2009.. 95

SOUZA, Renee do Ó. Ata do Debate organizado pela Procuradoria Geral de Justiça em

11.09.2009. Disponível em: <http://www.confrariadojuri.com.br/docs/ata-debatePLS-CPP.pdf>. Acesso em 15.10.2009.

A questão suscitada pelo autor96 é de relevante importância, uma vez que, segundo ele, existem inúmeras investigações em curso deflagradas pelo órgão ministerial, e estas seriam eivadas de ilegalidade caso o texto fosse aprovado como ora se apresenta.

Cumpre salientar, em tempo, que o dispositivo legal em questão é alvo de críticas tanto de representantes da Polícia Judiciária como do MP, criando uma lacuna legal que apenas põe mais lenha na fogueira das incertezas.

Documentos relacionados