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1.2 CONTEXTO SÓCIO-ECONÔMICO DE PORTUGAL, À ÉPOCA

1.2.2 A partida

Houve um intenso movimento imigratório estrangeiro para a cidade de São Paulo, principalmente no período de 1872 a 1940, predominando as correntes de italianos, portugueses, japoneses, espanhóis e alemães.39 Dentre estes, chegaram os pais das entrevistadas, conforme relata Viga em relação ao seu pai: “Eu tinha uns quinze anos, era mocinha, o meu pai contava que já fazia uns quarenta anos que ele tinha vindo de Portugal, mas o sotaque era bem

carregado. Ele nasceu no ano de 1887.”40

No período de 1911 a 1927, Portugal passou por instabilidade política, perseguições, mortes e deportações. Para fugir dessa situação, vieram para o Brasil os avós, os pais e as mães das depoentes que fazem parte desta pesquisa.

O percurso que fizeram até chegarem aos portos foi bem diferente, variando em grau de dificuldade de acordo com a província de onde partiam. Os que residiam na região de Trás-os-Montes (Vinhais, Chaves) percorreram o caminho para o porto de Leixões, onde embarcaram no navio a vapor “CAP. VERDE”, em direção ao Brasil, percorrendo o mesmo caminho que muitas outras pessoas.

[...] centenas que partiam, desciam dos casais ensombrados e puros das encostas da serrania; vendiam a courela, o moinho junto ao ribeiro onde a água muito límpida espadanava em espuma de neve; abandonavam a aldeia branca como os lírios, e chegavam aos bandos aos cais de Lisboa.41

Já os que procediam das regiões de Vila Nova de Gaia e da cidade do Porto – cidades separadas por uma ponte –, ao se lançarem na aventura de além-

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VERÁS, Maura Pardini Bicudo. Diversidade: territórios estrangeiros como topografia da alteridade em São Paulo. São Paulo: EDUC, 2003.

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Viga, 72 anos, filha de imigrante português. Entrevista realizada pela autora em 22/04/2005.

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mar, contavam com maiores facilidades quanto à distância e ao percurso para o embarque.

Na cidade do Porto, embora as ruas fossem íngremes, os telhados das casas eram imensos e em cascata. Vistos a partir de Gaia, os vários riachos formavam mananciais de água vindos de Salgueiros, de Paranhos e de Germalde. Podia-se observar um contraste entre vendedeiras, aposentados, burgueses, prostitutas, caixeiras, comerciantes, desempregados e jornaleiros, entre outros. O resultado era um misto entre o feitio da cidade e a feição dos seus habitantes, misturando intransigência e generosidade.

As dificuldades para se embarcar rumo ao Brasil eram imensas para os provenientes das regiões distantes dos portos (ver figura 2, p.33). Os meios mais eficientes de transporte eram a besta e o carro de tração animal. Muitos, no entanto, seguiam a pé. Partia-se da terra para uma estação de caminho-de-ferro, por meio da qual se atingia, após uma viagem mais ou menos demorada, um dos portos de embarque transatlântico: Leixões, Porto ou Lisboa.

Leixões era o porto que levaria os avós e os pais de algumas das entrevistadas para a terra dos sonhos e da esperança de uma vida sem tantas necessidades e, ainda, com a possibilidade de enriquecimento rápido e seguro, conforme relata Clarinha: “A mãe foi trazida para o Brasil por um senhor responsável, com uma carta de chamada de meu avô. Ela partiu do porto de Leixões, após ter deixado a aldeia em Trás-os-Montes. Minha bisavó se

despediu com muita dor [...].”42 Fátima, por sua vez, lembra: “O meu avô partiu

de Portugal e desembarcou em Santos, porque geralmente eles desembarcavam lá [...].”43

Ao desembarcarem em Santos, os imigrantes eram encaminhados para as hospedarias e os alojamentos, onde ficavam à espera – por vezes longa – do dia da partida. Em outras situações, o responsável pelo encaminhamento dos

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Clarinha, 72 anos filha de imigrante português. Entrevista realizada pela autora em 08/01/2005.

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imigrantes já os aguardava no porto para recebê-los, como fora o caso do avô de Clarinha. Já a mãe de Fátima, no dia de sua chegada, era aguardada pelos seus familiares e, em especial, pelo seu pai.

Nessa época, a via utilizada para se percorrer o trajeto entre Portugal e o Brasil era a marítima, entre o porto de embarque português ou espanhol e os seus correspondentes brasileiros: Belém do Pará (com ligação para Manaus), São Luís do Maranhão, Recife, Salvador, Rio de Janeiro, Santos (servindo São

Paulo) e Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.44 O tempo de viagem era de 16 a

20 dias para os vapores.

Para os que viajavam pela Companhia Armadora, a diferença entre os passageiros de 3.ª classe e os que viajavam nas categorias mais luxuosas se manifestava pela qualidade da alimentação e do alojamento. Na camarata havia um conjunto de leitos, distribuídos em um só local. Nela viajavam, normalmente, os passageiros de poucas posses, ou de 3.ª classe. Os visitantes, os

“turistas” e os comerciantes viajavam em camarote coletivo ou em cabine

privada, conforme o status do passageiro.

Os avós das entrevistadas vieram para o Brasil, em sua maioria, de 3.ª classe, conforme registra suas Certidões de Desembarque. Quem viajava nesta categoria era considerado emigrante. A este era exigido passaporte, ao qual deveria estar anexada uma carta de chamada ou um contrato-promessa, como colono ou como trabalhador, por parte do governo local ou de uma entidade empregadora, como, por exemplo, a Fazenda do Coronel José Ferreira de Figueiredo, em Bauru.

Já os passageiros de 1.ª e 2.ª classes tinham o estatuto de viajantes ou de visitantes, sendo o único pressuposto do seu direito a esta condição a capacidade

de pagar o título de transporte. Este era o caso dos avós de Helena45, que eram

comerciantes e constantemente vinham visitar a filha casada, como ela própria

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CÂNCIO, Francisco. Op. cit., 1938. p.21.

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explica: “Os meus avós nunca fixaram residência no Brasil, mas sempre vinham visitar a filha, a mamãe.”

Chegando ao Brasil, os passageiros estavam sujeitos a procedimentos distintos. Os visitantes seguiam livremente para o seu destino, sem qualquer inconveniente. Em contrapartida, os imigrantes detentores de uma carta de chamada tinham os seus passaportes visados pelas autoridades portuárias e, em seguida, eram “entregues” ao familiar residente responsável pela sua vinda, conforme relata Fátima: “Eu penso que ele [o pai] já tinha conhecidos aqui, vinham todos os parentes para cá, os primos, os tios, porque eles mandavam cartas como responsáveis para Portugal, e ele veio para cá, e a tia Glória já o esperava.”46

Os estrangeiros que chegavam recrutados como imigrantes por entidades brasileiras, após adquirirem o registro de entrada, eram diretamente encaminhados para um certo empregador ou transferidos para hospedarias de imigrantes, especialmente criadas para abrigá-los, onde aguardavam a convocação individual, efetuada por agentes dos empregadores envolvidos no processo. Existiam hospedarias deste tipo em vários pontos da costa brasileira, sendo as mais importantes localizadas no Rio de Janeiro (Ilha das Flores) e em São Paulo (Hospedaria dos Imigrantes).

Os descendentes de parte das entrevistadas instalaram-se na Hospedaria do Imigrante, onde permaneceram por pouco tempo, já que logo partiram para o seu destino. Na cidade de São Paulo havia uma ligação ferroviária, a São Paulo Railway, que transportava os imigrantes diretamente do porto de Santos para as fazendas do interior.47

O imigrante português, depois de percorrer muitos quilômetros em sua terra natal e milhas pelo Oceano Atlântico, chegava em busca da sua “Árvore de

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Fátima, 61 anos, filha de imigrante português. Entrevista realizada pela autora em 23/02/2005.

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Patacas”.48 Portanto, pode-se atribuir a este uma vontade de lutar e obter sucesso, seja na agricultura, na indústria, no comércio ou nos serviços em geral. Não havia setores econômicos que não contassem com seus préstimos, mas vale destacar que “o emigrante português é, em geral, aldeão e agricultor, sem a instrução e a hereditariedade artística [...] (principalmente no início do século

XX). O português se adapta ao meio, inteiramente”.49

Diante do exposto, pode-se afirmar que o “esforço físico”, a “vontade de vencer” e o “mito do retorno” caracterizaram os muitos portugueses que chegaram ao Brasil entre o final do século XIX e o início do XX, entre eles os avós, pais e tios das entrevistadas. No entanto, observa-se também que nem sempre os ideais dos emigrados de Portugal foram alcançados.

48

MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e Cultura: História, cidade e trabalho. Bauru, SP: EDUSC, 2002. p.59-86.

49

Ibidem. p.38. (p.80/81 do Álbum da Colônia Portuguesa no Brasil)

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