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Os avós das entrevistadas, ao desembarcarem no Brasil, conforme já comentado, fixaram residência em São Paulo. Muitos deles foram para a região do Pari, onde já havia se estabelecido um núcleo de imigrantes portugueses. Segundo comentam as depoentes, neste bairro havia poucas moradias e apenas alguns comércios. Seus moradores, quando não eram parentes, eram amigos antigos de além mar. Clarinha relata que “[...] no Pari, todos lá eram parentes, tios, avós, primos. Eram parentes ou do meu pai ou da minha mãe.”110 Assim, pode-se afirmar que o fato de terem podido conviver com parentes e amigos facilitou, de certa forma, a adaptação desses imigrantes no Brasil ou, ao menos, os fez sentir menos distantes de sua terra natal.

Na ocasião, a Prefeitura Municipal havia concedido “datas de terras” – áreas não incluídas nas chácaras existentes – para o uso e ocupação do espaço urbano. Clarinha comenta que seu avô recebeu o local onde residia como doação do prefeito da época:

[...] Meus avós tinham uma chácara de flores, uma pequena horta e alguns pés de árvores frutíferas. Eles faziam feixes de flores e vendiam para auxiliar nas despesas. A chácara ficava localizada ali na Barão de Ladário. Foi um presente do Inventor, Governador, eu não sei bem como se chamava naquele tempo.111

Esta doação foi concedida porque o avô materno de Clarinha iniciou suas atividades na Prefeitura do Município de São Paulo, levando consigo vários jovens portugueses para trabalharem sob o seu comando nas tarefas de embelezamento e calçamento da cidade. Vale ressaltar, ainda, que dentre estes jovens estavam os pais de algumas outras entrevistadas.

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Clarinha, 72 anos, filha de imigrante português. Entrevista realizada pela autora em 08/01/2005.

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A cidade crescia e, por conseguinte, as casas existentes eram adaptadas e novas habitações coletivas eram construídas, isto em decorrência do alargamento das avenidas, da expansão das fábricas ou dos códigos de postura sobre as edificações colocados em prática.

As novas moradias coletivas eram denominadas de “cortiços”, “vilas” e “quintalões”, que eram variações do mesmo padrão. Os lotes eram, geralmente, retangulares, apresentando diferentes dimensões: as frentes variavam de 5 a 15 metros e os fundos de 20 a 50 metros. Os lotes com frente menor comportavam cortiços com uma entrada lateral, que perfilavam quartos geminados, perpendicularmente à entrada, com tanques e banheiros comuns. Os lotes com frente maior tinham entrada central e duas filas de cômodos que a ladeavam,

assumindo forma de ferradura ou de U, e alguns eram assobradados.112

Quanto à higienização dessas habitações, os moradores procuravam estabelecer uma organização para as funções de limpeza dos banheiros e dos corredores de circulação comum; era, possivelmente, um embrião do sentido comunitário.113

Durante muitos anos, até 1930, os bairros operários mantiveram suas características iniciais: ruas inteiras de casas feitas em série (todas iguais), habitações pobres, moradias coletivas, pequenas oficinas, fábricas de pequeno ou grande porte, pequenos comércios e sistema precário de água e esgoto.

Até 1940, as condições de moradia dos operários industriais e dos urbanos eram semelhantes, já que ambos pagavam aluguel e viviam em vilas, cortiços ou porões de propriedade de indivíduos, companhias construtoras, companhias mutualistas ou cooperativas que investiam no rendoso negócio da habitação popular. De certa forma, os poderes públicos incentivavam as

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CARLOS, Ana Fani Alessandri; OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino. Geografias de São Paulo: a metrópole do século XXI. São Paulo: CONTEXTO, 2004.

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MARTIN, André. O bairro do Brás e a deterioração urbana em São Paulo. Dissertação (Mestrado em Geografia), São Paulo, USP, 1984.

empresas privadas a construírem moradias populares, sem se importarem com os lucros obtidos ilicitamente em tais empreendimentos.

Clarinha relata que a chácara de seu avô foi transformada em habitações deste tipo: “A chácara de flores do meu avô foi transformada em várias casinhas, com tijolinhos à vista e um quintal na frente, isso ocorreu ali na Barão de Ladário.”114

Depois desta estadia no bairro do Pari, os antecessores das depoentes aqui estudadas se instalaram no bairro do Tucuruvi, no qual todos, após muitos anos, vieram a falecer. Mas, de certa forma, o núcleo familiar de avós, pais, filhos e netos permaneceram unidos neste bairro, como foi explicado.

Da chácara de flores o meu avô adquiriu uma outra propriedade no Tucuruvi, onde também tinha uma pequena horta e algumas árvores frutíferas. O terreno da minha mãe cruzava os fundos com esta chácara, a separação era feita com uma cerca de bambus.115

Paralelamente a este grupo de portugueses, chegava ao Brasil um outro núcleo de imigrantes constituído de dois irmãos e alguns conhecidos, todos oriundos da cidade do Porto. Vieram com tino comercial e se instalam no bairro da Saúde, como explica Helena sobre os seus pais e o seu tio.

O meu pai e o irmão dele se estabeleceram no bairro da Saúde, mas o irmão que veio com algumas economias se estabeleceu no ramo de secos e molhados, com um pequeno empório. Depois, foi para o interior para Avanhandava, regressando mais tarde para o bairro do Tucuruvi. O meu pai era carpinteiro, trabalhava na decoração de assoalhos e tetos das casas. Ficamos na Saúde durante muitos anos, fomos para o interior na época da Revolução, para a fazenda do meu tio, mas depois papai voltou para São Paulo, indo se estabelecer no Tucuruvi. Por coincidência, os pais da minha mãe também se estabeleceram na Saúde. Penso que já conheciam a família do meu pai, e o casamento deles foi de bom gosto, isto em 1914.116

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Clarinha, 72 anos, filha de imigrante português. Entrevista realizada pela autora em 08/01/2005.

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Clarinha, 72 anos, filha de imigrante português. Entrevista realizada pela autora em 08/01/2005.

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Viga comenta como seus pais se conheceram e se estabeleceram na cidade de São Paulo:

Eu me lembro assim: os meus pais já se conheciam desde Portugal. Eles vieram para São Paulo, depois foram para o interior onde eu nasci. Eu vim com 4 meses para São Paulo, viemos morar no bairro do Chora Menino. O meu pai construiu uma casa na Rua Mambucá, [...] que depois passou a se chamar rua Ismael Neri, Ah! meu Deus, quantas saudades, mas já era outro bairro, era o bairro do Tucuruvi.117

Por várias razões, em momentos diferentes, as famílias das entrevistadas se estabeleceram no bairro do Tucuruvi, e elas acabaram se encontrando.

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