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PARTINDO DO ESTUDO DE CASO ETNOGRÁFICO DOS ARTISTAS IMIGRANTES NO BAIRRO ALTO Os dados empíricos da pesquisa etnográfica com músicos imigrantes no Bairro Alto (sobretu-

SONORIDADES BRASILEIRAS E INTERAÇÕES CRIATIVAS NO BAIRRO ALTO

2. PARTINDO DO ESTUDO DE CASO ETNOGRÁFICO DOS ARTISTAS IMIGRANTES NO BAIRRO ALTO Os dados empíricos da pesquisa etnográfica com músicos imigrantes no Bairro Alto (sobretu-

entre aquilo que podemos designar como projetos de desenvolvimento artístico e pessoal e as práticas laborais quotidianas destes músicos em bares, restaurantes, na rua, para obter rendimentos. A falta de enquadramento institucional para a prática quotidiana de desenvolvi- mento artístico, mais valorizada, leva estes atores a “inventarem” formas de a colmatar criando, por exemplo, estúdios informais onde podem desenvolver o seu trabalho sem custos muito elevados. A partir deste estudo de caso ficaram claras duas fragilidades, sobretudo espaciais e simbólicas. Por um lado, verifica-se que a área central de Lisboa, onde parte destes artistas vivem, não tem qualquer rede de infraestruturas adequadas às atividades referidas e, por outro, sublinha-se a ausência de um lugar central na cidade de Lisboa que seja uma referência da representação simbólica destas expressões musicais.

Tendo em conta que observamos a presença local de muitos eventos de “música brasileira” ao vivo no Bairro Alto, em bares, restaurantes, salas de concertos e associações não podemos deixar de refletir sobre os modos como os recursos humanos, artísticos e económicos são geri- dos pelas entidades autárquicas e estatais. Alguns destes artistas participam em eventos que permitem realizar capacidades criativas e formas de expressão que em diversas situações são trabalhos de autor, circulando tanto localmente como no âmbito de circuitos internacionais. Os festivais internacionais de forró e samba que acontecem em dezenas de países por toda a Europa são alguns exemplos de eventos que fazem parte destes circuitos.

Do nosso ponto de vista, a Câmara Municipal de Lisboa, que tem uma agenda associada à multiculturalidade e às manifestações da lusofonia, poderia estar atenta e apoiar mais este fenómeno dos artistas imigrantes de origem brasileira que localmente trabalham para dar visi- bilidade aos seus projetos pessoais, gerando um circuito de consumo e lazer associado. A criação de grandes festivais internacionais de referência vinculados ao território da cidade de Lisboa e a ligação com os artistas imigrantes, passa pela reunião de sinergias e de processos (ex.: festival “Forró de Lisboa”), que sucedem atualmente a nível micro social. As interações entre estes músicos e as cenas locais de música com maior peso na economia do país e da

cidade, como o caso específico do fado, têm permitido uma série de combinações entre mú- sicos de diferentes origens e géneros musicais, levando ao aparecimento de cruzamentos de protagonistas, práticas, espaços e eventos que deveriam ser aproveitadas e potenciadas pelas economias locais e nacional.

Neste sentido, o facto destas manifestações artísticas acontecerem no contexto único da ci- dade de Lisboa favorece o encontro e a interligação entre diversas culturas e continentes, para além de ser uma plataforma de acesso ao espaço europeu, como gateway city. No entanto, se não existirem condições ao nível dos equipamentos e da programação cultural para a realização destas práticas artísticas e culturais, muitos destes artistas vão inevitavelmente acabar por se estabelecer noutros países, criando movimentos económicos e culturais nesses contextos (o que já acontece atualmente).

Ao nível das práticas artísticas dos músicos de rua, onde podemos encontrar muitos imigran- tes, foram mencionadas algumas complicações burocráticas, como as licenças temporárias de ocupação do espaço público para os músicos que usam amplificadores com apenas algumas dezenas de watts. Noutra perspetiva, os lugares da cidade para estas performances deveriam ser planeados pela gestão administrativa do território, tendo em conta a itinerância dos artistas e não os lugares fixos alocados a freguesias, por exemplo.

Partindo da reflexão levada a cabo durante a investigação, fizemos o esforço de avançar algu- mas sugestões de trabalho que vão ao encontro do que discutimos previamente.

Uso planeado do espaço público para aumento da visibilidade social e pública dos artistas imigrantes e das suas práticas: propõe-se o incremento do apoio às “cenas” e movimentos artísticos existentes ao nível local, evitando as programações que se sustentam apenas nos ar- tistas com maior reconhecimento nacional e internacional. Por outro lado, considera-se desejável o aproveitamento dos recursos criativos que existem no território, criando plataformas locais de lançamento para uma circulação estabilizada de artistas em âmbitos e circuitos internacionais.

Neste sentido, seria importante aliar aos incentivos anteriores uma publicação editorial focada nas atividades artísticas da multiculturalidade. Este instrumento de divulgação, planeamento, angaria- ção e fidelização de públicos poderia ter como alvo, toda a Área Metropolitana de Lisboa. No caso das práticas artísticas de rua, os equipamentos e os pontos de atuação poderiam ser pensados em conjunto para valorizar o espaço público e a fruição da própria cidade, configurando soluções de

design urbano e locais (como os miradouros de Lisboa) para melhorar a visibilidade dos artistas

e das suas práticas.

Desenvolvimento e promoção de propostas de programação cultural específicas e transver- sais às várias expressões da música e da dança: utilizar os meios institucionais para divulgar, promover e apoiar financeiramente os fenómenos “bottom up” protagonizados pelos músicos imigrantes que estão a realizar projetos a nível local, poderia ser uma iniciativa profícua. A reali- zação de festivais que tenham impacto a nível local, nacional e internacional de samba e forró, realçando projetos que reinventam géneros, ligações entre músicos e expressões lusófonas. Assim, considera-se desejável que organismos e instituições como o Ministério da Cultura, as Direções Regionais de Cultura, o Alto Comissariado para as Migrações, as Câmaras Municipais, a EGEAC, a Fundação Calouste Gulbenkian, a Culturgest e/ou programadores e organizadores culturais vários a atuar em Lisboa e/ou noutras cidades portuguesas, que possam aproveitar e impulsionar estes recursos para organizar uma programação cultural que produza eventos com dimensão nacional e internacional de modo a incentivar a produção artística e o desen- volvimento pessoal destes artistas, fazendo com que estes atores participem ativamente na programação e produção dos eventos. Considera-se ainda pertinente disseminar uma produção cultural local, em zonas particulares da cidade (como o Bairro Alto) para apoiar a regularidade das realizações artísticas locais.

Criação de um equipamento cultural para a cena artística lusófona: sugere-se a criação de um espaço que seja uma referência ao nível da cena artística da lusofonia, entendendo que as condições relacionadas com este equipamento deverão ter em conta conjuntamente expres- sões artísticas tais como a música, a dança, o teatro e a performance e as artes plásticas. Para

criação deste novo espaço da arte lusófona poderia aproveitar-se algum equipamento urbano já existente na cidade, não havendo propriamente necessidade de se construir uma nova in- fraestrutura para o efeito. Recomenda-se uma especial atenção à ausência de lugares para o desenvolvimento das sonoridades lusófonas e de equipamentos de ensaio, gravação e experi- mentação musical onde se possam integrar as musicalidades portuguesas, cabo-verdianas e brasileiras, entre outras. Do mesmo modo, verifica-se a necessidade de espaços de exposição de peças artísticas (artes plásticas, teatro, performance) produzidas por artistas de língua por- tuguesa que formam parte deste universo artístico lusófono.

Os benefícios do talento destes artistas, a ter em atenção por redes que já estão instituídas, como escolas públicas, bibliotecas, música nos hospitais, associações e projetos de índole social são dimensões essenciais para a partilha de pontes e a construção de cidadania. Es- pecificamente, alguns destes atores que trabalham e residem na região do Bairro Alto têm ao pé de si a Escola de Música e Dança do Conservatório Nacional, teatros e salas de concertos onde trabalham interlocutores, alguns ligados ao mundo das artes, que poderiam dar apoios enquadrados institucionalmente. No fundo, importa não perder a experiência, as capacidades e o talento que estes artistas mostram com a sua iniciativa pessoal e o seu talento, demonstrado pelo dinamismo cultural local que desenvolvem na cidade.

3. PARTINDO DO ESTUDO DE CASO ETNOGRÁFICO SOBRE AS PRÁTICAS DOS ARTISTAS