• Nenhum resultado encontrado

O QUE É PATRIMÔNIO CULTURAL PARA OS AGENTES SOCIAIS ENVOLVIDOS NOS BLOCOS CAÇADORES E LEÃO DE AÇO

3 AS CONTROVÉRSIAS DA RELAÇÃO ENTRE PATRIMÔNIO CULTURAL E TURISMO, NO CONTEXTO DOS BLOCOS CAÇADORES E LEÃO DE

3.2 O QUE É PATRIMÔNIO CULTURAL PARA OS AGENTES SOCIAIS ENVOLVIDOS NOS BLOCOS CAÇADORES E LEÃO DE AÇO

Em pesquisa sobre as memórias dos blocos carnavalescos Caçadores e Leão de Aço da cidade do Pilar-AL, utilizando a história oral temática como metodologia, embasada por meio das teorias das Controvérsias de Bruno Latour, e da Memória enquanto fenômeno social e histórico, baseando-se em Maurice Halbwachs, Michael Polak e Pierre Nora, fomos a campo, perguntando o que é patrimônio cultural para os nossos depoentes, para assim entendermos melhor as concepções nativas acerca do termo, e verificarmos se a noção de patrimônio na qual estamos imbuídos, é adequada à realidade sociocontextual do bem cultural a ser estudado.

“Patrimônio cultural é justamente a cultura da terra, o que nós vemos em forma de cultura” (NEZINHO CAMÊLO). Nesta concepção bem genérica, Nezinho Camêlo faz referência a patrimônio cultural levando em consideração a questão regional/territorial, as práticas e representações do lugar.

Patrimônio cultural é as tradições da terra né, as coisas, por exemplo, os blocos carnavalescos, baianas, os eventos, são coisas culturais, pelo meu entender, são essas coisas culturais, é a baiana, é um guerreiro, que aqui no Pilar tem, é um evento tradicional, que mexe com os estudantes, entendeu, é um festival do bagre, é um festival do siri, isso aí é um patrimônio cultural de nossa cidade, como nós temos o sustento que é a casa da cultura. (GILMAR)

Gilmar elencou como patrimônio pilarense, além dos blocos carnavalescos, os folguedos e os eventos tradicionais da cidade. Por fim, ele fez referência á Casa da Cultura Professor Arthur Ramos, sede da diretoria municipal de cultura, como sendo o sustento do patrimônio cultural. A relação entre patrimônio cultural e poder público é um pouco controversa, precisamos relativizar o papel do Estado no que tange à patrimonialização. São os agentes sociais envolvidos na dinâmica patrimonial que a sustentam, essa perspectiva não visa a isentar o Estado de responsabilidades, mas garantir o protagonismo a quem é de direito, e evitar usos políticos do patrimônio. Precisamos enxergar o poder como algo relacional, o Estado não é seu órgão central e único, existe uma teia de micropoderes nas estruturas sociais que garante processos internos de resistência (FOUCAULT, 1979). A frase grafada na camisa do Leão de Aço, em 2017, motiva seu processo de resistência.

Figura 11 - Camisa do Leão de Aço – 2017. Fonte: Raniery Guedes

Para Zé do Feitor, o Pilar tem como referência cultural os Blocos Caçadores e Leão de Aço. Segundo palavras do entrevistado, quem tem “poder” para ser considerado patrimônio pilarense são os dois blocos mais tradicionais da cidade. Quando Zé do Feitor trata da questão do poder, neste caso, é referindo-se à complexidade dos blocos,, que transcende a festa carnavalesca.

Tudo no Pilar tem influência destes blocos, pelo que eu vejo, as cores do Pilar é as cores dos dois, a bandeira tem as cores dos dois blocos, a gente passa o ano todo trabalhando, lutando, mas com o pensamento que chegue o carnaval para ver os dois passar, todo mundo para quando aporta, para som, para tudo, tudo para pra ver os dois, a influência é muito grande desses dois, embora a juventude hoje não tá se ligando a eles. (ZÉ DO FEITOR)

Talvez, ao falar que as cores do Pilar são as cores dos dois blocos, Zé do Feitor esteja se referindo ao hábito que algumas pessoas têm de pintar a fachada de suas residências com as cores do seu bloco do coração. Na ida a campo, observei muitas casas verdes e brancas no bairro Pernambuco Novo, em alusão aos Caçadores, assim como casas amarelas e vermelhas no bairro do Engenho Velho, em alusão ao Leão de Aço.

Figura 12 - Casas do Zé do Feitor e do Sérgio Moraes. Fonte: Raniery Guedes

Em visita à casa da cultura e museu professor Arthur Ramos, encontrei na exposição, a explicação sobre a bandeira pilarense, que foi criada na data de dezesseis de março de 1972, ano de comemoração do centenário da emancipação política da cidade. Idealizada pela professora Rosalina Soares Cavalcante, as cores da bandeira homenageiam aqueles que eram os três principais blocos da cidade, verde dos Caçadores, amarelo dos Boiadeiros (inativo) e vermelho do Leão de Aço. No círculo central a bandeira há referência à indústria, religiosidade e à pesca, elementos que dialogam com a história dos blocos, além evidentemente do lema “amor e união”. À esquerda encontramos a representação de um coqueiro e a direita a cana-de-açúcar, elementos que refletem o desenvolvimento agrícola da cidade.

Figura 13 - Bandeira da cidade do Pilar. Fonte: Casa da Cultura prof. Arthur Ramos

Quanto a questões que envolvem religiosidade, Zé do Feitor explica um conflito que existia durante a procissão de Nossa Senhora do Pilar, onde, em respeito ao momento sagrado, tentava-se resolver na base da negociação, no entanto, tendo em vista que a procissão sai em 2 de fevereiro, e que logo após vem o carnaval, quando os ânimos ficavam mais acirrados, aguardava-se chegar a festa momesca para o acerto de contas com violência.

A procissão passava no Pernambuco Novo [bairro dos Caçadores] pelo dia, então os fogos lá era só foguete e bomba, isso é feio né, o foguete não tem nada. Quando ela passava lá no Engenho Velho [bairro do Leão de Aço], passava a noite, então é fogos de artifício [ornamentais], é muito bonito, [...], eles mangavam [zombavam] do pessoal do Pernambuco novo, que era só bomba e foguete. (ZÉ DO FEITOR).

Para resolver este problema, foi solicitado ao Pároco que a procissão saísse em cada ano para um lado oposto, sendo solucionado com seu início se dando já ao escurecer.

Ser Caçador ou Leão de Aço extrapola a festa carnavalesca e nos ajuda a entender um pouco do contexto sócio-histórico pilarense, tendo em vista que eles representam a divisão entre os dois bairros centrais da cidade e as atividades neles desenvolvidas. Famílias consideradas importantes, utilizavam os blocos como demonstração de poder; políticos apoiam os blocos, de maneira a ter seus nomes lembrados em período eleitoral; comerciantes e industriais investiam nos blocos reconhecendo-os como espaço de lazer de seus funcionários; várias outras festas da cidade, acabavam tendo elementos

da rivalidade entre Caçador e Aço, como a guerra de buscapés que existia nas festas juninas e a apresentação de pastoris que ocorriam no Natal, onde o cordão azul52 era composto por pastorinhas do Pernambuco Novo (bairro dos Caçadores) e o cordão encarnado era composto por pastorinhas do Engenho Velho (bairro do Leão de Aço); tratando dos clubes futebolísticos de maior torcida de Alagoas, alguns entrevistados explicaram que é comum as pessoas do Caçadores se afeiçoarem pelo CSA53, enquanto as do Leão de Aço pelo CRB54, ainda relataram que já existiu na cidade também um time de futebol com o nome de Leão de Aço; outro fator relevante que presenciei, foram as notas de falecimento, que são anunciadas: “morre o caçador(a)/leonino(a) fulano de tal”.

Foi bastante significativo nas entrevistas, à sensibilidade que os depoentes tiveram em identificar bens imateriais como patrimônio cultural.

3.3 BREVE HISTÓRICO DA NOÇÃO DE PATRIMÔNIO CULTURAL