• Nenhum resultado encontrado

4. ANÁLISE DOS DADOS

4.1.2. Os documentos oficiais que têm regulamentado o ensino de

4.1.2.2. PCN+ (2002)

Após a publicação dos PCEM, em 2002, uma nova proposta de organização curricular para o EM foi apresentada. Trata-se dos PCN+, cuja função era traçar um caminho no ensino de língua que, partisse do que já era proposto no PCNEM, mas atualizasse este documento em relação aos estudos mais recentes que tomavam como objeto de investigação o processo de ensino- avaliação-aprendizagem no EM.

Nota-se, nesse documento, uma defesa ao ensino de língua de cunho interacionista, uma vez que se condena a memorização simplista de regras gramaticais ou de períodos literários, assim como é possível observar no seguinte trecho:

para além da memorização mecânica de regras gramaticais ou de características de determinado movimento literário, o aluno deve ter meios para ampliar e articular conhecimentos e competências que possam ser mobilizadas nas inúmeras situações de uso da língua com que se depara, na família, entre amigos, na escola, no mundo do trabalho (BRASIL, 2002, p. 52).

É interessante observar que o documento defende que a língua em uso seja objeto de ensino nas aulas de LP no EM. Defende-se, também, que esse ensino se dê de forma contextualizada, e que as diversas situações de uso da língua sejam o ponto de partida para que se organize o trabalho em sala de aula.

Há, também, no documento a indicação de que o ensino de língua aconteça de acordo com os pressupostos teórico-metodológicos do sócio- interacionismo, como é possível observar no trecho que segue:

Todas essas estratégias voltadas para a resolução de problemas implicam habilidades relacionadas à competência interativa, pois os usos que fazemos da língua possibilitam a interação: por meio dela pode-se demandar e realizar ações, agir e atuar sobre interlocutores (BRASIL, 2002, p. 57).

Nota-se nas indicações do documento a menção à “competência interativa”, que se trata da habilidade necessária para, por meio do uso da língua, inserir-se em sociedade e adequar-se às diversas esferas de interação das quais fazemos parte todos os dias. Ainda sobre o trecho acima, é possível perceber que a concepção de linguagem como instrumento de interação se fez presente durante a elaboração desse texto, uma vez que se afirma ser a língua um instrumento capaz de realizar ações de linguagem.

Mais adiante, no documento, é possível perceber que seus autores não defendem a exclusão do ensino prescritivo de gramática; todavia, afirmam que este deve ser executado de forma contextualizada. O trecho que segue, é exemplo dessa colocação:

Ainda que a abordagem gramatical descritiva e prescritiva possa estar presente no ensino de língua, devem-se considerar as sequências linguísticas internalizadas de que o aluno faz uso nas situações cotidianas (BRASIL, 2002, p. 58).

Dando sequência às considerações acerca do ensino de língua, as informações apresentadas pelos PCN+ indicam que o documento sugere um ensino pautado na teoria de gêneros textuais. O excerto a seguir é exemplo disso:

O texto é um todo significativo e articulado verbal ou não-verbal. O texto verbal pode assumir diferentes feições, conforme a abordagem temática, a estrutura composicional, os traços estilísticos do autor – conjunto que constitui o conceito de gênero textual. A partir do pressuposto de que o texto pode ser uma unidade de ensino, sugere- se abordá-lo a partir de dois pontos de vista:

• Considerando os diversos aspectos implicados em sua estruturação, a partir das escolhas feitas pelo autor entre as possibilidades oferecidas pela língua;

• Na relação intertextual, levando em conta o diálogo com outros textos e a própria contextualização (BRASIL, 2002, p. 60).

Ao defender que o texto é um todo significativo, os PCN+ deixam clara a ideia de que o trabalho com produção de textos deve levar em consideração não apenas questões estruturais, mas todo o contexto que envolve o uso da língua. Produz-se um texto para, de certa forma, agir sobre o meio de que se faz parte. Os usos reais da língua são cheios de significados que emergem dos objetivos interacionais que se quer atingir enquanto produtor de um texto. Todo texto é resultado de um processo de interação entre quem o produz e a quem se dirige. Desconsiderar essa característica dialógica da enunciação é pautar-se em um ensino de língua pouco significativo e que pouco contribui para a formação de cidadãos que fazem dos usos da língua instrumentos de ascensão social.

O trecho acima ainda expõe a ideia de que um texto é sempre o produto da relação entre outros textos. O ser humano se constitui enquanto tal nas relações de que faz parte, e é nestas que busca inspiração para a produção de novos enunciados. As diversas relações intertextuais com as quais nos deparamos quando nos relacionamos com os outros em distintas esferas de interação social, constituem-nos e são o ponto de partida para nossas ações de linguagem.

No que se refere à avaliação da aprendizagem, percebe-se que o documento considera o professor um mediador desse processo e atribui a este a função de intervir de forma ativa no processo de ensino-avaliação- aprendizagem. Como par mais proficiente, o professor deve ser o responsável por contextualizar o ensino de língua. O trecho que segue exemplifica essa situação:

Compete ao professor de Língua Portuguesa propor situações que incentivem a produção de textos orais e escritos nas quais se considerem:

• Um público ouvinte ou um leitor específico; • A situação de produção em que se encontram os

interlocutores;

• As intencionalidades dos produtores (BRASIL, 2002, p. 61). O professor é, sim, o par mais proficiente na escola. Todavia, retirar do aluno a possibilidade de interferir no seu processo de ensino-avaliação- aprendizagem é uma forma de torná-lo um ser passivo. Ninguém melhor do que

o próprio aluno é capaz de entender o contexto no qual se encontra e quais são os textos necessários à sua inserção na sociedade em que vive. Em um tipo de avaliação que visa à emancipação dos estudantes, sua participação no processo de ensino-avaliação-aprendizagem é primordial.

Cabe, no entanto, evidenciar no trecho em destaque, a menção a textos orais e escritos, e não apenas ao que a escola chama de redação (textos cuja função é apenas a atribuição de uma nota pelo professor ao aluno). Diversificar os gêneros trabalhados na aula de português faz com que a formação linguística dos alunos se torne mais contextualizada e mais próxima da vida além dos muros da escola. Não se produz textos apenas quando se escreve; por que, então, ensinar apenas gêneros escritos na escola?

Além disso, nota-se, também, no trecho em questão, uma preocupação no que diz respeito à contextualização da produção textual, quando se fala sobre a necessidade de que o autor de um texto, antes e durante a elaboração deste, leve em consideração o público a quem se dirige, a situação de produção na qual locutor e interlocutor se inserem, e quais intenções emergem da produção de um texto, seja ele escrito ou oral.

O trecho que segue aborda mais algumas características que o ensino de produção textual pautado na teoria de gêneros textuais deve ter:

Quando se pensa no trabalho com textos, outro conceito indissociável diz respeito aos gêneros em que eles se materializam, tomando como pilares seus aspectos temático, composicional e estilístico. Deve-se lembrar, portanto, que o trabalho com textos aqui proposto considera que:

• Alguns temas podem ser mais bem desenvolvidos a partir de determinados gêneros;

• Gêneros consagrados pela tradição costumam ter uma estrutura composicional mais definida;

• As escolhas que o autor opera na língua determinam o estilo do texto (BRASIL, 2002, p. 61).

Apesar do uso da terminologia “gênero textual”, os PCN+ parecem levar em consideração os pressupostos de Bakhtin, quando o autor versa sobre a teoria dos gêneros do discurso. O filosofo da linguagem elenca como características dos gêneros do discurso aspectos como tema, estilo e estrutura composicional, marcas estas nas quais devem ter se inspirado os autores dos parâmetros ao citarem “aspectos temático, composicional e estilístico”.

Embora defendam o ensino de língua a partir da perspectiva dos estudos dos gêneros, o documento parece não considerar que os enunciados são constituídos de tipos que, combinados, formam os textos, pontes por meio das quais acontece a interação entre os seres humanos. O trecho a seguir é exemplo disso:

Essa abordagem explicita as vantagens de se abandonar o tradicional esquema das estruturas textuais (narração, descrição, dissertação) para adotar a perspectiva de que a escola deve incorporar em sua prática os gêneros, ficcionais ou não-ficcionais, que circulam socialmente:

• Na literatura, o poema, o conto, o romance, o texto dramático, entre outros;

• No jornalismo, a nota, a notícia, a reportagem, o artigo de opinião, o editorial, a carta de leitor;

• Nas ciências, o texto expositivo, o verbete, o ensaio; • Na publicidade, a propaganda institucional, o anúncio;

• No direito, as leis, os estatutos, as declarações de direitos, entre outros (BRASIL, 2002, p. 77).

Da forma como aparece no documento, a menção ao trabalho com gêneros na escola pode ser interpretada de forma equivocada. Ao afirmar que o tradicional esquema das estruturas textuais deve ser abandonado, o documento deixa transparecer que o correto seria substituir uma teoria por outra. Dessa forma, a teoria de gêneros tomaria o lugar do “tradicional” esquema de estruturas, como se este não fizesse parte daquela. Essa posição pode estimular práticas metodológicas em sala de aula que tome os gêneros como conjunto de características a serem apreendidas para posterior reprodução. Se isso acontece, apesar de se utilizar o nome “teoria de gêneros”, esta não estará sendo utilizada na aula de português, o que torna o “novo” ensino tão “tradicional” quanto o anterior.

Documentos relacionados