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4. ANÁLISE DOS DADOS

4.1.2. Os documentos oficiais que têm regulamentado o ensino de

4.1.2.1. PCNEM (1999)

Dou início às minhas considerações, analisando o conteúdo proposto pelos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM). Isso porque, entre os três documentos aqui elencados, este foi o primeiro que direcionou suas orientações especificamente para esta etapa da escola básica.

Publicado em 1999, os PCNEM configuram-se como o primeiro olhar oficial do Governo Federal direcionado especificamente para o Ensino Médio.

Primeiramente, apresento minhas considerações acerca das representações relacionadas ao papel do professor no processo de ensino e aprendizagem presentes no documento. De acordo com o documento,

as diretrizes têm como referência a perspectiva de criar uma escola média com identidade, que atenda às expectativas de formação escolar dos alunos para o mundo contemporâneo (BRASIL, 2000, p. 04).

A partir do trecho acima, é possível destacar o interesse manifestado pelo documento de que as indicações nele presentes funcionem apenas como um direcionamento e não como uma imposição que impeça a autonomia do professor. Isso fica claro quando há a menção à expressão “escola média com identidade”, o que leva a crer que as particularidades de cada instituição devem ser consideradas, e as práticas do professor se construirão a partir de um diálogo entre o que propõem as indicações oficiais e o que tencionam os diversos contextos de ensino e aprendizagem de línguas presentes nas escolas

brasileiras. O professor, munido de formação acadêmica, tem aptidão para adaptar à sua realidade as indicações dos documentos oficiais.

Outra indicação importante é a preocupação manifestada pelo documento no sentido de preparar os alunos do EM para sua vida pós-escola. Ao declarar que o EM deve formar os alunos para que estes estejam preparados para os desafios do mundo contemporâneo, os PCNEM expõem uma preocupação com um ensino que seja contextualizado de modo que as atividades desenvolvidas em sala de aula configurem-se como uma simulação do que acontece além dos muros da escola. Quando se pensa em ensino de língua materna, a contextualização desse ensino se faz necessária para que o aluno veja no aprendizado não um conjunto de regras a serem lembradas, sabe- se lá por que motivo, mas um instrumento de emancipação, uma vez que este pode lhe permitir fazer parte das diversas instâncias de interação social.

Em outro momento do documento, há a reiteração do fato de que as prescrições apresentadas devem ser encaradas apenas como uma indicação passível de diálogo. Quando explicita que “cabe ao leitor entender que o documento é de natureza indicativa e interpretativa, propondo a interatividade, o diálogo, a construção de significados na, pela e com a linguagem (BRASIL, 1999, p. 04), os PCNEM se direcionam aos professores e evidenciam o respeito à autonomia destes em sala de aula. Dessa forma, pode-se inferir que o docente representado pelos documentos é emancipado e tem formação suficiente para avaliar as indicações que lhe são apresentadas e adaptá-las à sua realidade, com base no contexto em que está inserido e respaldado pela sua formação acadêmica e por sua experiência em sala de aula.

O trecho que será apresentado a seguir reitera o que, até então vem sendo afirmado em relação às representações acerca do papel do professor presentes nos PCNEM: “essa postura exige aceitação por parte de professores e alunos da capacidade de avaliar-se perante si mesmo e o outro de forma menos prepotente” (BRASIL, 1999, p. 17).

A partir do que foi exposto, é possível sustentar que os PCNEM representam o professor como sendo um profissional autônomo que, embasado por sua experiência em sala de aula e por sua formação acadêmica, é capaz de atuar de forma responsável e relevante à formação intelectual do aluno, uma vez

que utiliza os referenciais oficiais como um direcionamento e não como um modelo a ser reproduzido.

O segundo ponto a ser analisado no documento é como este representa o aluno, enquanto participante do processo de ensino e aprendizagem.

De acordo com o que propõem os PCNEM,

o aluno deve ser considerado como um produtor de textos, aquele que pode ser entendido pelos textos que produz e que o constituem como ser humano. O texto só existe na sociedade e é produto de uma história social e cultural, único em cada contexto, porque marca o diálogo entre os interlocutores que o produzem e entre os outros textos que o compõem. O homem visto como um texto que constrói textos (BRASIL, 1999, p. 17).

É possível perceber a preocupação presente no documento com o fato de que o aluno participe ativamente do seu processo de ensino e aprendizagem. Isso fica claro quando ele é chamado de “produtor de textos”. Enquanto seres sociais, somos impelidos a produzir textos diariamente com o objetivo de nos inserirmos em alguma esfera de atividade social. É por meio dos textos que nos posicionamos enquanto seres individuais. Quando considera que o aluno é um produtor e não um reprodutor de textos, os PCNEM deixam clara sua intenção de que, em sala de aula, os discentes sejam considerados seres sócio-históricos que têm o que dizer e que, por meio de um constante diálogo com o professor, empreendem a construção de conhecimento.

Ainda a esse respeito, os PCNEM recorrem aos postulados de Bakhtin para reafirmarem sua proposta de ensino sob uma perspectiva dialógica. Assim, observa-se nos documentos a seguinte menção:

Como diz Bakhtin, a arena de luta daqueles que procuram conservar ou transgredir os sentidos acumulados são as trocas linguísticas, relações de forças entre interlocutores (BRASIL, 1999, p. 06).

Nesse sentido, pode-se inferir que, de acordo com a representação acerca do papel do aluno presente nos PCNEM, este não deve ser visto como um ser passivo, que frequenta a escola com a única função de absorver conhecimentos transmitidos pelo professor. Essa visão, inclusive, vem sendo há muito questionada e, por isso, a opção por refutá-la faz com que os documentos estejam alinhados ao que é defendido pela academia em relação ao ensino de língua.

Mais adiante, é possível constatar um reforço a essa visão interacionista do ensino de língua, quando, nas páginas do documento, afirma-se que

as condições e formas de comunicação refletem a realização social em símbolos que ultrapassam as particularidades do sujeito, que passa a ser visto em interação com o outro. [...] O caráter dialógico das linguagens impõe uma visão muito além do ato comunicativo superficial e imediato. Os significados embutidos em cada particularidade devem ser recuperados pelo estudo histórico, social e cultural dos símbolos que permeiam o cotidiano (BRASIL, 1999, p. 06). Sobre a concepção referente ao modo como deve ser efetuado o ensino de língua, as informações apresentadas pelos PCNEM seguem, também, em direção a uma visão interacionista da linguagem. De acordo com os documentos, os conteúdos a serem ensinados nas aulas de LP devem ser úteis aos alunos, para que estes consigam interagir com o mundo além dos muros da escola. De acordo com o exposto no documento,

A proposta não pretende reduzir os conhecimentos a serem aprendidos, mas sim definir os limites sem os quais o aluno desse nível de ensino teria dificuldades para prosseguir os estudos e participar da vida social (BRASIL, 1999, p. 06).

A relação entre os usos da linguagem e os diversos contextos dos quais fazemos parte todos os dias é enfatizada pelos PCNEM. Como não se pode interpretar uma ação de linguagem sem que se leve em consideração o contexto no qual esta foi empreendida, o documento reitera que é função das aulas de LP incentivar o aluno a

Analisar, interpretar e aplicar os recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função, organização das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção (BRASIL, 1999, p. 06).

Pelo que se pode perceber nos trechos supracitados, há, por parte do documento, a intenção de que o ensino de língua aconteça de forma que os alunos do EM consigam usar os conhecimentos adquiridos em situações reais de interação, e não apenas para fins escolares. Assim, nota-se que uma concepção de linguagem enquanto instrumento de interação funciona como subsídio para as considerações acerca de ensino de língua propostas pelo documento.

No trecho que segue, há um comentário acerca da separação presente nas aulas do EM em Língua, Literatura e Produção textual.

A disciplina na LDB nº 5692/71 vinha dicotomizada em Língua e Literatura (com ênfase na literatura brasileira). A divisão repercutiu na organização curricular: a separação entre gramática, estudos literários e redação. Os livros didáticos, em geral, e mesmo os vestibulares, reproduziram o modelo de divisão. Muitas escolas mantêm professores especialistas para cada tema e há até mesmo aulas específicas como se leitura/literatura, estudos gramaticais e produção de texto não tivessem relação entre si (BRASIL, 1999, p. 16).

Quando o ensino de LP na escola utiliza como referência esse modelo de separação, desconsideram-se os usos reais da língua para se estimular um ensino tecnicista, com vistas à repetição de modelos que pouco contribuem para o desenvolvimento da competência linguística dos alunos.

Como é possível perceber no documento, essa prática, apesar de condenada pelos estudiosos da área, ainda permanece nas escolas, nos livros didáticos e nos exames vestibulares. Há também no texto do documento, um trecho no qual é possível inferir que se condena a prática da tripartição da disciplina, ao se afirmar que esse tipo de divisão ainda permanece “como se leitura/literatura, estudos gramaticais e produção de texto não tivessem relação entre si”. No trecho destacado, há a indicação de que os elaboradores dos PCNEM condenam essa tripartição do ensino de língua, uma vez que acreditam na relação entre essas três vertentes, visto que o uso da língua, que deveria ser o foco do processo de ensino/avaliação, não acontece de forma fragmentada. A separação em áreas só estimula o ensino mecânico, pautado na memorização de regras, as quais funcionam apenas como instrumento de classificação de alunos em maus ou bons repetidores. Isso, no entanto, não garante que os estudantes concluam o EM como bons usuários da língua padrão, nas instâncias em que esta é requisitada.

No que diz respeito à avaliação da aprendizagem, no documento há a seguinte menção:

Bem sabemos que graves são os problemas oriundos do domínio básico e instrumental, principalmente da língua escrita, que o aluno deveria ter adquirido no Ensino Fundamental. Como resolvê-los? O diagnóstico sensato daquilo que o aluno sabe e do que não sabe deverá ser o princípio das ações, entretanto as finalidades devem visar a um saber linguístico amplo, tendo a comunicação como base das ações (BRASIL, 1999, p. 16-17).

A concepção de avaliação diagnóstica parece ser a priorizada no material, uma vez que se defende que o conhecimento do aluno a respeito de determinado assunto seja considerado como ponto de partida para o trabalho do professor. Há, ainda, a classificação, por meio do adjetivo “sensato”, do termo “diagnóstico”, a partir do qual se infere que a avaliação deve promover a aprendizagem e não apenas a classificação dos alunos.

No que diz respeito ao ensino da língua, o trecho em questão demonstra o empenho dos autores do documento em sustentar a não mecanização do ensino, por meio do qual deve-se estimular “um saber linguístico amplo” com o qual os alunos consigam se inserir na sociedade.

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