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A peculiaridade das Justiças Militares Federal e Estadual na estrutura hierárquica constitucional do Poder Judiciário.

II –A Organização Judiciária dos Tribunais da Federação estabelecida pela Constituição Federal

7. A peculiaridade das Justiças Militares Federal e Estadual na estrutura hierárquica constitucional do Poder Judiciário.

Enquanto o Supremo Tribunal Federal é absoluto, como o órgão de cúpula do Poder Judiciário nacional, sobre questões constitucionais, no tocante às questões legais, o Superior Tribunal de Justiça, ocupa posição de último grau de jurisdição para as Justiças comuns Federal, dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. A seu lado encontram-se as Justiças especializadas do Trabalho e Eleitoral que têm como ápices e, via de regra, funcionam como um terceiro grau de jurisdição, os seus Tribunais Superiores. Estas Cortes, como vimos no item anterior, são competentes para dirimir questões legais e constitucionais, mas, suas decisões que se subsumirem aos casos albergados pelo artigo 102, III, da CF, abrirão oportunidade para interposição de recurso extraordinário ao STF.

Apesar de compor uma das três Justiças especializadas existentes na Constituição Federal, a Justiça Militar possui certas peculiaridades que a isola dos sistemas estruturais da Justiça do Trabalho e da Justiça Eleitoral, apresentando uma particularidade quanto à possibilidade de interposição de recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça.

Costuma-se afirmar que o recurso especial não é cabível no domínio de qualquer das Justiças especializadas criadas pela Constituição Federal, seja a do Trabalho, a Eleitoral, ou a Militar.182

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Neste sentido, assevera Rodolfo de Camargo Mancuso: “No que concerne ao recurso especial, a ‘causa decidida’ conterá, naturalmente, uma questão federal prequestionada, no âmbito da legislação federal ‘comum’, excluídas, nessa sede, as matérias trabalhistas, eleitoral e militar, cujos Tribunais Federais de superposição vêm indicados na CF: TST, TSE e STM, respectivamente” (Recurso extraordinário e

recurso especial, p. 319). Confira-se, também, preleção de Gleydson Kleber Lopes de Oliveira: “O

recurso especial é interponível contra decisão, de única ou última instância, proferida por Tribunal Regional Federal, Tribunal de Alçada e Tribunal de Justiça dos Estados e do Distrito Federal. Refere-se o citado recurso à denominada justiça comum (justiça estadual e federal), estando excluídas, portanto, as justiças especializadas (trabalhistas, eleitoral, militar)” (Recurso especial, p. 232).

A ponderação é correta se se partir da análise exclusiva do art. 92, Constituição Federal, introdutório da seção relativa às disposições gerais sobre o Poder Judiciário, onde em sete incisos estão elencados o Supremo Tribunal Federal; o Superior Tribunal de Justiça; os Tribunais Regionais Federais e os Juízes Federais; os Tribunais e Juízes Eleitorais; os Tribunais e Juízes Militares; e, os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.183

A disciplina reflete a divisão do Poder Judiciário entre órgãos que são aparelhados e administrados pela União, compostos das denominadas Justiças

especializadas do Trabalho, Eleitoral e Militar e da Justiça federal comum, formando as Justiças da União, ao lado das Justiças dos Estados, do Distrito Federal e dos

Territórios.184

Neste quadro, o Pretório Excelso surge como o sodalício no ápice de todo o Judiciário nacional, acima dos órgãos máximos das Justiças da União (Tribunal Superior do Trabalho, Tribunal Superior Eleitoral, Superior Tribunal Militar e Superior Tribunal de Justiça) e das Justiças estaduais. Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça diferencia-se nesta organização, uma vez que é o vértice da Justiça comum da União e das Justiças estaduais, do Distrito Federal e Territórios.

A assertiva não engloba todo o fenômeno concernente à Justiça Militar, porquanto não distinguiu a Justiça militar da União da Justiça militar dos Estados.

A apreciação do arcabouço organizacional da Justiça Militar e a possibilidade de convivência, em virtude do modelo federativo da república brasileira, da Justiça Militar Federal com as Justiças Militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, demonstram, sob esta ótica, a inexata afirmação de que o Superior Tribunal de Justiça não conhece, no exercício de competência recursal especial, de matéria oriunda da Justiça Militar.

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O art. 92, da CF, foi alterado pela Emenda Constitucional nº 45/2004, que lhe acrescentou o inciso I- A, com a seguinte redação: “I –A - O Conselho Nacional da Justiça”.

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É a própria norma constitucional (art. 125, §3º) que prevê, conquanto no campo das Justiças Estaduais, a possibilidade de criação das Justiças Militares Estaduais, as quais não se encontram sob a hierarquia jurisdicional máxima do Superior Tribunal Militar, mas, do Superior Tribunal de Justiça.

A Constituição Federal de 1988 define, em seu art. 122, como órgãos da Justiça Militar: I - o Superior Tribunal Militar; e, II - os Tribunais e Juízes Militares instituídos por lei.

No âmbito da Justiça dos Estados, Distrito Federal e Territórios, a Constituição Federal, em seu art. 125, § 3º, autoriza a cada unidade da federação, por intermédio de lei de iniciativa dos Tribunais de Justiça, a criação de uma Justiça especializada militar e, havendo efetivo da polícia militar superior a vinte mil integrantes, a criação de um Tribunal de Justiça Militar.

Novamente, é a Constituição Federal que define a competência da Justiça Militar, atribuindo à Justiça da União processar e julgar os crimes militares definidos em lei, como dispõe seu art. 124, enquanto confere à Justiça Estadual processar e julgar os policiais militares e bombeiros militares nos crimes militares definidos em lei, consoante o § 4º, do art. 125.

É imperioso frisar que a competência material de ambas as Justiças militares é a mesma, estando os crimes militares capitulados no Código Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969), sendo seu diploma processual, o Código Processual Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969).

O critério de competência que permite a distribuição dos litígios entre os órgãos judiciários da União e dos Estados é ratione personae, pois que os policiais e bombeiros militares estão submetidos à Justiça Militar dos Estados, Distrito Federal e Territórios. Estes servidores públicos compõem os militares dos mencionados entes políticos brasileiros, consoante o art. 42, da Constituição Federal.185 À Justiça militar da União

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Neste ponto, não houve modificação dos militares que se submetem à Justiça Militar estadual, em virtude da alteração do §3º, do art. 125, da Constituição Federal, procedida pela Emenda Constitucional nº 45/2004, in verbis: “Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a

serão encaminhadas as demandas envolvendo os militares das Forças Armadas: Exército, Marinha e Aeronáutica.

A Justiça Militar Federal, organizada pela Lei nº 8.457, de 4 de setembro de 1992, possui dois graus de jurisdição, compondo os juízos de primeiro grau, as Auditorias e os Conselhos de Justiça, e, tendo como órgão de segundo grau de jurisdição, o Superior Tribunal Militar. Ao STM compete, dentre outras atribuições, julgar as apelações e os recursos de decisões dos juízos inferiores, conforme previsto no artigo 6º, inciso II, alínea “c”, da aludida lei.

No estado de São Paulo, a Constituição Estadual, de 5 de outubro de 1989, criou a Justiça Militar, organizada em dois graus de jurisdição, o inferior composto pelos Conselhos de Justiça Militar, e o superior pelo Tribunal de Justiça Militar.186

O Regimento Interno do Tribunal de Justiça Militar de São Paulo regula, em seu Capítulo VII, do Título IV, do Livro II, os recursos para o Supremo Tribunal Federal e para o Superior Tribunal de Justiça, contendo em seu art. 156, o procedimento para interposição conjunta do recurso extraordinário e do recurso especial, dentro do mesmo prazo e em petições distintas, dirigidas aos competentes órgãos ad quem, quando presentes os pressupostos constitucionais de cabimento destes recursos.187

competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças”.

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A Constituição do Estado de São Paulo trata da Justiça Militar nos arts. 80 a 82, da Seção V – Do Tribunal de Justiça Militar e dos Conselhos de Justiça Militar, do Capítulo IV – Do Poder Judiciário, do Título II – Da Organização dos Poderes.

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RITJMSP, “Art. 156 - Os recursos extraordinário e especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos no prazo comum de quinze dias, perante o Presidente do Tribunal, em petições distintas, que conterão:

I - a exposição do fato e do direito;

II - a demonstração do cabimento do recurso;

III - as razões do pedido de reforma da decisão recorrida.

Parágrafo único. Na petição, o recorrente deverá deduzir as preliminares de seu interesse e a matéria de mérito”.

A Justiça Militar, portanto, pode estar divida em duas esferas: federal e estadual, cada qual com competências e órgãos próprios, as quais não estão enfeixados em um órgão de cúpula, como poderia parecer ter tal função o Superior Tribunal Militar.

Desta estrutura resulta admissível a interposição de recurso extraordinário de decisões proferidas tanto na Justiça militar da União, quanto, daquelas exaradas pelas Justiças militares dos Estados. Distrito Federal e Territórios, quando existentes tais órgãos, em virtude do expressamente disposto no art. 102, inciso III, da Constituição Federal.

Por outro lado, o art. 105, inciso III, da Constituição Federal, ao exigir que a decisão recorrida tenha sido proferida por Tribunal Regional Federal ou por Tribunal dos Estados, do Distrito Federal ou de Território, impede a interposição de recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça de decisões proferidas no Superior Tribunal Militar, pois esta Corte não pode ser equiparada aos referidos tribunais. O STM não é órgão das justiças federais comuns, tampouco, das justiças estaduais ou distrital.

Deste modo, o STM é o tribunal que tem a última palavra sobre questões

infraconstitucionais dentro da esfera de competência que lhe é atribuída pela

Constituição Federal. Isto significa que na Justiça Militar da União, as decisões finais sobre questões de direito infraconstitucional serão exaradas pelo Superior Tribunal Militar.

Esta restrição não encontra guarida perante as Justiças militares Estaduais, pois, o art. 105, inciso III, da Constituição Federal, não distingue a natureza do tribunal recorrido, desde que seja dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, ou, Regional Federal.

Em palestra proferida em 7 de dezembro de 1989, alguns meses após a instalação do Superior Tribunal de Justiça, ocorrida em 7 de abril daquele ano, o Ministro Athos Gusmão Carneiro, nesta linha, pontificava com precisão, ao discorrer sobre o recurso especial:

“O recurso deve voltar-se contra decisão, exclusivamente, do TRF, de Tribunal de Justiça estadual ou do Distrito Federal, ou de Tribunal de Alçada estadual. Descabido contra decisão de Tribunal trabalhista, eleitoral ou militar federal. Caberá o recurso especial, a meu sentir, contra decisão de Tribunal militar estadual, que no âmbito de sua competência violar lei federal (CF, art. 125, §§ 3º e 4º)”.188

Confirmando o abalizado prognóstico do ínclito ministro, o Superior Tribunal de Justiça não tem refutado conhecimento de recursos especiais contendo lides penais militares. Neste sentido, verifica-se o Recurso Especial nº 135.369-MG, da 6ª Turma, relator o Ministro Anselmo Santiago, que apesar de não ter sido conhecido, tinha por objeto atacar decisão proferida, em sede de apelação, pelo Tribunal de Justiça Militar do estado de Minas Gerais, que houvera condenado os recorrentes, cabos da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, por infração ao artigo 308, do Código Penal Militar. Pode- se colacionar ainda as seguintes ementas:

“Crime militar. Competência da Justiça Militar. É competente a Justiça Militar Estadual para processar e julgar policiais militares acusados de, durante ou após diligência policial, com uso de armas da corporação, cometerem crime de homicídio. (Art. 9º, inciso II, letras “c” e “f”, do Código Penal Militar). Precedente jurisprudencial. Súmula nº 47 do STJ. Recurso Especial a que se dá provimento para cassar o acórdão recorrido e restabelecer a competência da Justiça Militar relativamente aos policiais militares” (Resp. nº 56.534/0-MT, 5ª T., v.u., rel. min. Assis Toledo, j. 05.02.1995)

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“EMENTA - Administrativa. Policial militar. Exclusão da força após a inativação. Suspensão dos proventos. Pena acessória. C.P., art. 92, i; CPM, arts. 13, 102 e 130. C.F., art. 125, parag. 4. Precedentes do STF e STJ.

1. Na forma do art. 92, i, do Código Penal, a pena acessória de perda de cargo ou função pública e suas conseqüências só é aplicável quando a condenação for superior a 4 anos.

2. Aplicação deste dispositivo, mais benéfico que o disposto no Código Penal Militar (art. 102), encontra respaldo nos arts. 2., parágrafo único, e 2., parag. 1., respectivamente, dos primeiro e segundo diplomas citados.

3. "Ex vi" do art. 125, parag. 4., da Constituição Federal, embora incumba a justiça militar estadual processar e julgar policiais militares por crimes específicos definidos em lei, cabe ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.

4. Apreciando casos assemelhados, o egrégio STF e o colendo STJ (R.E. 121533- o e RMS 1033-RJ) pronunciaram-se de forma conclusiva sobre a matéria.

5. Recurso não conhecido” (Resp. nº 11.232/ES, 2ª T., v.u., rel. min. Francisco Peçanha Martins, j. 04.10.1993, DJ 21.03.1994, p. 5.464)

“EMENTA - Recurso especial - Conflito de competência - Policiais militares. - Contravenção - Abuso de autoridade, lesão corporal, ameaça e vias de fato.

- Os crimes praticados por policiais militares, tais os de lesão corporal e ameaça, por elencados no c.p.m. são de competência da justiça militar, enquanto os de abuso de autoridade e vias de fato são da competência da justiça comum.

- Recurso conhecido e provido, determinando-se a separação do processo para que cada justiça julgue o que lhe compete, a teor do art. 79, inciso i, do CPP” (Resp. nº 32.267/PR, 5ª T., v.u., rel. min. Cid Flaquer Scartezzini, j. 05.04.1993, DJ 10.05.1993, p. 8.644)

“EMENTA - Recurso especial. Crime militar. Competência.

1. Os crimes dolosos contra a vida cometidos por militares em serviço são julgados pelo conselho de justiça militar. inexistindo órgão de primeira instância no estado, a competência se desloca para o tribunal do júri.

2. Precedente do stf.

3. Recurso conhecido e provido” (Resp. nº 63.259/AP, 6ª T., v.u., rel. min. Anselmo Santiago, j. 31.10.1995, DJ 26.02.1996, p. 4.096)

Não se tratando, portanto, de crimes militares de competência da Justiça da União, onde a última instância é o Superior Tribunal Militar, e de cujas decisões, em tese, serão cabíveis somente recursos extraordinários, na Justiça militar dos Estados é cabível a interposição de recurso especial, quando a decisão recorrida afinar-se com uma das hipóteses do artigo 105, inciso III, da Constituição Federal.

No caso particular do estado de São Paulo, o Superior Tribunal de Justiça recebia recursos especiais interpostos contra acórdãos proferidos pelos cinco Tribunais Estaduais: Tribunal de Justiça, 1º e 2º Tribunais de Alçada Civil; Tribunal de Alçada Criminal; e, Tribunal de Justiça Militar. Por força do art. 4º, da Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, foram extintos os Tribunais de Alçada, passando seus membros a integrar os Tribunais de Justiça, dos respectivos Estados.

III – Interposição conjunta do Recurso Extraordinário