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Unidades autônomas e independentes de pedidos (Tese de Chiovenda)

III – Interposição conjunta do Recurso Extraordinário e do Recurso Especial

11. A natureza da decisão que autoriza a interposição conjunta do recurso extraordinário e do recurso especial

11.2. Concepções sobre a Teoria dos Capítulos da Sentença

11.2.1. Unidades autônomas e independentes de pedidos (Tese de Chiovenda)

Chiovenda assevera que os “capítulos da sentença correspondem aos capítulos da demanda”, devendo haver tantos capítulos quantos sejam os pedidos cumulados, cada qual correspondendo a uma unidade autônoma e independente.303 Confirma-se o pensamento do autor, ao se verificar que a demanda oferecida pelo réu, em reconvenção, é computada como um capítulo autônomo e independente daquele constante da demanda instrumentalizada na petição inicial, ao reafirmar que o “pronunciamento sobre a ação e sobre a reconvenção constituem-se em dois capítulos da sentença”.304

Resulta, para esta concepção, que uma sentença formalmente una, somente pode ser destrinchada em capítulos se houver uma cumulação de pedidos, os quais poderiam ter sido ajuizados de forma isolada, possibilitando uma decisão de mérito para cada qual.

Neste sentido é que se deve entender a autonomia e independência de cada capítulo da sentença na doutrina de Chiovenda. Esta distinção é feita à luz do art. 486,

302

Cf. Liebman, ob. cit., p. 47; e, Satta-Punzi, ob. cit., p. 438/9, nota 44.

303

Principios de Derecho Procesal Civil, Tomo II, p. 739.

304

do Código italiano de 1885, cujo conteúdo é reproduzido de modo semelhante no atual art. 329, 2ª parte, e que o mestre de Roma esclarece:

“Además es preciso para aplicar la regla del art. 486 que los extremos de sentencia sean autónomos e independientes, puesto que no se puede entender que acepte la sentencia respecto al extremo dependiente, aunque no esté mencionado en el acto de apelación, quien impugna la sentencia respecto del extremo principal. Consideraremos dependiente un extremo del otro cuando uno no puede lógicamente subsistir si el otro es negado”.305 (destaques no original)

Na esteira da doutrina em apreço, não se considera como capítulo autônomo e independente, por exemplo, o que condena o vencido em sucumbência, haja vista não poder ser objeto de demanda autônoma, mas, ao contrário, estar sempre vinculado e dependente do resultado de um pedido e seu acolhimento ou desacolhimento.

Em suma, para Chiovenda, os capítulos da decisão são assim considerados somente com relação a cada um dos preceitos imperativos do decisum relativos aos bens da vida pretendidos, os quais poderiam ter sido objeto de demandas diversas. Calcado nesta lição, Calamandrei afirma:

“Capo è l’accertamento di una singola volontà di legge, cioè un atto giuridico completo, tale, da poter costituire da solo, anche separadamente dagli altri capi, il contenuto di una sentenza”.306

305

Idem, ibidem, p. 740.

306

Appunti sulla ‘reformatio in peius’, in, Rivista di diritto processuale civile, 1929, I, p. 300, apud, Francesco Carnelutti, Capo di sentenza, p. 117. O parágrafo transcrito foi traduzido por Cândido Dinamarco em sua obra Capítulos da Sentença, pp. 21/2, da seguinte forma: “Capítulo é a declaração de uma específica vontade de lei, isto é, um ato jurisdicional completo e capaz de constituir por si só, mesmo separadamente dos outros capítulos, o conteúdo de uma sentença”.

São reputadas irrelevantes para a tese sob análise, as questões preliminares ao mérito, vale dizer, as decisões sobre os requisitos de admissibilidade do julgamento de mérito (pressupostos processuais e condições da ação), assim como, o pedidos daquele dependentes, e.g., o pedido acessório de condenação em custas processuais e honorários advocatícios.307

Cândido Rangel Dinamarco esclarece, com brilhantismo, que há uma relação de

prejudicialidade jurídica derivada da prejudicialidade lógica apontada por Chiovenda.

Desenvolvendo tal raciocínio, o Professor Dinamarco distingue capítulos independentes de outros que possuem esta relação de prejudicialidade, denominando-os de condicionantes e dependentes, como vemos do trecho a seguir transcrito:

“Em ambos os grupos de hipóteses existe uma relação de subordinação, ou condicionamento, entre capítulos de sentença – seja porque o teor de um deles pode impedir a emissão do outro (preliminar), seja porque ele pode determinar o teor dos subseqüentes (prejudicados). E, assim como se chamam dependentes os capítulos assim sujeitos a essas ordens de influência, denominemos

condicionantes os que exercem tais influências sobre os demais”.308 (destaques no original).

Note-se que o relacionamento pode ser entre um pedido principal e outro acessório: pedido condenatório e custas processuais (necessário que o primeiro seja acolhido para que o segundo também o seja); ou, entre dois pedidos cumulados: restituição de coisa e indenização pelo uso (se o primeiro é indeferido, o segundo, igualmente, não pode ser provido); ou ainda, entre o mérito e os requisitos de sua

307

Cf. Cândido Rangel Dinamarco, ob. cit., pp. 20/1; e, José Afonso da Silva, Do recurso adesivo no

processo civil brasileiro, pp. 127/8.

308

admissibilidade (e.g., reconhecida a ilegitimidade ad causam do autor, fica impedido de ser apreciado o mérito).

Em decisões com multiplicidade de capítulos e não havendo autonomia entre todos eles, haverá uma relação de prejudicialidade entre eles, onde um capítulo principal (ou “condicionante”) pode, ora, funcionar como preliminar, impedindo o conhecimento do capítulo prejudicado (ou “dependente”), ora, como prejudicial, determinando o conteúdo do tópico prejudicado.309

Cabe ainda destacar que Chiovenda, ao comentar o recurso de apelação, faz uma advertência sobre a possibilidade de se dividirem tópicos de sentenças que decidem sobre pretensões relativas a quantidades (de dinheiro ou coisas fungíveis), devendo haver tantos capítulos quanto sejam as unidades. Assim, se o pedido é de 100 e o juiz julga-o improcedente, a apelação do autor pleiteando somente 50, limitará o Tribunal a conceder, ao dar provimento integral ao recurso, no máximo 50 unidades.310

Esta é a aplicação do princípio do tantum devolutum quantum appellatum. A extensão (plano horizontal) do efeito devolutivo do recurso de apelação está circunscrita ao âmbito da impugnação apresentada pelo recorrente. O tribunal não pode conceder os outros 50, pois houve um fracionamento da decisão em dois capítulos, um deles tendo sido impugnado e o outro restando irrecorrido.

Verifica-se, portanto, que apesar de haver um único pedido, uma única demanda, Chiovenda admite que a sentença seja divida em capítulos considerando que o julgamento pode operar um fracionamento da quantidade total em capítulos de quantidades parciais.

309

Tratamos do tema no item: “14.2. Questões prévias: preliminares e prejudiciais”.

310