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Resolução do pedido e das respectivas questões preliminares (Tese de Liebman)

III – Interposição conjunta do Recurso Extraordinário e do Recurso Especial

11. A natureza da decisão que autoriza a interposição conjunta do recurso extraordinário e do recurso especial

11.2. Concepções sobre a Teoria dos Capítulos da Sentença

11.2.3. Resolução do pedido e das respectivas questões preliminares (Tese de Liebman)

A concepção formulada por Liebman parte de uma análise crítica das teorias chiovendiana e carneluttiana, e finda por alargar o conceito de capítulos da demanda de Chiovenda, entretanto, sem chegar a abranger as questões da lide proposta por Carnelutti.

Liebman afirma que a sentença é um ato com um duplo conteúdo: um juízo imperativo correspondente a tutela jurisdicional sobre a pretensão (demanda) formulada, como resultado de um juízo lógico sobre os pressupostos do pronunciamento imperativo.315

O preclaro autor admite que a sentença pode ser dividida mediante diversos critérios e métodos diferentes, segundo o interesse que se busca lograr com tal fracionamento. De sua parte, secciona a decisão em duas perspectivas ou dois planos: um horizontal, abrangendo exclusivamente o dispositivo da sentença; outro, vertical, aplicável à motivação do provimento judicial.316

É de se perceber que o corte vertical segmenta a sentença na sua estrutura formal, como previsto no art. 458, do CPC nacional: relatório, fundamentação ou motivação, e parte dispositiva (para Liebman esta perspectiva é valiosa apenas quanto à fundamentação, já que o dispositivo é observado sob a visão horizontal, e o relatório tem relevância apenas como reprise histórica do processo, sem haver resolução de qualquer questão). O inciso III, do art. 458, do CPC, ao estipular que no dispositivo o juiz resolverá as ‘questões’ que as partes lhe submeteram, deve ser devidamente entendido, porque ‘questões’, nesse passo, não significa as questões prévias (de fato e de direito), localizadas na motivação e que são o suporte lógico para o comando imperativo da decisão; em verdade, significa decidir o pedido ou pedidos deduzidos em juízo.

O fracionamento da sentença no plano horizontal, vale dizer, naquilo que concerne exclusivamente ao seu dispositivo, revela haver um ato formalmente uno,

315

‘Parte’ o ‘capo’ di sentenza, p. 50.

316

podendo ser composto por diversas decisões cumuladas, cada uma imperativa e autônoma, consistindo de uma pluralidade de corpos simples ou unidades

elementares.317

No plano vertical, Liebman assevera que tal corte tem relevo apenas instrumental e, isoladamente, nenhum resultado útil. Parte da premissa de que dentro do juízo, a fundamentação é base lógica do julgado sem, contudo, sujeitar-se à autoridade da coisa julgada. Neste sentido, exclui peremptoriamente a motivação dos capítulos da sentença, ao afirmar:

“(...) le questioni non sono parti ma cause della lite e le loro soluzioni non sono

capi ma motivi della decisione”.318 (destaques no original)

A despeito de sua teoria sobre os capítulos da sentença, Liebman deixa claro tratar-se de outro problema saber qual das duas operações (o corte horizontal incidente sobre a parte dispositiva ou o corte vertical aplicado sobre a fundamentação da decisão) é relevante na disciplina dos recursos. Faz referência expressa à utilização diversa das diferentes concepções pelos autores italianos, notadamente, quanto ao recurso de apelação e o recurso de cassação.319 Este último, caracteriza-se como um recurso de estrito direito, não estando a Corte de Cassação, órgão competente para julgá-lo, autorizado a rever questões relativas aos fatos, senão, a correta interpretação e aplicação do direito.320

Nada obstante, reforça que o juízo de cassação em nada difere de outros julgamentos de meios de impugnação, de modo a reiterar sua tese admitindo apenas o corte horizontal, no dispositivo da decisão, como legítimo a repartir os tópicos da

317

Idem, ibidem, p. 50.

318

Ob. cit., p. 50, nota 6.

319

Idem, ibidem, p. 51.

320

sentença. Assevera existir uma única exceção: a do Recurso no Interesse da Lei, o qual, todavia, afirma não se tratar propriamente de meio recursal.321

O que é singular no denominado recurso no interesse da lei, previsto no art. 363, do CPC italiano, é a legitimidade recursal do órgão do Ministério Público, quando as partes tiverem renunciado ao direito de recorrer ou simplesmente deixarem transcorrer

in albis o seu prazo, não sendo estas afetadas pelo eventual provimento do recurso e

retificação da sentença (conforme art. 363, 2ª parte, CPC italiano).322

No tocante aos pedidos relativos a quantidades (dinheiro ou coisa fungível), Liebman segue a esteira de Chiovenda, reputando que o objeto do processo é inicialmente único, mas, que a sentença realiza uma divisão em dois objetos, pronunciando-se de forma diferente em dois capítulos diversos.323

O tema objeto litigioso é um dos mais controvertidos, tanto no direito pátrio,

quanto no direito alienígena, sendo certo que o desenvolvimento do presente trabalho não exige o seu maior aprofundamento.

De nossa parte, explicitamos acompanhar a posição de Arruda Alvim, para quem, no direito brasileiro, o objeto litigioso é sinônimo de lide, mérito ou pedido, como delineado pelo autor na petição inicial. Por seu turno, o réu, ao se defender, torna controvertido pontos de fato ou de direito, ampliando a atividade cognitiva do juiz, que

321

Ob. cit., p. 61.

322

Cf. Carnelutti, Instituciones del nuevo proceso civil italiano, p. 465. Há, atualmente, instituto semelhante previsto nos arts. 490 a 493 da nova “Ley de Enjuiciamiento Civil” espanhola. Com mais profundidade, ver item: “2. Significado de remédio legal”.

323

Idem, ibidem, p. 53. Cândido Rangel Dinamarco afirma que em tais hipóteses há um objeto simples

decomponível, diferenciando do objeto composto, quando há cumulação de pedidos, ob. cit., pp. 64/74.

Em seguida, designa por cisão jurídica a existente entre o “an debeatur” e “quantum debeatur”, notadamente, quando há possibilidade de pedido genérico (art. 286, do CPC), ob. cit., p. 75. Com a máxima vênia, não concordamos, neste passo, com a posição do ilustre jurista (embasada em idêntica lição de Liebman, ob. cit., p. 53) de que há cisão jurídica quando o juiz não acolhe um pedido condenatório, mas, profere sentença declaratória de procedência, não pedida. O pedido divide-se em objeto mediato (bem da vida pretendido) e imediato (prestação jurisdicional pretendida), e, por força do princípio da congruência ou correlação, o juiz está proibido de proferir sentença que não seja decalcada no pedido. Assim, se o pedido é condenatório, não pode o juiz apenas declarar: de duas, uma, ou acolhe a pretensão ou rejeita-a, não sendo-lhe lícito dispor de modo diverso daquilo que foi demandado.

decidirá todas as questões, mas, somente sobre o objeto litigioso é que recairá a autoridade da coisa julgada material. O insigne lente utiliza a expressão objeto do

processo para conceituar o objeto litigioso acrescido das alegações do réu.324

Como antecipamos no início deste tópico, Liebman alarga a compreensão chiovendiana de capítulo da sentença ao incluir as questões preliminares litis ingressum

impedientes. Aponta existirem, em todas as demandas, duas pretensões: uma sobre a

admissibilidade de julgamento do mérito (concernente, portanto, às questões processuais preliminares ao mérito), e, outra, sobre o próprio mérito. Ao concluir seu raciocínio, afirma:

“(...) capo di sentenza è ogni decisione su un autonomo oggetto del processo, sia che decida sulla sua ammissibilità, sia che decida sulla sua fondatezza”.325

Logo, uma sentença de mérito sempre conterá, ao menos, dois capítulos: um relativo aos requisitos de admissibilidade do julgamento do mérito; e, outro, concernente ao próprio mérito da causa. De outro modo, a extinção do processo sem julgamento de mérito implica em prolação de sentença terminativa, a qual será composta por apenas uma parte ou capítulo.