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CAPITULO 2 EMPRESA – ORGANIZAÇÃO E INSTITUIÇÃO

2.5 A EMPRESA FORMADORA – PAPÉIS SOCIAIS E PEDAGOGIAS

2.5.3 Pedagogia das Competências

Nos últimos anos, o tema competência tornou-se uma constante na pauta das discussões acadêmicas e empresariais. No âmbito das empresas, esta discussão tem sido justificada pela crescente modificação contextual que vem ocorrendo diante dos processos de globalização e competição acirrada, o que pressupõe um novo modelo de profissional, marcado pelo selo de uma autonomia e de um forte investimento identitário (TOUPIN trad. CÓRDOVA, 2005).

O interesse gerado pelo debate em torno da noção de competência, se encontra no cruzamento de múltiplos processos, no interesse crescente atribuído, em nossa sociedade, aos fenômenos cognitivos e em função de mudanças profundas nas concepções da aprendizagem e na organização do trabalho. A concepção de competência se apóia numa renovação das abordagens teóricas da organização (ROPÉ e TANGUY, 1997).

A noção de competência não é nova, surgiu na Alemanha na década de 1970, em torno do conceito de qualificação do emprego, mas o processo interativo entre competência, educação e trabalho ocorreu no Japão, mais próxima das exigências atuais da produção e do perfil de trabalhador desenvolvido pelo modelo japonês. Conceito de caráter polimorfo, tem ocupado espaço na economia, no trabalho, na educação e na formação. Ela tende a substituir outras noções que prevaleciam anteriormente como as dos saberes e

conhecimentos na esfera educativa, ou a de qualificação na esfera do trabalho (ROPÉ e TANGUY, 1997).

No começo dos anos 1980, os economistas americanos Sidney Winter e Richard Nelson definem a firma como um conjunto dinâmico de competências e o diferencial, entre uma firma e outra, é a natureza do saber-fazer que ela tenha acumulado. No início dos anos 1990, a noção de competência passa a ter relevância na teoria organizacional, num artigo de Prahalad e Hamel, onde estes autores afirmam que as “competências-chave” de uma empresa (conjunto de recursos e de experiências acumuladas dificilmente imitáveis pela concorrência) determinam o seu sucesso, e não a adaptação ao meio ambiente ou o bom posicionamento no mercado. Eles sugerem, então, repensar a organização em torno de uma preocupação central: a valorização das competências-chave. Estas se tornam um instrumento estratégico (CABIN trad. CÓRDOVA, 2005).

No mundo das organizações e do trabalho, a noção de competência apareceu para fazer frente a toda uma série de evoluções, voltadas, de uma parte, às transformações das técnicas de produção e de seu conteúdo e, de outra, à emergência de um modelo gerencial novo. O modelo canônico, inspirado pelo taylorismo, parece ter sido substituído por um paradigma fundado na flexibilidade, na transversalidade, na redução dos níveis hierárquicos, melhor adaptado ao novo contexto e indutor de novas aptidões dos indivíduos. Essas capacidades se exprimem em termos de “potencial de ação”: os assalariados devem ser, antes de tudo polivalentes, leves, dinâmicos (MACHADO, 1994).

Marx, no século XIX, dizia que qualificação é “(...) um conjunto de condições físicas e mentais que compõe a capacidade ou a força de trabalho despendida em atividades voltadas para a produção de valores de uso” (MARX apud MACHADO, 1994. p.9).

George Friedman, teórico da Sociologia do Trabalho francesa, tinha “uma noção de qualificação associada à complexidade da tarefa e ao domibnio requerido de saberes para executá-las”. Nessa concepção, a qualificação do trabalho está voltada para os conteúdos e a qualificação do trabalhador refere-se ao “(o domínio dos saberes necessários para executar o trabalho)” (BASTOS apud BORGES-ANDRADE, 2006, p. 29).

Dessa mesma linha teórica Pierre Naville, desenvolve uma visão relativista, junto ao conteúdo do trabalho, ele acrescenta a visão sociológica da “relação complexa entre as operações técnicas e as estimativas de seu valor social” (DUBAR, 1998, p.89). As duas

abordagens também fazem surgir formas diferentes de avaliação dessa qualificação – uma

objetivista, ligada a corrente essencialista – tempo de aprendizagem, tipo de conhecimento e

grau de autonomia, outra construtivista, ligada a visão relativista – “obedeceria a critérios históricos, e não técnicos na sua construção” (BASTOS apud BORGES-ANDRADE, 2006, p. 29 a 31).

A disputa entre a Sociologia e a Pedagogia sobre as diferenças entre os conceitos de qualificação e competência e suas lógicas, parte da discussão da Sociologia do Trabalho francesa sobre o posto de trabalho. A Sociologia do Trabalho, na sua interface com Educação, utiliza-se do conceito de qualificação para “investigar os impactos das transformações tecnológicas” (BASTOS apud BORGES-ANDRADE, 2006, p.33). Uma das críticas aos dois conceitos pode situar-se no âmbito dos aspectos sociológicos da qualificação (conceitual e social), e dos psicológicos das competências (experimental). Na ótica experimental, ela vem associada a “uma concepção natural-funcionalista do homem, subjetivo- relativista do conhecimento e à visão do homoeconomicus”, da sociologia funcionalista (RAMOS apud BORGES-ANDRADE, 2006, p. 33).

A perspectiva da formulação de um modelo pedagógico centrado na competência, poderia ser aplicado no âmbito escolar, como também na educação praticada pelas empresas, apresenta duas tendências, segundo RAMOS (2001):

1) no plano do trabalho – “deslocamento do conceito de qualificação em direção à noção de competência”;

2) no plano pedagógico – “a passagem de um ensino centrado em saberes disciplinares a um ensino definido pela produção de competências verificáveis em situações concretas e específicas”.

Em seu artigo “A Pedagogia das Competências e a Psicologização das Questões Sociais”, Marise Ramos (2001) identifica três tendências analíticas do conceito de competência:

a) competência e condutivismo – a noção de competência se confunde com a de objetivos de ensino, em termos de condutas e práticas observáveis;

b) competência e construtivismo - admite esta associação, num primeiro momento, mas indica uma superação, distinguindo-a dos objetivos;

c) apropriação socioeconômica - identifica a noção de competência como algo efetivamente novo e apropriado às transformações sociais e econômicas de nossa época.

A primeira tendência se origina no behaviorismo de Skinner, traduzido para a área pedagógica por Bloom. A segunda tendência incorpora a idéia de construtividade do conhecimento, com base na teoria de equilibração de Piaget. A terceira tendência ressalta a integração de qualidades cognitivas e as socioafetivas do sujeito profissional. As cognitivas propiciariam adaptação ao meio material, enquanto as socioafetivas estariam voltadas para a adaptação no meio social.

Uma reflexão se faz necessária quanto a esse possível “modelo pedagógico” e quais as suas bases de sustentação teórico-metodológicas.

Ramos (2001) ressalta que, na ótica da psicologia cognitiva, de influência piagetiana, centrada nos métodos ativos, corre-se o risco de se resvalar para um “reducionismo metodologista ou ativista, negligenciando a importância dos conceitos” (RAMOS, 2001).

Para uma discussão do termo competência, é importante contextualizá-lo e localizá-lo historicamente no palco das teorias pedagógicas, sociológicas, psicológicas e na teoria organizacional, analisando as suas implicações no mundo do trabalho, na educação e nos sujeitos. Falta uma visão política e institucional do espaço social das organizações e das questões sociais, ambientais e culturais. Como incorporar no mundo trabalho e das empresas reificadoras da racionalidade e da eficácia a questão do desenvolvimento sustentável, como alternativa de sobrevivência do planeta no atual momento do regime capitalista?

2.6 MULTIRREFERENCIALIDADE E O MODELO DE INTELIGIBILIDADE DAS