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Pedagogia dos intercâmbios escolares

No documento Maria José Camacho Gonçalves Fernandes (páginas 69-73)

CAPÍTULO III – Inovação em educação

11. Pedagogia dos intercâmbios escolares

A pedagogia de intercâmbios inter e multiculturais, regulada pelo Despacho n.º 28/ME/91, tem como preâmbulo que o aprender não pode estar confinado às quatro pa- redes da sala de aula. Deve rasgar horizontes, escorregar para dentro dos sonhos das cri- anças. Estas pedagogias baseiam-se na introdução de práticas colectivas de intercâm- bios, nomeadamente, a correspondência escolar (troca de cartas, vídeos, fotografias e outros materiais didácticos) e a classe de descoberta (encontro entre dois grupos, fora do habitual contexto escolar, normalmente, após um período de correspondência). Estas experiências de intercâmbios, para serem significativas, são corporizadas numa desco- berta de afirmação pessoal e colectiva, de socialização.

A pedagogia interactiva e a pedagogia de projecto são importantes referências teóricas para estas actividades pedagógicas. Analisam-se necessidades, distribuem-se ta- refas, detectam-se limites, inventariam-se recursos, sintetizam-se saberes implicados. A grande finalidade é introduzir as divergências culturais e o interesse que o outro suscita (atitude de abertura e de aceitação do multicultural). Sendo assim, a escola não deve in- culcar valores, mas contribuir para uma construção personalizada. Segundo esta pers- pectiva, Milice Ribeiro Santos45 reforça:

“A educação para a cidadania exige uma coerência intrínseca do quotidiano edu- cativo. Não pode haver aulas teóricas sobre a democracia com o professor a mandar calar os alunos que põem questões (…).” (1997, p. 19)

Em suma, as experiências de intercâmbio produzem conhecimento, levam a abertura do espírito e permitem reavaliar e reequacionar as tradicionais, as inquestioná- veis representações sociais da escola e da aprendizagem. Numa perspectiva de intercul- turalidade, somos simultaneamente educadores e educandos, pois quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Recordando Sebastião da Gama46:

“Não sou, junto de vós, mais do que um camarada um bocadinho mais velho. Sei coisas que vocês não sabem, do mesmo modo que vocês sabem coisas que eu não sei ou já me esqueci. Estou aqui para ensinar umas e aprender outras. Ensi- nar, não: falar delas. Aqui no pátio e na rua e no vapor e no comboio e no jardim e onde quer que nos encontremos (…). (1990, p. 12)

Portanto, somos responsáveis pelo processo de desenvolvimento e deveríamos ser capazes de encontrar no “outro” muitas respostas para as nossas inquietações e ao mesmo tempo proporcionar-lhe o equilíbrio entre o prazer individual e as necessidades sociais através de uma relação verdadeira, a favor da ética e do respeito mútuo. É de louvar qualquer iniciativa que privilegie aprendizagens interculturais. É preciso para tal, um envolvimento de todos e uma simultânea preocupação com a arte de ensinar. Julga- mos que a chama já se acendeu e poderá, esperemos, inflamar e alastrar-se, contami- nando cada um de nós, no despertar de um espírito inovador, a favor de toda a humani- dade. Destacamos aqui, um extracto do relatório para a Unesco da Comissão Internacio- nal sobre a Educação para o século XXI – Educação: um tesouro a descobrir – A educa- ção deve organizar-se à volta de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo de toda a vida, serão de algum modo para cada indivíduo, os pilares do conhecimento: aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a viver juntos; aprender a ser.

É num clima humano de aceitação, reciprocidade, responsabilidade colectiva e autonomia que se educa para as diferentes dimensões da cidadania, com predomínio das descentrações sócio-cognitivas, visando compreender os valores interculturais. Perante toda a responsabilidade que é incutida ao professor, cabe-lhe, mais do que nunca, de- senvolver uma acção educativa de qualidade que contemple a diversidade do contexto educativo, marcado pela pluralidade cultural. O alicerce da sua pedagogia deve assentar no que acabámos de mencionar, sendo que nunca poderão ser descurados os seguintes aspectos:

46 Poeta português (1924-1952).

- A pedagogia diferenciada a partir de um currículo flexível, culminando em aprendizagens activas e significativas através de actividades feitas por descober- ta e pelo questionamento crítico;

- A comunicação e o diálogo como meios de conhecimento do outro, da sua cul- tura, dos seus sentimentos, dos seus interesses a partir de uma boa relação peda- gógica despertando nos meninos uma vontade intrínseca de fazer novas aprendi- zagens;

- O despertar o gosto pelas actividades lúdicas e pelo jogo, pela arte;

- O desenvolvimento do espírito de cooperação entre os docentes na implemen- tação de práticas inovadoras de educação multicultural a partir da construção de materiais pedagógico-didácticos de modo a proporcionar às crianças saberes e experiências das várias culturas do mundo;

- O diálogo entre a escola/pais/comunidade no sentido da cooperação e da parti- cipação de todos na educação das crianças;

- O desenvolvimento da capacidade de saber gerir o espaço/tempo na sala de au- la;

- Levar os alunos a fazerem aprendizagens por descoberta;

- O desenvolvimento de uma pedagogia de intercâmbios escolares.

Julgamos que um educador inovador é aquele que também reconhece e integra no contexto educativo o arco-íris de culturas, estabelecendo pontes entre elas. Ao anali- sar determinado tipo de sinais está a produzir um conhecimento de tipo etnográfico so- bre os discentes. Delinear estratégias e construir materiais para poder interagir com a diversidade dos alunos é uma tentativa de contornar a função reprodutora das desigual- dades sociais, muitas vezes, perpetrada pela escola, o que penaliza os grupos mais dis- tantes da norma cultural.

Este aspecto aflorado por Milice Ribeiro Santos de “ (…) se agravar as diferen- ças entre os que sabem e os que não sabem, dando espaço aos alunos que têm cultural- mente à vontade com estes saberes” (ibid), é uma das fragilidades do sistema educativo. Seria mais valioso se desse a palavra aos que, normalmente, permanecem calados, se aumentasse a confiança dos que se sentem desvalorizados, se motivasse aqueles a quem a escola nada diz, se aproximasse da escola os pais mais afastados, se o docente se reali- zasse profissionalmente, contribuindo para um clima de optimismo pedagógico.

No documento Maria José Camacho Gonçalves Fernandes (páginas 69-73)