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Relação pedagógica

No documento Maria José Camacho Gonçalves Fernandes (páginas 54-58)

CAPÍTULO III – Inovação em educação

5. Relação pedagógica

Ministrar uma pedagogia diferenciada implica uma relação pedagógica harmo- niosa entre professor e alunos, de modo que as dinâmicas da sala de aula se operem num clima propício, facilitador da aprendizagem. Na verdade, se houver relações cordiais en- tre educador e aprendiz, o processo de ensino-aprendizagem proceder-se-á de uma for- ma harmoniosa, facultando à criança um desenvolvimento pessoal e social harmonioso. Afinal, o que se deve entender por relação pedagógica? Eis uma excelente definição en- contrada por Evaristo Fernandes36:

“A relação professor-aluno deve ser centrada sobre o que o aluno faz, porque o faz e sobre o fim com que o faz (…) Doar-se aos alunos, entusiasmá-los, ter pa- ciência, ser leal, existir no professor uma pré-disposição à ajuda, à compreensão dos seus problemas, estimulá-los na sua actividade criativa (…) Aceitar que o aluno tenha opiniões diferentes e mesmo contrárias às do professor (…) desen- volver nele a iniciativa e a criatividade.” (1990, p. 96)

Na perspectiva de John Locke, filósofo inglês do século XVII37, o educador deve

possuir determinadas características imprescindíveis para uma boa relação pedagógica.

35 Político europeu de nacionalidade francesa, tendo sido presidente da Comissão Europeia entre 1985 e

1995.

36 Professor Associado com Agregação na Universidade de Aveiro. 37 (1632-1704).

Entre outras, considera que, ser bem-educado, é uma das principais qualidades que lhe é exigida. Esta é uma arte não se aprende através dos livros nem se ensina a partir dos li- vros:

“Pour former comme il faut un jeune gentleman, il est nécessaire que son gou-

verneur soit lui-même un homme bien élevé, qu´il connaisse les usages, qu´il sache à quelles formes diverses de politesse obligent les qualités des personnes, les temps et les lieux, et qu´il engage son élève, autant que son âge le comporte, à observer constamment les règles. C´est un art qu´on ne peut apprendre dans les livres, ni enseigner par les livres (…) sinon la bonne compagnie et l´esprit d´observation.” (1992, p. 117)

Não concordamos plenamente com esta afirmação, porque consideramos que os bons modos podem ser aprendidos através dos livros. Caso contrário, para que serviriam os livros? De facto, o adulto talvez seja a pessoa mais indicada para incutir regras/bons hábitos nas crianças, todavia, há livros que têm essa missão e, frequentemente, trazem ilustração, o que é uma mais-valia para uma melhor compreensão.

Além destas características, julgamos que é de extrema importância estabelecer um diálogo franco e aberto entre os alunos e com os alunos, educando para a tolerância, procurando conhecer os seus interesses e entender os seus problemas, criando mecanis- mos de resolução no grupo/turma dos diversos conflitos comportamentais que possam surgir, com a participação de todos, onde desempenhe o papel de moderador. Existem outras características que o educador deve possuir no âmbito da relação pedagógica, tal como recorda Evaristo Fernandes:

“(…) o professor jamais poderá esquecer-se que deverá incitar os alunos à refle- xão pessoal, estimular a confiança do aluno em si, despertar a compreensão pes- soal das matérias, ajudar o aluno a resolver os seus problemas, encorajar a sua actividade pessoal na aula, ser paciente com o aluno tal como ele é, desenvolver as relações sociais na aula e compreender os sentimentos dos alunos.” (op. cit., p. 86)

Concordamos com Maria Teresa Estrela38 (1994) quando reconhece a relação

pedagógica como sendo “um contacto que se gera entre os intervenientes de uma situa- ção pedagógica e o resultado desses contactos (…)”. Na sua óptica, a relação pedagógi- ca “abrange todos os intervenientes directos e indirectos do processo pedagógico (…)”.

Melhor dizendo, “abrange a relação professor-aluno e aluno-aluno dentro de situações pedagógicas.” (1994, p. 76)

Esta posição também é defendida por José Morgado segundo o qual “(…) a rela- ção pedagógica envolve um conjunto de processos em que todos os intervenientes são sujeitos activos.” (op. cit., p. 84). Tal como ele, Rémi Hess39 defende: “on nomme

communément «relation pédagogique» l´ensemble des phénomènes d´échange, d´influence réciproque, d´action et de relation entre enseignants et enseignés.” (1994, p. 7). Concordamos com a sua posição quando considera que muitos professores tentam identificarem-se com os alunos, adoptando comportamento e linguagem semelhantes, sendo que por vezes esta relação está estritamente ligada com a idade do docente:

“Certains maîtres s´efforcent, toujours dans le but de «survivre», de s´identifier au «monde» des élèves en adoptant en tout ou en partie leur comportement et leur langage. Quelques fois, cette relation aux élèves est naturelle, elle est liée à l´âge de l´enseignant.” (op. cit., p. 85)

Julgamos que em contexto escolar serão os professores mais jovens que terão maior facilidade em seguir o comportamento dos alunos e até usar uma linguagem se- melhante de forma que se verifique o estabelecimento de uma relação natural com a fi- nalidade de ambas as partes sentirem harmonia no que concerne à comunicação. Se esta for veiculada de forma transparente, compreensível, de certeza que o sucesso educativo será alcançado, pois segundo o supracitado autor, o professor está no direito de ajudar os seus alunos na sua auto-realização:

“La base de l´éducation est le rapport personnel entre un adulte et un être en de- venir et qui parvient par lui-même à sa vie et à sa forme (…) l´éducateur doit dé- fendre le droit individuel du jeune au développement et à l´autoréalisation contre d´autres prétentions qui ne seraient pas justifiées.” (op. cit., p. 12)

Ele ainda ressalta que compete ao educador orientar os alunos, prestando-lhes colaboração sempre que esta lhe for solicitada. Faz uma referência ao grande defensor da Escola Moderna, Célestin Freinet40, lembrando que para este, o professor tem um

papel de interveniente no processo de ensino-aprendizagem:

39 Sociólogo e Professor de Ciências da Educação na Université de Paris VIII. 40 Pedagogo francês (1896 - 1966).

“Au niveau de la relation pédagogique, le maître perd aussi son attitude didac- tique au profit d´une posture d´intervenant (…) Lorsque l´enfant, dans sa dé- marche personnelle, a besoin de l´adulte, il fait appel à lui.” (op. cit., p. 35) Concordamos com a posição de Evaristo Fernandes que dá grande ênfase à ver- tente humana numa relação pedagógica. De facto, há necessidade incessante de doar-se ao aluno, compreendendo-o, aceitar as suas ideias, respeitá-lo e entusiasmá-lo de forma a despertar nele a vontade de fazer novas e significativas aprendizagens:

“A relação professor-aluno deve ser centrada sobre o que o aluno faz, porque o faz e sobre o fim com que o faz (…) Doar-se aos alunos, entusiasmá-los, ter pa- ciência, ser leal, existir no professor uma pré-disposição à ajuda, à compreensão dos seus problemas, estimulá-los na sua actividade criativa (…) Aceitar que o aluno tenha opiniões diferentes e mesmo contrárias às do professor (…) desen- volver nele a iniciativa e a criatividade.” (op. cit., p. 96)

Somos apologistas desta perspectiva, a qual não difere da que defende de Pedro da Cunha41 para quem:

“A relação pedagógica não pode ser uma relação baseada no autoritarismo e na humilhação. Tão pouco se pode fundar na gratificação permanente (…) tem que se assumir como promotora do desenvolvimento.” (1989, p. 11)

Felizmente que os professores não têm de escolher entre o autoritarismo e a permissividade. Segundo este autor, há uma terceira via de relacionamento com os edu- candos, que promove o seu desenvolvimento sem passar pela guerra ou abandono, pela imposição ou submissão. É precisamente a relação que se caracteriza pela colaboração, desenvolvendo a autonomia e desembocando no amor. Nesta obra, ele aponta dez prin- cípios para caracterizar a relação pedagógica (fascinação, expectativa, respeito, encora- jamento, compreensão, confrontação, consequências, negociação criativa, diálogo e exi- gência). Esta questão da relação pedagógica existe desde sempre no processo do ensino. Já Sócrates fazia alusão no Banquete, ao papel do educador. Rémi Hess afirma:

“Pour Socrate, comme il apparaît dans le Banquet, le maître doit refuser l´amour que lui prête son disciple. Cet amour sur la personne du maître, l´élève doit ap-

prendre à le déplacer vers un autre objet : l´amour de la connaissance, l´amour de la sagesse.” (op. cit., p.21)

A finalidade de transformar qualitativamente o currículo efectivamente trabalha- do na escola e em cada sala de aula e, consequentemente, melhorar a interacção docen- te-discente, é, sem dúvida, uma atitude de inovação. Quanto mais próxima for a relação professor-aluno, mais possibilidades haverá de alcançar o sucesso educativo, porque se- rão dadas as respostas mais adequadas às necessidades de cada um.

No documento Maria José Camacho Gonçalves Fernandes (páginas 54-58)