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Uma escola para todos

No documento Maria José Camacho Gonçalves Fernandes (páginas 43-46)

CAPÍTULO II – Da cultura da homogeneidade à cultura da diversidade

3. Uma escola para todos

A Escola que temos é, como já afirmámos, uma escola de massas. Está, portanto, aberta à heterogeneidade social. Numa perspectiva democrática em que os direitos são universais, não é legítimo fazer a segregação dos seus alunos, estabelecendo estratos di- ferenciados por etnias/minorias. Deste modo, não podemos, de forma alguma esquecer para o que nos remete o ponto 1 do art. 26.º da Declaração Universal dos Direitos Hu- manos, proclamada a 10 de Dezembro de 1948, se quisermos uma educação para todos. Nessa altura, foram definidos princípios apelando para as igualdades de oportunidades no que concerne o direito à educação e às igualdades de oportunidades no acesso ao en- sino. Assim, podemos depreender:

“Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo me- nos no que concerne à instrução elementar e fundamental. A instrução será obri- gatória. A instrução técnica e profissional deverá ser generalizada; o acesso aos estudos superiores será igual para todos, em função dos méritos respectivos (…).”

A Declaração de Direitos da Criança, de 1959, também entende a educação co- mo sendo um direito específico da infância. No princípio número sete, refere:

“A criança tem o direito de receber educação, que será gratuita e obrigatória pelo menos nas etapas elementares. Dar-se-lhe-á uma educação que favoreça a sua cultura geral e lhe permita, em condições de igualdade de oportunidades, desen- volver as suas aptidões e o seu juízo individual, o seu sentido de responsabilida-

de moral e social, e chegar a ser membro útil da sociedade. O interesse superior da criança deve ser o princípio director dos que têm a responsabilidade da sua educação e orientação; esta responsabilidade incumbe, em primeiro lugar, aos seus pais. A criança deve desfrutar plenamente de jogos e brincadeiras, os quais devem estar orientados para fins perseguidos pela educação; a sociedade e as au- toridades públicas esforçar-se-ão por promover o gozo deste direito.”

Em Portugal, também foi redigida a LBSE em 1986, na qual foram definidos al- guns princípios, tais como o direito à educação mas para todos os portugueses, bem co- mo uma justa igualdade de oportunidades no acesso ao ensino superior. Assim, nos Princípios gerais, artigo 2.º, podemos ler:

1. “Todos os portugueses têm o direito à educação e à cultura, nos termos da Constituição da República;

2. “É da especial responsabilidade do Estado promover a democratização do en- sino, garantindo o direito a uma justa e efectiva igualdade de oportunidades no acesso e sucesso escolares;

3. “No acesso à educação e na sua prática é garantido a todos os portugueses o respeito pelo princípio da liberdade de aprender e de ensinar, com tolerância pa- ra com as escolhas possíveis, tendo em conta, designadamente, os seguintes princípios:

a) o Estado não pode atribuir-se o direito de programar a educação e a cul- tura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideoló- gicas ou religiosas;

b) o ensino público não será confessional;

c) é garantido o direito de criação de escolas particulares e cooperativas. 4. “O sistema educativo responde às necessidades resultantes da realidade social, contribuindo para o desenvolvimento pleno e harmonioso da personalidade dos indivíduos, incentivando a formação de cidadãos livres, responsáveis, autóno- mos e solidários e valorizando a dimensão humana do trabalho;

5. “A educação promove o desenvolvimento do espírito democrático e pluralista, respeitador dos outros e das suas ideias, aberto ao diálogo e à livre troca de opi- niões, formando cidadãos capazes de julgarem com espírito crítico o meio social em que se integram e de se empenharem criativamente na sua transformação progressiva.”

Fazendo um paralelo com o sistema educativo, como cidadãos portugueses, e atendendo aos princípios para os quais nos remetem a Declaração Universal dos Direi- tos Humanos, a Declaração de Direitos da Criança e a Lei de Bases do Sistema Educati- vo, jamais poderemos pensar em adoptar medidas injustas de selecção e escolar.

Se quisermos uma escola para todos, estamos no dever de aplicar as leis e defen- der a igualdade de oportunidades no desenvolvimento curricular, o que implica, neces- sariamente, diferenciar o ensino, flexibilizando o currículo de modo a dar as respostas mais ajustadas à heterogeneidade cultural. Dar a mesma educação a crianças diferentes não é uma política igualitária, sendo que numa democracia, a educação tem de ser nive- ladora das desigualdades de partida, tendo sempre presente o quanto o facto de termos crianças diferentes numa sala de aula é, sem dúvida, uma mais valia para o enriqueci- mento cultural de todos quantos estão implícitos no processo educativo.

Seguindo esta lógica, o currículo, num contexto multicultural, terá de ser enri- quecido com actividades que permitam a oferta de projectos adequados à diversidade cultural para que todos sintam que as suas culturas são valorizadas pela escola e que os saberes universais fazem sentido porque contribuem com objectividade para as suas próprias culturas. Somos da opinião que um aluno cuja etnia for segregada dificilmente acompanhará o processo educativo. A instituição escolar, como responsável pela forma- ção de todos os jovens, deve ser o local onde possa caber a esperança, mercê de uma formação para a cidadania que nos permita viver numa sociedade mais feliz, onde a harmonia e a paz possam abranger não só os portugueses mas todos os cidadãos que de- sejam viver em Portugal.

Se fizermos uma leitura atenta para o que nos remete a LBSE, é bem evidente a posição para o abandono, pelo menos ao nível da enunciação dos princípios, de um en- sino que tenha em vista a selecção. Pelo contrário, pretende-se um ensino que responda às necessidades da sociedade multicultural.

No documento Maria José Camacho Gonçalves Fernandes (páginas 43-46)