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4. Construção dos casos clínicos

4.1 Caso clínico: Pedro

4.1.6 Pedro estaria em uma posição débil?

Sônia, nas sessões de análise, mostrava um olhar sobre Pedro, que questionava a capacidade do filho de pensar, criar ou desejar. Na quarta sessão, diante da fala da mãe, que dizia que comunicava com filho apenas por comandos simples, lhe perguntei “Você já pensou

sobre os pensamentos de Pedro?” e ela respondeu “Nunca pensei se ele pensa”. Perguntei então “Nunca pensou se ele pensa?” e ela, assustou-se, e disse “Não, nunca pensei como ele pensa”.

Perguntei como são os pensamentos dela e ela disse que “pensa vozes, que fala consigo mesma”. “E o Pedro? Como ele pensa então?”, questionei. Ela respondeu que “não sabia dizer, nunca pensou sobre os pensamentos dele”. Disse a ela que o pensamento também era formado por imagens e não apenas de sons. Ela se surpreendeu e disse “É possível pensar apenas por imagens? Agora entendo quando Pedro fica quieto, parado, ele está pensando então”. A mãe surpreendeu-se com a descoberta de que o filho pensava e isto estendia a outros momentos de sessões subsequentes, onde o inesperado gerado por Pedro capturava a mãe em seu interesse. Pedro inventava histórias e brincadeiras, assumindo outra posição diante do olhar da mãe.

O lugar de não pensante e não desejante que Pedro ocupava para a mãe no início da análise, remete à posição débil. Tal posição subjetiva relaciona-se a outras falas da mãe. Sônia disse que “Pedro ia para escola apenas para passar o tempo, não aprendia nada” e a professora relatou que “antes de começar a introduzir a Libras, Pedro subia em uma estante bem alta e ficava sentado lá em cima, parecia retardado e ficava nervoso se alguém o tirasse de lá. Quando começou a mostrar o alfabeto em Libras viu que ele tinha interesse”.

Quando chegou para a análise, Pedro apresentava movimentos repetitivos, uma recusa aparente em estabelecer laços e um corpo afetado pelo discurso do Outro, fixado em uma posição. Nas primeiras sessões foi possível observar que Pedro balançava a cabeça, dizendo sim antes que um enunciado pudesse ser formado, impedindo que um sentido fosse produzido.

A psicanálise considera a debilidade uma posição psíquica, na qual o desejo do sujeito é guiado pelo Outro. A inserção na linguagem pelo Outro será marcada por uma solidificação

do primeiro casal de significantes, de modo a não haver intervalo na cadeia para aparecimento do desejo do sujeito. Este estará em posição de alienação ao Outro.

No caso de Pedro, o saber materno era titubeante e não havia espaço para a falta, visto que a mãe duvidava sobre capacidade inventiva do filho. O que proporcionou uma mudança na posição de Pedro, diante do Outro, foi a introdução da Libras e consequente abertura no saber da mãe.

Na décima sessão, Sônia chegou com um amontoado de papéis e disse que havia descoberto o diagnóstico de Pedro. Disse que estava triste, que não esperava que fosse isso. Ela disse “Nunca imaginei que seria isso, pensava na hidrocefalia... não sei explicar o que o médico disse, mas é como se um lado da cabeça não falasse com o outro lado... e aí tudo fica complicado. Pedro tem outros problemas por causa disso, desgaste ósseo, deve ser por isso que fica caindo também, mas nunca pensei que seria energético”. Perguntei: “Energético?”. Ela disse, “é, energético, aquilo que passa de mãe para filho, eu devo ter um gene ruim. Ainda bem que fiz laqueadura, se não teria mais um filho com problema. Como será que passei isso para ele? Será que tenho uma má formação no meu cérebro? O médico disse que outro sinal é a marca branca no dente de Pedro, mas eu não tenho essa marca”.

Sônia, na busca de um lugar “energético” para as marcas de Pedro, retomou a questão do pai biológico, e que precisava reunir dinheiro para ir até a Bahia e encontrá-lo. Disse que um dia mostrou uma foto do pai para Pedro, mas esta foto foi apagada. Contudo, apesar de ser pequeno, Pedro lembrava desta foto do pai. Um pai que estava apenas na imagem.

Ainda nesta sessão, Sônia relatou que o filho iria fazer uma audiometria naquela semana e gostaria que ele permanecesse quieto para que o exame detectasse desta vez a surdez, já que estava sendo descoberto o diagnóstico, queria que tudo fosse avaliado para que Pedro fosse tratado. Pedro percebeu que a mãe fazia um sinal no ouvido e quis saber sobre. Disse para ele que sua mãe estava dizendo sobre um exame que ele iria fazer. Ele sentou-se na

cadeira e começou a simular o exame, o qual já tinha realizado outra vez. Eu entrei na simulação, fingindo que era o médico, e ele ficou gesticulando como responderia e como se comportaria. Pedro sabia que tinha que ficar quieto e Sônia achou interessante e surpreendeu- se novamente com a capacidade do filho em imaginar as histórias e desenvolvê-las. Pedro percebeu o interesse da mãe e fazia-se ser ouvido por ela, como no terceiro tempo da pulsão invocante. Eles sorriram entre si e abraçaram-se.

Sônia já havia relatado que o médico lhe disse que as dificuldades auditivas e motoras de Pedro poderiam ser genéticas. Contudo ela não utilizou esta palavra para defini-la. Ela disse que era “energético”, que passava dela para o filho. Então, observando o inesperado gerado por Pedro e o espaço aberto a ser preenchido no investimento libidinal da mãe, retomei o significante energético e disse para Sônia “É desta energia que Pedro precisa, essa você pode passar para ele. As genéticas não sabemos, essa outra sim”. A energia poderia ser definida como o desejo da mãe passado por meio de sua língua materna.