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3 OS ARTESÃOS E OS OFÍCIOS RÉGIOS: A INSERÇÃO NOS MECANISMOS

3.2 PELAS ARMAS DE VOSSA MAJESTADE: O OFICIO DE ARMEIRO DO

Um dos ofícios mais estratégicos e antigos presentes na Capitania de Pernambuco era o de armeiro. A princípio as funções dos profissionais era a de realizar reparos necessários e limpeza nos armamentos das tropas regulares e que ficavam depositadas no armazém de artilharia do Recife. Ao longo da nossa pesquisa pudemos identificar alguns dos artífices que exerceram a profissão através de mercê régia.

Entre 1695 e 1717 o armeiro Antônio de Oliveira Lima exerceu a profissão na Capitania de Pernambuco. O artífice provavelmente era o único encarregado na tarefa de reparo e limpeza das armas das tropas ao menos em Recife e Olinda que havia sido dotado de uma mercê régia. Outros trabalhadores da mesma profissão exerciam a atividade a particulares no mesmo período, como veremos mais adiante. Em 04 de março de 1716 o Conselho Ultramarino fez consulta ao Rei sobre o requerimento de Antônio de Oliveira ao qual solicitava um aumento em seu soldo. Até então o armeiro recebia 30$000 anuais e o Conselho do Ultramar recomendava um acréscimo de 20$000 ao soldo. O principal argumento para o aumento do soldo pode ser observado no trecho que consta na consulta:

[...] e por Sua Majestade lhe arbitrara de ordenado trinta mil réis cada ano que era competente ao seu trabalho naquele tempo e hoje tem acrescido muito em razão de haver muito maior número de armas, pois

no tempo em que Vossa Majestade o nomeou para o dito ofício havia muito poucas [...]117

Antônio de Oliveira Lima, era responsável pela manutenção de cinco mil e trezentas armas em Pernambuco e, segundo o mestre armeiro, realizava o serviço dispendendo da sua própria fazenda. Diante da aceitação do argumento de que o trabalho exercido teria aumentado bastante, desde a fundação do posto em Pernambuco, o soldo anual de Antônio foi elevado para 50$000 anuais.

O valor de cinquenta mil réis anuais permaneceu a ser pago aos artesãos armeiros até o primeiro quartel da segunda metade do século XVIII. Os profissionais acumulavam as atividades nos armazéns reais com a oferta de serviços a particulares e também passaram a perceber valores extras pelas tarefas executadas nas armas das tropas, como veremos mais à frente. Mas a título de comparação, em 1729 o sargento-mor e engenheiro Diogo da Silveira Veloso fez um requerimento ao Rei D. João V solicitando para ser promovido ao posto de tenente general de infantaria, com o exercício de engenheiro com o soldo de 40$000 réis

mensais118 e ainda um tenente do corpo de artilharia do Regimento de Olinda em 1788 recebia

11$000 mensais, um alferes e um cirurgião da mesma companhia 10$000 também mensais.119

Ou seja, considerando que o armeiro recebia cerca de 4$166 mensais, o seu soldo era bastante reduzido, mas que era compensado com os serviços prestados a particulares e também serviços extras à Coroa.

Apesar de um soldo abaixo do que recebia outros militares de patente, o armeiro de Recife ainda recebia mais que Domingos Pereira da Silva, que ocupou o mesmo posto na Ilha da Madeira na metade daquele século. Em virtude de uma provisão passada pelo Conselho de Guerra, em resolução de 28 de janeiro de 1752, Domingos Pereira passou a receber 39$000 de soldo como armeiro dos armazéns da ilha. Além do soldo, domingos ainda recebia 16$000 de aluguel do armazém onde realizava os serviços de reparo. E através do alvará podemos observar que as atividades desenvolvidas por Domingos eram muito semelhantes às desempenhadas em Pernambuco, e ainda as condições às quais Domingos trabalhava:

[...] lhe serão pagos pela mesma confirmação porque há pago de ordenado que já tinha e lhe farão pagos com condição do oficial maior da artilharia que tenha uma das chaves do armazém autorizado pelo governador, de como neste, conservar, limpar e aprontar para o serviço as armas e mais apetrechos militares no mesmo [...] como

117 AHU_ACL_CU_015, Cx. 27, D. 2477. 118 AHU_ACL_CU_015, Cx. 39, D. 3535 119 AHU_ACL_CU_015, Cx. 129, D. 9799

também os mais que lhe mandarem consertadas e preparadas, pagando-se na forma do estilo a importância do dito conserto [...] 15 de setembro de 1752.120

Se o soldo recebido pelo armeiro estava distante de ser considerado alto, por outro lado Domingos gozava de um certo prestígio na condição de oficial de artilharia e detentor das chaves do armazém de artilharia, o que certamente trazia outros benefícios ao artífice, o que também acontecia em Pernambuco.

E retornando ao mestre armeiro de Pernambuco Antônio de Oliveira Lima, apesar de este ter conquistado um aumento em seu soldo, usufruiu pouco da conquista. Faleceu no final de 1717 e o posto de Armeiro dos Armazéns de Sua Majestade ficou oficialmente vago até o início de 1719 quando o governador Manoel de Souza Tavares (1718 - 1721) supriu a vacância no oficio, provendo o artesão Manoel Ferreira em 9 de junho daquele ano.

Manoel Ferreira era morador da Vila do Recife e mestre do ofício de armeiro quando foi provido por um ano no cargo pelo governador, solicitando na sequência a efetivação do seu posto. Na ocasião fora reconhecido por já ter sido examinado, o que era fundamental para se alcançar o posto, e, como de praxe nos requerimentos por uma mercê régia, era considerado perito no dito ofício e de bom procedimento. Abaixo temos um trecho da provisão do armeiro:

[...] com as condições que dará fiança as armas que receber para a limpar e consertar, e juntamente as pessoas que lhe mandar fazer esta diligência nos tais armazéns; e com a dita serventia haverá o ordenado de cinquenta mil réis , que gozava o seu antecessor em virtude das ordens do dito senhor, e os mais prós e percalços que diretamente lhe pertencerem: com declaração que não vencerá o dito ordenado sem que primeiro provenha dado a dita fiança, e limpas todas as armas, na forma em que são obrigados os armeiros, como requereu o almoxarife da fazenda real Manoel Lopes S. Tiago. Pelo que ordeno ao provedor dela lhe dê a posse e juramento na forma costumada.121

Na provisão manteve-se o soldo de 50$000 e foi estabelecida a condição de pagar fiança sobre as armas recebidas, tanto da Coroa quanto de particulares e condicionou-se o pagamento do soldo a execução integral do seu trabalho. Embora não saibamos o valor das fianças pagas por arma recebida, acreditamos que exigia do artesão a posse de certa quantia para que pudesse dar início às suas atividades, ou de fiadores, que acarretaria na obtenção de crédito na praça. As fianças dadas sobre as armas recebidas certamente já eram exigidas ao mestre anterior, Antônio de Oliveira Lima.

A origem de Manoel Ferreira é desconhecida por nós, sabemos apenas que ele era morador na Vila do Recife quando foi provido no cargo; é certo que era mestre de ofício branco

120 ANTT: Registo Geral de Mercês de D. José I, liv. 4, f. 543. PT/TT/RGM/D/0004/82363. 121 AHU_ACL_CU_015, Cx. 29, D. 2585.

e já exercia a atividade de armeiro na Vila há muitos anos, o que lhe facilitou a provisão. Mas apesar de estar alcançando uma condição de maior estabilidade e até do prestígio que a sua profissão poderia oferecer, a trajetória de Manoel Ferreira enfrentou turbulências.

Em resposta ao requerimento de Manoel Ferreira para a sua efetivação no posto que

ocupava desde o final de 1719122, o Rei D. João V questionou ao governador Manoel de Souza

Tavares, em vinte e quatro de fevereiro de 1720, se não havia na Capitania outros artesãos do mesmo ofício na praça que fosse hábil e mais capaz, ordenando que se lançasse edital para

provimento do cargo solicitando que os artífices apresentassem os seus papeis.123

E para a infelicidade do armeiro Manoel Ferreira, ele sequer pode concorrer ao cargo a que havia sido investido provisoriamente. Segundo a informação prestada pelo governador da capitania, Manoel foi preso por ter cometido um crime violento, não apresentando mais detalhes. Todavia, em 1730 o armeiro já estava reabilitado a ponto de ter sido eleito juiz do seu ofício pelos outros profissionais diante da câmara municipal do Recife e no ano seguinte fora

novamente eleito, só que para exercer o cargo de escrivão dos armeiros.124 O certo é que Manoel

Ferreira não mais requereu para si o ofício, talvez por já ter perdido este espaço.

Voltando ao provimento do oficio de armeiro dos Armazéns Régios, em 24 de abril de 1721 o governador Manoel Tavares deu conta que fez afixar editais públicos anunciando o cargo, todavia afirmava não haver no Recife e nas cercanias muitos artesãos capazes para exercer o ofício. E com a prisão de Manoel Ferreira que ocupava o cargo, destacava apenas Jacinto da Silva.125

O oficial mecânico Jacinto da Silva havia sido aprendiz de Antônio de Oliveira Lima, o antigo armeiro dos armazéns, trabalhado por alguns anos na tenda do mestre e havia se destacado entre os aprendizes. Naquela altura, Jacinto já havia sido examinado, tornando-se

mestre de ofício.126 O referido armeiro era considerado pelo então governador como perito em

sua função e já teria exercido interinamente o cargo de armeiro dos armazéns da capitania após o seu mestre ter falecido e Manoel Ferreira ter assumido, entre 1717 e 1719.

Jacinto Silva recebeu a mercê do ofício em oito de março de 1723, embora provavelmente estivesse exercendo desde 1721, e ocupou o cargo até o seu falecimento, em 1745. No Livro de Chancelaria de D. João V, consta o provimento de Jacinto Silva:

122 Idem.

123 AHU_ACL_CU_015, Cx. 29, D. 2642

124 Atas da Câmara do Recife (1714 – 1738). Arquivo do Instituto Histórico, Arqueológico e Geográfico de Pernambuco.

125 AHU_ACL_CU_015, Cx. 29, D. 2642 126 Idem.

Dom João por graça de Deus, Rei de Portugal [...] a respeito de Jacinto da Silva oficial de armeiro, experimentando o dito ofício por provisão que lhe mandara passar o governador da capitania de Pernambuco, em constar do zelo e cuidado com que se tem havido em todas as ocasiões e do meu serviço mostrado o seu préstimo fazer-se digno desta ocupação; hei por bem fazer-lhe mercê do ofício de armeiro dos armazéns da praça de Pernambuco para o servir em dias da sua vida com o qual ofício haverá o dito Jacinto da Silva o ordenado de cinquenta mil réis cada ano [...] 08 de março de 1723.127

O mestre armeiro teve uma trajetória bastante exitosa enquanto profissional. Em 1731 foi eleito juiz do ofício de armeiro, o que mostra o seu reconhecimento junto aos outros profissionais; curioso que neste ano de 1731 o escrivão eleito foi Manoel Ferreira que precedeu

Jacinto e cuja história, como mostramos, foi bastante conturbada.128

Dentro do recorte temporal deste trabalho, nos deparamos apenas com duas eleições para juiz e escrivão do ofício de armeiro na câmara do Recife, em 1730 e 1731. Para além das limitações da documentação que tivemos acesso, a presença de apenas dois registros se explica pelo fato de que no Recife havia poucos artesãos executando o ofício, sendo inclusive alguns deles serralheiros, como veremos adiante. O número reduzido não teria demandado a necessidade de uma maior organização e controle por parte da municipalidade sobre o ofício a ponto de exigir eleições e estabelecer representantes profissionais, além das duas ocasiões que registramos. Pensamos ainda que o fato de os principais entre os armeiros estarem envolvidos nas atividades militares da Coroa, ou fossem militares, os inseria em um nicho profissional que os inseria em outra dinâmica.

De qualquer modo, foram justamente os dois armeiros dos armazéns da Coroa, Jacinto Silva e Manoel Ferreira, os mestres escolhidos para ocupar o cargo de juiz de ofício nas duas únicas eleições identificadas nas Atas da Câmara. O exercício de um ofício régio, a proximidade dos artífices com os espaços de poder e sujeitos empoderados conferia maior prestígio e distinção ao oficial mecânico, possibilitando o acesso ao cargo mais importante do oficialato mecânico.

Durante os vinte quatro anos que esteve à frente da função de limpar e reparar as armas das tropas e também realizando serviços a particulares, Jacinto Silva construí além de uma reputação, a possibilidade de assegurar o cargo para os seu filho.

127 ANTT: Livro da Chancelaria de D. João V, liv. 60, f. 345v; ANTT. Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 14, f.374. PT/TT/RGM/C/0014/37716.

128 Atas da Câmara do Recife (1714 – 1738). Arquivo do Instituto Histórico, Arqueológico e Geográfico de Pernambuco.

Em 23 de agosto de 1745 Teotônio da Rocha e Silva, filho de Jacinto Silva e Antônia da Rocha, solicitava, através de requerimento ao Rei D. João V, o cargo que foi ocupado pelo

pai até o seu falecimento.129 Até àquela altura Teotônio morava com a família no Bairro de

Santo Antônio no Recife e já devia ter concluído o período de aprendizagem e ter sido examinado. O artífice acompanhava o pai em suas atividades, como está registrado em uma certidão passada posteriormente onde afirmava [...] que ele exercitava em companhia do dito seu pai muitos anos a ocupação e por seu falecimento a tinha servido com muito zelo e verdade como servia dado cumprimentos que apresentava [...]130

Os serviços realizados por seu pai Jacinto teria pesado para que Teotônio tivesse o seu requerimento acolhido, além do fato de o jovem mestre demonstrar capacidade para a função. Com um certo atraso, o armeiro recebeu mercê do cargo em vinte e nove de novembro de

1751131, tendo trabalhado durante todo o período aguardando a confirmação do posto. O oficial

mecânico continuou morando no bairro de Santo Antônio, casou com Adriana Tereza de Araújo e teve ao menos um filho, Antônio da Rocha Silva, que assim como fez o seu pai aprendeu o ofício de armeiro. Sabemos que Teotônio da Rocha e Silva recebera a posse vitalícia do cargo de armeiro dos armazéns e ocupou a posição – ao menos nominalmente – até quando faleceu no dia 12 de novembro de 1754.

A esta altura o leitor já imaginou que o filho de Teotônio da Rocha requereu o cargo após a morte do pai. E interessa-nos aqui tanto o requerimento como os argumentos para que recebesse a mercê.

Antônio da Rocha e Silva foi provido no cargo de armeiro dos armazéns da Coroa na Capitania de Pernambuco interinamente por um ano pelo governador Luís Correia de Sá (1749 – 1756) e tomou posse ainda antes do falecimento do seu pai, em 19 de julho de 1754, quando compareceu na Casa dos Contos na Vila de Santo Antônio do Recife. A provisão do governador está baseada nos argumentos que seguem abaixo:

[...] por quanto se acha vago o ofício de armeiro dos armazéns de Sua Majestade desta praça do Recife de Pernambuco, por falecimento de Teotônio da rocha Silva que o servia e dever provê-lo em pessoa eficiente e prática o dito ofício que tenha a suficiência e a capacidade que é necessária para exercer. E tendo consideração a que estes requisitos concorrem na de Antônio da Rocha Silva, filho legítimo do mesmo Teotônio da Rocha, tanto pelo bem que tem servido a Sua Majestade no mesmo ofício, praticando muito anos com o dito seu pai, como pela boa informação que dele me deu

129 AHU_ACL_CU_015, Cx, 62, D. 5279. 130 AHU_ACL_CU_015, cx. 80, D. 6644. 131 Idem.

o Doutor Provedor da Fazenda Real, e constar da sua capacidade, suficiência e ser de honrado procedimento e limpeza de mãos [...]132

Após receber a provisão em condições muito semelhantes ao de seu pai, Antônio da Rocha lançou mão de um estratagema utilizado por outros grupos daquela sociedade, dos militares aos membros das grandes casas comerciais e até a elite da terra; arrolou os serviços prestados pelo seu avô Jacinto Silva (c. 1721-1745) e o seu pai Teotônio da Rocha (1745 – 1754) afrente do ofício de armeiro dos armazéns. Como veremos em outros casos, e inclusive a experiência de José Rodrigues Papagaio, os artesãos utilizaram os serviços prestados à Coroa, mesmo em funções remuneradas, como estratégia para obterem desde um aumento no soldo, como vimos no caso do primeiro armeiro aqui tratado, Antônio de Oliveira Lima, quanto para se efetivarem nos cargos. Além disso, se valeram da proximidade a pessoas que ocupavam espaços de poder como os governadores da capitania e também oficiais graduados. Tais estratégias possibilitavam também a esses trabalhadores maior prestígio social, que por sua vez estava agregado ao próprio ofício que desempenhavam; alcançavam ainda privilégios na realização da função que desempenhavam. No caso dos armeiros, ser responsável pelo conserto e limpeza das armas das tropas também os permitia abrir tenda no centro urbano e realizar serviços para particulares.

Devemos ainda ressaltar que todos os armeiros aqui mencionados, Antônio de Oliveira Lima, Manoel Ferreira, Jacinto Silva, Teotônio da Rocha e Antônio da Rocha e Silva era artesãos examinados, ou seja, mestres do seu ofício, dois deles ocuparam o cargo de juiz de ofício e de escrivão de ofício, além de serem alfabetizados.

Figura 1: Detalhe da assinatura de Antônio da Rocha e Silva na provisão do seu ofício (AHU_ACL_CU_015, cx. 80, D. 6644)

Ao contrário das atividades não especializadas, os ofícios mecânicos exigiam a realização de um período de aprendizagem junto a um mestre de ofício. Tal condição facilitava e favorecia a transmissão dos ofícios entre familiares.

Em caso semelhante ao até aqui narrado sobre os armeiros do Recife, em 1710 o ofício de armeiro dos armazéns de Salvador estava vago após o falecimento de Gaspar de Araújo da Cunha. O cargo foi preenchido por seu irmão Manoel Ferraz Lima que foi provido pelo então

governador geral do Estado do Brasil, provavelmenteLuís César de Meneses (1705-1710). É

provável que Manoel Ferraz Lima já ocupasse o posto e aguardasse apenas a confirmação do seu posto, o que veio através de uma carta expedida em 22 de dezembro de 1710, que assegurava

não apenas o cargo como também os seus privilégios.133

No caso dos armeiros, além da profissão, buscou-se transmitir os cargos levantando-se os serviços prestados pelo familiar antecessor no ofício, enfatizando o compromisso com o trabalho, a habilidade, o tempo de serviço – neste caso mostrando que o processo de aprendizagem se deu através do exercício da função hora almejada -, inteligência e honestidade. Todas as características tinham o trabalho como um elemento central. E isso é compreensível para um grupo que não apresenta qualquer linhagem nobre ou fortuna e ainda tinha sobre si o estigma do defeito mecânico. Todavia, o trabalho expressava um aspecto que era atribuído à nobreza e poderia estar presente em outros grupos sociais, permitindo que esse pudessem ser alçados: a virtude, demonstrada através da habilidade e zelo profissional.

E retomando a “linhagem dos armeiros” do Recife, a análise do processo de requerimento do cargo por parte de Antônio da Rocha Silva, indica que este enfrentou bastante dificuldade até ser provido. Acreditamos que tal dificuldade está alicerçada no questionamento da existência do cargo na capitania.

Em 23 de novembro de 1739, quando o avô de Antônio da Rocha Silva – Jacinto da Silva – exercia o cargo de armeiro dos armazéns da Coroa, o governador da Capitania de Pernambuco Henrique Luís Pereira Freire de Andrada (1737 – 1746) remeteu ao tesoureiro do Conselho Ultramarino armas, pólvora e outros apetrechos militares. Dizia o governador que as armas que seguiam não podiam ser consertadas na capitania por dois motivos: primeiramente por falta de oficiais armeiros para realizar o serviço, e em segundo lugar, pelo fato de que o

conserto custaria mais caro que as próprias armas. 134

Dez anos antes, em 30 de junho de 1729 o governador Duarte Sodré Pereira (1727 – 1737) escreveu carta ao Conselho Ultramarino buscando resolver o problema da falta de oficiais mecânicos na Capitania de Pernambuco que pudessem exercer os serviços de manutenção do sistema de defesa do território e também para a realização de serviços a particulares. Segundo Duarte Sodré, quando fora governador da Ilha da Madeira, observou que lá havia grande

133 ANTT: Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 4, f.601. PT/TT/RGM/C/0004/379206. 134 AHU_ACL_CU_015_Cx. 55. D. 4759

número de oficiais mecânicos e sugeria que os artífices moços e solteiros fossem remetidos todos os anos para Pernambuco. Na ocasião Duarte Sodré destacou a carência de pedreiros e carpinteiros para as obras nas fortificações. Mas além disso considerava que:

E havendo dois serralheiros que sejam bons oficiais, que os mande também, porque