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Pensando novos cenários para a educação e a formação de professores

CAPÍTULO 3 FORMAÇÃO DE PROFESSORES E INTERFACES COM PROCESSOS

3.4 Pensando novos cenários para a educação e a formação de professores

Um primeiro cenário a ser pensado é da sensibilização social sobre as relações e implicações entre o sistema midiático e a educação. Este cenário nos convoca a uma cultura de educomunicação. Não somente uma compreensão da inclusão instrumental, técnica, mas um repensar das relações entre comunicação e educação.

Há algumas questões que precisamos enfrentar enquanto educadores: quais transformações no sistema escolar são necessárias para incorporar todo potencial tecnológico atual? Como implantar novas pedagogias para o uso das telas com as quais convivemos – TV, celular, computador, etc?

Ainda temos que considerar que as formas de aprendizagem passam por modificações:

O uso fluente e especializado dos recursos de comunicação tem modificado alguns conceitos de aprendizagem, dando destaque a uma dinâmica em que o estudante demonstra maior autonomia para a experimentação, o improviso e a autoexpressão. Nesse sentido, a tecnologia se torna uma aliada do educador interessado em sintonizar-se com o novo contexto cultural vivido pela juventude. (SOARES, 2011: 29)

Existe uma resistência por parte dos educadores quanto às transformações em curso, não só quanto ao possível uso pedagógico das tecnologias, mas ao entendimento mais geral das interfaces na relação entre educação e comunicação. “Essa questão envolve, pois, um enorme esforço de formação do magistério tendo em vista as novas demandas sociais colocadas à escola.” (CITELLI, 2004: 208) Há um desafio quanto a entender a legitimidade educativa das novas mídias, nas interações com nossos alunos e conosco mesmo.

Esta compreensão nos leva a outro cenário: das alfabetizações múltiplas dos estudantes e dos docentes. A educação precisa ser relacionada aos meios e às tecnologias, estruturantes da sociedade atual.

Temos que manejar diferentes códigos e gramáticas13 para entender o que vemos. Temos que entender efeitos especiais, imbricações de gênero. Necessitamos de uma alfabetização ampla, de compreensão de todo o processo de produção e circulação das mensagens. Há lógicas de funcionamento com as quais não estamos acostumados, pois nos acostumamos a pensamentos expostos em livros impressos, sequenciais, lineares. As alfabetizações a que estamos desafiados são de muita complexidade, para além dos nossos letramentos habituais. Este é um ponto importante a ser considerado nos cursos de formação de professores.

Nas palavras de Orozco:

La convergencia tecnológica que actualmente multiplica las combinaciones de formatos, lenguajes y estéticas en las diversas pantallas abre nuevos escenarios y posibilidades que a su vez contribuyen a facilitar otros modos de interacción comunicativa a sus audiencias. (OROZCO, 2009:3)

Importante destacar a predominância ainda, mesmo com os avanços de outras mídias, da TV. Estamos num processo de transição para outras mídias, com as quais temos interatividade, tais como I-pod, celular, internet. Estamos mudando paulatinamente e incorporando à tela da TV, outras telas. Entretanto, a tela principal, a mídia principal em termos de interação, de processos de emissão e recepção, ainda é a tela da TV. A transformação atual, com o desenvolvimento de outras mídias atinge uma minoria das populações. Em países latinos americanos, como México e Brasil, se falaria em 35% hoje, em termos de acesso da população às novas mídias. (Instituto Nacional de Estatística do México – INEGI, 2009; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, 2009). Estatisticamente falando, 100% de nossas populações têm acesso a TV. Assistir TV é um hábito cotidiano, que faz parte do dia-a-dia de países como o Brasil. Infelizmente, não há acesso assim a todas as telas presentes na contemporaneidade. Esta situação está relacionada à distribuição desigual da riqueza dos países, com concentração de renda em algumas classes sociais, em detrimento de outras. Por isso, não podemos perder de vista em qual terreno social e político estamos ao falar da transição que vemos em relação às mídias.

Diante deste cenário de transformação tecnológica, de novos formatos, de novas telas, que nos exigem novas competências comunicativas, há a necessidade de criarmos projetos, inclusive fora da escola, para darmos conta dessa situação da necessidade de

13Orozco (2009) utiliza o termo ao falar de novos cenários para educação, que exigem trabalho com as novas linguagens das mídias, portanto manejo de códigos e gramáticas diferenciados.

alfabetização e letramento em múltiplas linguagens. Desenvolver habilidades para ler e escrever no novo mundo em que também somos emissores e podemos expressar nossas próprias mensagens, num sistema complexo de redes.

Todas essas mudanças nos fazem refletir sobre a produção de novas aprendizagens, no contexto que podemos chamar de novas educações e novos processos de formação de professores, aprendizagens realizadas com o uso dos meios e das tecnologias de informação e comunicação, numa nova ambiência cultural e social. Podemos dizer que hoje há uma exigência para a educação para a interatividade, para a percepção de mudança que os meios trazem aos nossos cotidianos, inclusive os cotidianos escolares.

Se pensarmos em nossa realidade de docentes, veremos que ainda produzimos pouco: temos poucas páginas na Internet, poucos blogs, que são formas de comunicação que vem se estabelecendo a cada dia com mais propriedade em nossa sociedade, principalmente entre as gerações mais jovens. É importante que entendamos o potencial da interatividade e desenvolvamos a nossa, como educadores, como aqueles que podem, de certa maneira, apresentar alternativas aos que estão em processo de formação.

Esta é uma aprendizagem, relacionada à interatividade, que nossas sociedades ainda estão realizando e que a escola pode e deve participar, como produtora social de comunicação, muito mais do que como simples receptora de conteúdos já prontos e estabelecidos.

As escolas, as universidades, os cursos de educação e também os de comunicação podem ser locais privilegiados para que experimentemos todas as possibilidades técnicas e de linguagens diversas dos meios, desenvolvendo outras habilidades, importantes para o mundo atual e as relações humanas que estabelecemos.

Pensar em uma escola que não se restrinja ao uso de códigos verbais, mas que também utilize imagens, sons, múltiplas linguagens, na polissemia tão diversa e conflitante da sociedade atual. Enfim, aproveitar todo esse mundo de possibilidades que a tecnologia também nos proporciona. Há formas de trabalho que a tecnologia facilita, até de forma mais lúdica, criativa. Como professores, podemos conseguir melhores resultados, desafiando os estudantes, fazendo com que queiram buscar mais. Podemos dizer que as novas educações, postas hoje, exigem maior interatividade de todos os envolvidos no processo.

Importante destacar que não é só uma interatividade na concepção mais instrumental. É também uma interatividade com as diferentes telas com as quais temos contato, manejando-as, explorando-as, criando novas possibilidades, num processo humano, de transformação, de criação, de ousadia, de busca do novo.

OROZCO (2009) chama esse processo de uma criação comunicativa própria, uma apropriação das tecnologias, das telas para expressões comunicativas inovadoras.

Outro desafio para a educação é perceber a importância da mediação, da necessidade de problematização e aproveitamento de aprendizagens extra-escolares por parte da escola, num processo de reconversão educativa, como enfatiza OROZCO (2009).

Essa já é uma estratégia pedagógica, que começou a ser usada antes do advento das últimas e novas telas. Educomunicadores, preocupados com a formação de audiência crítica, já usavam estas estratégias, de reconversão do que está produzido fora da escola, pela mídia, para objetivos e necessidades educacionais escolares.

Podemos aproveitar produtos da TV, produtos veiculados em inúmeros sites e blogs, para estudar valores, discutir modelos de ser humano que essas mídias nos apresentam. Essa reconversão exige dos educadores uso da criatividade, de não ter medo de experienciar o novo, estabelecendo diálogos entre a comunicação e a educação. Essa reconversão educativa é um primeiro passo para que possamos desenvolver um cenário de experimentação e desenho de novas didáticas, de novas formas de ensino e aprendizagem, que é uma forma de investigação educativa participativa. Educadores que se percebem e se assumem como investigadores, em pesquisas cotidianas, sobre e na sua própria prática docente. Esses processos investigativos colaboram nos processos de ensino, trazendo novas perspectivas. Perceber que a investigação é uma ferramenta de aprendizagem, tanto para os docentes como para os discentes.

As novas mídias também nos levam a refletir sobre o conjunto do que vemos, o que alguns autores vêm chamando de ecossistema comunicacional e educativo. Estamos inseridos nestes ecossistemas e precisamos desenvolver habilidades para a construção de uma cidadania comunicativa.

Num mundo midiático como o nosso, com uma presença constante e cotidiana dos meios de comunicação e informação, não podemos mais entender a cidadania fora das nossas interações com os meios. Se assumirmos que os meios também têm uma pedagogia, que também ensinam, têm intencionalidade, que de certa forma têm um

currículo próprio, precisamos dialogar com essas ideias e intenções, expressas pelos meios de comunicação. Mesmo que nos eduquem sem a intenção explícita, nos apresentam jeitos de ser e estar no mundo, nos apresentam jeitos de ser cidadão. Orozco (2009) nos lembra que “en la época actual, la producción de identidades pasa necesariamente por las pantallas.” (OROZCO, 2009: 10)

Nos meios de comunicação, vemos modelos de comportamento, vemos os direitos dos outros, os nossos direitos próprios. Estamos aprendendo com as telas, onde estão colocadas as representações sociais, nas telenovelas, nos telejornais, nos desenhos animados, nas propagandas, nos diversos artefatos culturais. Aprendemos a comportarmo-nos como amantes, como amigos, como pais, como professores, como consumidores. Aprendemos a ser cidadãos ou não aprendemos.

Portanto, uma responsabilidade social da escola, dos educadores, está em desenvolver nossa percepção de cidadania também conformada pelos meios de comunicação e assumir posicionamentos de diálogo, de intercâmbios, de análise crítica, de possibilidade de novas produções, exercendo realmente uma postura cidadã.

OROZCO (2009) alerta para outro cenário, que seria o da observação midiática. Estarmos atentos ao que acontece no ecossistema comunicativo, com observação e monitoramento dos programas. Conhecer a programação veiculada na tela da TV, as representações sociais apresentadas nos sites, conhecer as produções postadas nos blogs, pode nos ajudar a pensar formas de estabelecer relações com a educação, a criar possibilidades, a estabelecer diálogos, colaborando para que nossos alunos desenvolvam criticidade diante das produções midiáticas com as quais tem contato cotidianamente.

O cenário atual da comunicação, dos avanços tecnológicos, nos pede ousadia. É necessário ousar, usar todas as linguagens, perceber a complexidade do mundo atual, para criarmos e recriarmos constantemente nossos espaços. Formar professores mediadores, que busquem alternativas e possam criar, vislumbrando o novo, na construção das mudanças, da reinvenção eterna do nosso mundo. São necessárias novas educações, num sentido plural, que assuma a diversidade, para novos contextos e discursos em que somos construídos todos os dias como cidadãos, como educadores, como seres humanos.

É necessário, sobretudo, que o sistema escolar incorpore, fortemente, a ideia de que existe uma permanente luta pela construção das hegemonias discursivas. Se os media prosseguem tão célere e tranquilamente ampliando a sua força constituidora dos espaços públicos, é urgente que a educação

formal aumente o som de sua orquestra, caso deseje continuar levando público às salas de concerto. (CITELLI, 2010: 25)

Uma formação docente que assuma a luta que existe socialmente pela construção de significados, em discursos diversos a nos interpelar todos os dias, discursos veiculados, principalmente, pelas mídias.

Diante desta explicitação de novos cenários e desafios a nos convocar, como estão nossas práticas pedagógicas em salas de aula nas escolas? Como nossos cursos de formação de professores estão preparando – ou não - para o trabalho docente cotidiano, numa sociedade midiática?

Para refletir sobre estas questões, fomos às escolas e dialogamos com professores da rede pública municipal de Santos. No próximo capítulo, apresento estes diálogos e reflexões.

CAPÍTULO 4. FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PRÁTICAS