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Pensar criticamente, Questionar e Argumentar como estratégias de ensino ativo

Capítulo 2: Fundamentação Teórica

2.2 Pensar criticamente, Questionar e Argumentar como estratégias de ensino ativo

A adoção dos meios informáticos na educação ampliou as possibilidades de interações entre professores e alunos, entre professores, entre alunos, incluindo também a discussão com a família pais e a sociedade em geral. Além de ampliar o tempo produtivo, as TIC proporcionam novas formas de aprendizagem, incluindo recursos multimídia como áudio, vídeo e comunicação em tempo real (Neri de Souza & Moreira, 2009).

Apesar das necessárias revisões das práticas de ensino, Carvalho (2009) apura em suas investigações que muitos docentes continuam mais preocupados em transmitir grande quantidade de informações do que criar estratégias para que os alunos apliquem esses conhecimentos à prática. Esse modelo didático promove a passividade do aluno, cuja maior preocupação será reproduzir o conteúdo transmitido nos exames bimestrais, buscando apenas a aprovação. Somente ao iniciar a sua vida profissional é que irá perceber o hiato entre o conhecimento verificado na Universidade e as reais exigências da atividade profissional a que se habilita a exercer, e que nem sempre desenvolveu as competências essenciais para garantir um bom desempenho.

Com o modelo educacional centrado no aluno, o professor perde o protagonismo na ação de ensino e aprendizagem e passa a atuar como orientador de aprendizagens. Neste cenário, exige-se a revisão de posturas, pois o aluno deve ser autônomo, independente e responsável pela sua aprendizagem e co-responsável pela aprendizagem de seus pares. Ao mesmo tempo, o professor precisa rever suas estratégias de ensino, planejando e executando ações num ambiente favorável à aprendizagem ativa. A este planejamento voltado para o protagonismo do aluno na construção coletiva do conhecimento conceituamos como ensino ativo. A argumentação e o questionamento apresentam-se como competências estratégicas para promoção da aprendizagem nesta abordagem.

Ensino Ativo e Pensamento Crítico

O desenvolvimento do Pensamento Crítico é fundamental para a aprendizagem ativa. Em suas estratégias de ensino ativo, o professor deve buscar incluir o desenvolvimento desta competência como prioridade à aprendizagem, pois, é esta que irá conferir criticidade ao

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conhecimento, incentivando o estudante a construir conhecimento, abandonando a repetição de informações vazias e desconexas, uma vez que pensar criticamente é a competência de decidir racionalmente sobre quais ideias, informações ou argumentos devam ser admitidos ou rejeitados. As práticas transmissivas, tradicionalmente utilizadas nas escolas, não estimulam a criticidade. Quando a ação didática é centrada no professor não há estímulos para que os estudantes construam o conhecimento, tornando-se um mero receptor de informações. Estas informações descontextualizadas deverão ser reproduzidas em contextos avaliativos, cujo objetivo principal é a atribuição de notas (Tenreiro-Veira, 2004).

Contudo, tanto a formação do professor quanto a sua prática estão, atualmente voltadas para o desenvolvimento de habilidades e competências essenciais para que os estudantes instrumentalizem-se para viver, conviver e produzir conhecimento no cenário atual. Saavedra e Opfer (2012) destacam como essenciais ao ensino e a aprendizagem atual as seguintes habilidades: i) Pensamento Crítico e resolução de problemas, ii) colaboração e liderança, iii) agilidade e adaptabilidade, iv) iniciativa e empreendedorismo, v) comunicação oral e escrita, vi) acesso e análise de informações, vii) curiosidade e criatividade. Notadamente, estas capacidades são fundamentais não só no ambiente escolar e na aprendizagem, mas na vida (Vieira & Tenreiro-Veira, 2009). Portanto, na proposição de estratégias de ensino ativo, alinhado as propostas de aprendizagem ativa, é indispensável o exercício do Pensamento Crítico.

Apesar de investigado e exercitado desde a antiguidade por filósofos clássicos como Sócrates, Platão e Aristóteles, o pensamento crítico foi formalmente inserido na educação com maior ênfase somente após a década de 1980 (Fartura, 2007; Vieira, 2003), com grande repercussão na educação norte-americana. Ennis (1993), um dos mais influentes investigadores do tema, define Pensamento Crítico como a capacidade de refletir acerca de situações problemáticas com foco na decisão de em que acreditar ou como proceder. Percebe-se desta definição que o Pensamento Crítico vai além da mera elucubração teórica e volta-se para fundamentar posturas, atitudes e práticas, cuja base é a análise, a síntese e a avaliação do fato, contexto ou situação problema enfrentado.

A ação educacional voltada ao desenvolvimento do pensamento crítico propõe a transformação das estratégias do professor, que passa a ser um orientador de percursos de aprendizagem, e cujo centro de todo o processo de ensino e de aprendizagem passa a ser o estudante. Ao contrário do modelo tradicional, nesta abordagem o estudante não acredita em tudo que lhes é aprensentado e passivamente reproduz, repetindo as informações, sem

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verificar a sua veracidade, sem analisar o seu conteudo, sem comparar, classificar e avaliar as implicações de tal informação na resolução de problemas. Terneiro-Vieira e Vieira (2013) destacam que o espírito crítico é necessário ao desenvolvimento do Pensamento Crítico, apoiando-se nas seguintes ações: “procurar estar bem informado, utilizar e mencionar fontes credíveis, procurar razões, procurar alternativas, ter abertura de espírito e procurar tanta precisão quanta o assunto permitir” (p. 176). Relacionando as dimensões envolvidas na literacia científica, na literacia matemática e no Pensamento Crítico, estes autores propõem um quadro de referência do Pensamento Crítico, estabelecendo as ações enquanto expressões práticas dos processos e capacidades de pensamento. Fundamentado neste quadro de referência, e a partir da proposta de desenvolvimento do pensamento crítico sugerida por Loche (2010) sintetizamos no quadro 5 os indicadores práticos no desenvolvimento do Pensamento Crítico.

Quadro 5: Indicadores práticos para o desenvolvimento do Pensamento Crítico (Loche, 2010; Tenreiro-Veira & Vieira, 2013)

Indicador Ação

Identificação Identificar inferências e falácias.

Descrição Descrever a situação problema, explorando aspectos diversos.

Questionamento Formular perguntas para esclarecer o contexto, explorando múltiplas possibilidades do objeto de estudo.

Comparação Comparar situações e fatos, em busca de semelhanças e diferenças, verificando suas causas e implicações.

Classificação Classificar elementos de acordo com características estabelecidas. Generalização Fazer generalizações, respeitando os contextos.

Interpretação Atribuir significado a algo, enunciando sua representação no contexto estudado. Interpretar inferências e relacioná-las das evidências até as conclusões.

Explicação Tornar algo claro através da identificação de aspectos diversos.

Formular hipóteses; tirar conclusões (tendo em conta critérios como explicar a evidência, ser consistente com factos conhecidos, ser plausível e eliminar conclusões alternativas).

Argumentação Apresentar razões a respeito de uma situação polêmica, posicionando-se com fundamentos plausíveis diante de opiniões contrárias.

Estabelecer razões apropriadas (em virtude de normas epistemológicas); argumentar e contra-argumentar.

Análise Analisar argumentos; procurar diferentes pontos de vista e identificar as suas potencialidades e limitações; avaliar imparcialmente todos os pontos de vista; identificar assunções e avaliar a sua provável validade.

Síntese Combinar elementos diversos em um todo coerente e inteligível. Avaliação Capacidade de atribuir valores a partir de um critério de referência.

Avaliar razões (com base em princípios racionais); avaliar a credibilidade de uma fonte; fazer juízos de valor; avaliar o processo de pensamento (por exemplo: quanto bem foi um problema resolvido, quanto boa é uma decisão).

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Podemos compreender que a competência do Pensamento Crítico engloba uma série de outras competências, que nomeamos como competências instrumentais. Desta forma, construimos a imagem de que esta competência assemelha-se a um guarda-chuva, onde se alocam outras competências, formando o todo, conforme ilustrado na figura 02:

Fig. 02: Guarda-chuva do Pensamento Crítico

Portanto, dentre as inúmeras estratégias possíveis, o questionamento e a argumentação apresentam-se como alternativas para que o professor auxilie na construção dos percursos de aprendizagem, mobilizando os estudantes a construir o conhecimento através da discussão de situações-problema.

Questionamento como estratégia de aprendizagem

Inúmeros estudos têm sido publicados acerca do desenvolvimento da competência do Questionamento enquanto estratégia de ensino e aprendizagem. Nos estudos atuais, efetivamente após a década de 1990, o foco da análise recai sobre a perspectiva do aluno (Barros, 2008; Chin, Brown, & Bruce, 2002; Chin & Osborne, 2008; Pedrosa de Jesus, 1991).

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Contudo, o professor deve ser incluído na construção dessa prática, uma vez que são as estratégias idealizadas no planejamento de ensino que contemplarão ou não a inclusão da competência do questionamento enquanto estratégia para a aprendizagem ativa.

Na interação entre o professor e o aluno, bem como entre alunos, o questionamento se apresenta como estratégia para a construção de conhecimento. Neri de Souza (2006) explica que questionar é o ato de refletir para formular perguntas o que resulta em aprendizagem ativa. Quando questionamos estamos em busca de possíveis respostas para as nossas indagações, o que indica uma elaboração cognitiva mais elevada, o que exige treino e empenho especialmente quando implica mudar de hábitos e adotar novas posturas (Almeida & Neri de Souza, 2010; Ferreira, 2010). É uma competência cujo exercício está relacionado com o desenvolvimento concomitante do pensamento crítico e reflexão.

Além de estimular o estudante a pensar criticamente, a pergunta pode se tornar um excelente apoio ao professor, proporcionando aportes à reflexão sobre as condições de aprendizagem em que estes se situam. As perguntas servem, portanto, como elemento integrador dos intervenientes, estimulando professores e alunos a pensar, sentir e agir para transformar a ignorância pessoal em compreensão através das tarefas de aprendizagem (Baird, 2001; Pires, 2011). De acordo com Harisson (2004), é possível perceber o nível de aprendizagem através do questionamento, conduzido pelo professor num processo dialético.

Apesar do potencial enquanto estratégia de aprendizagem, as investigações de Pedrosa de Jesus, Neri de Souza, & Teixeira Dias (2003) demonstram que os professores exercitam equivocadamente a função comunicativa da pergunta, formulando 2 a 3 perguntas por minuto durante o período de uma aula. Essa prática além de sobrecarregar o aluno, perde a função pedagógica pois não prevê espaço para estimular a perguntar, muito menos a refletir sobre a formulação da pergunta. Moreira (2000) explica que usualmente, a proposição de perguntas em sala de aula tem geralmente a função de verificar o que este reteve das ‘verdades’ ensinadas, buscando-se respostas consideradas certas, que reproduzam o discurso proferido em longas narrativas. Embora perguntas feitas pelo professor dominem o discurso de sala de aula, os seus questionamentos nem sempre tem efeito positivo na reflexão do aluno, uma vez que há uma grande preocupação em acertar a resposta em detrimento do aprofundamento do nível cognitivo destas. Conforme Neri de Souza (2006) “Toda pergunta solicita uma reacção de resposta, por isso perguntar pode causar constrangimentos uma vez que obriga ao ouvinte a expressar uma resposta. Existe uma relação de "poder" entre quem pergunta e quem responde e vice-versa” (p. 91). Desta situação, resultam perguntas de baixo nível cognitivo e alunos

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silenciados pela pressão de emitir a resposta correta, em um tempo de espera de menos 3 segundos em média, seja para perguntar novamente, refazer a pergunta ou colocar uma nova pergunta (Edwards & Bowman, 1996; F. Neri de Souza & A Moreira, 2010; Rowe, 1986). Ocorre também que as eventuais perguntas dos alunos podem ser interpretadas pelos professores como uma afronta à sua autoridade, como teste ao seu conhecimento e como tentativa subversiva de sabotar a estratégia de ensino. Por se sentirem vulneráveis com as perguntas, acabam por inibir o comportamento questionador dos alunos (Barros, 2008). Edwards e Bowman (1996) defendem que além deste fator, contraditoriamente, os professores resistem a utilizar as perguntas como estratégia de ensino seja por consumir mais tempo, seja por temer perder a autoridade e o domínio do discurso. Apesar de formularem inúmeras perguntas, estas não são pensadas e planejadas previamente enquanto estratégias de estímulo ao pensamento. Como o ambiente de sala de aula nem sempre é adequado para a construção do conhecimento através das perguntas, os professores evitam a estratégia para não ter que promover uma mudança na cultura do grupo, o que não é um trabalho fácil.

Concordamos com Dillon (1988) que diagnostica o cenário escolar hostil às perguntas dos alunos. O planejamento da aula deveria prever um tempo para as perguntas dos alunos, desqualificando a crença generalizada entre os estudantes que o ato de perguntar demonstra ignorância, o que pode ser entendido como incapacidade de quem as formula. Quando não há um ambiente de confiança para exposição da dúvida, o estudante teme ser ridicularizado pelos colegas por apresentar dúvidas, e se o professor não reservar um tempo para o exercício da formulação de perguntas, estas nunca serão encaradas com naturalidade como uma estratégia de aprendizagem.

As perguntas do professor

Conforme Neri de Souza (2006), a investigação acerca das perguntas do professor teve o seu auge no período de 1980-1989, embora tenham sido investigadas desde 1912. Este autor cita Stevens (1912), cuja investigação apurou que os professores falam 64% do tempo de aula e formulam de 2 a 4 perguntas por minuto, aproximadamente 395 perguntas por dia. O grande número de perguntas formuladas pelos professores ocasiona: i) nervosismo do estudante, que se sente pressionado em responder corretamente e com rapidez à pergunta a si direcionada, ii) apatia do estudante, pois o trabalho ativo fica restrito ao professor, iii) desrespeito pelo ritmo

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de aprendizagem do estudante, nivelando-se o grupo em máximos ou mínimos de rendimento, iv) o feedback obtido resume-se à avaliação do nível de reprodução da informação que foi exposta, v) o estudante é pressionado a responder rapidamente às perguntas, sem tempo para aprofundar a informação ou discutir com os colegas, vi) ênfase ao ensino transmissivo, que não proporciona um ambiente criativo, favorável à participação do aluno.

O padrão de questionamento tem gradativamente evoluído, impulsionado por um modelo ensino centrado no aluno (Santos & Neri de Souza, 2013). As investigações atuais demonstram que as perguntas que os professores fazem – tanto em relação à quantidade de questões, quanto em relação ao seu nível cognitivo – irão influenciar o perfil de questionamento dos alunos. Ou seja, um professor que faz muitas perguntas de baixo nível cognitivo irá condicionar o estudante a permanecer neste nível de pensamento, não aprofundando suas questões. Já o professor que formula questões de nível cognitivo mais alto, incentiva o estudante a pensar criticamente, avançando nesta direção. Igualmente, o número de perguntas tende a ser menor quando há uma formulação de perguntas de nível cognitivo mais elevado (Almeida, 2010; Almeida & Neri de Souza, 2010).

As perguntas do professor podem servir como introdução a arte de perguntar que deve ser condutor do percurso de aprendizagem dos estudantes. A partir destas, os alunos irão mobilizar saberes para construir hipóteses que conduzam à apropriação de soluções ou solução do problema apresentado. Quando bem formuladas, as perguntas do professor podem despertar o interesse, estimular o raciocínio e promover a compreensão de conceitos (Schein & Coelho, 2006). É um convite à participação ativa nas discussões, oportunidade para envolvimento voluntário no processo de ensino e de aprendizagem. Çkamal (2009) enfatiza que as perguntas do professor devem auxiliar os estudantes na análise e reflexão acerca do próprio pensamento, além de motiva-los e oferecer um indicador das aprendizagens no momento da intervenção pedagógica. Dentre outras motivações para desenvolver as habilidades de questionamento com os estudantes, fazer perguntas bem elaboradas e adequadas em sala de aula desperta o interesse pelo tema, mobilizando-os para a aprendizagem ativa.

Apesar de ter consciência da necessidade de interferir para auxiliar no desenvolvimento do pensamento crítico e analítico do estudante, os professores têm muitas dificuldades de levar estes conceitos à prática. O quadro 5 sintetiza as reflexões de Cotton (1988), Edwards e Bowman (1996), Çakmal (2009), Dahlgren e Oberg (2001), Chin (2004) acerca de práticas e

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posturas adequadas para que o professor obtenha um efeito positivo ao formular perguntas aos estudantes em sala de aula:

Quadro 6: Práticas e posturas do Professor na formulação de perguntas em sala de aula

POSITIVAS