• Nenhum resultado encontrado

século XIX. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005, p 34.

PERÍODO MENCIONAM FILIAÇÃO MATERNA

% NÃO MENCIONAM FILIAÇÃO MATERNA % 1865 - 1870 93 58,860% 34 64,150% 1871 – 1875 40 25,316% 14 26,415% 1876 - 1880 9 5,696% 1 1,886% 1881 - 1885 5 3,164% 1 1,886% 1886 - 1890 3 1,898% 2 3,773% 1891 - 1895 8 5,063% 1 1,886% TOTAL 158 100% 53 100%

Fontes: AGJ/SE. Fundo EST/ C 2º OF., Caixas de nº 05, 432, 433, 434, 435, 436, 593, 594, 596, 597, 598, 599,

600, 602, 603, 618, 619, 633,779.

Diante dos dados observados nas tabelas 9 e 10, é importante retomarmos que, a partir da segunda metade do século XIX, as propostas legisladas para a infância pobre resumiram-se basicamente em tirá-la de sua suposta situação de desamparo por meio da educação elementar atrelada ao trabalho. Grande parte das ações voltadas para essas crianças propunha-se a encaminhá-las ao ensino primário, onde teriam acesso à instrução elementar e aprenderiam diversos ofícios, tornando-os capacitados para serem empregados pelo mercado de trabalho que se formava, garantindo a estes “pequenos adultos em miniatura”, um meio de sobrevivência. Era, pois, essa união entre ensino primário e a aprendizagem de um ofício, que as classes dirigentes consideravam enquanto “a ideal” a ser destinada à educação popular; vista pelas elites como imprescindível para civilizar e moralizar aquela camada social. de tal modo, se até antes da Lei Rio Branco, os infantes a quem se destinavam essa educação eram os desvalidos, abandonados nas Rodas dos Expostos das Casas de Misericórdia, e demais menores pertencentes à população desprovida, a partir de 1871, seriam inclusos nesse grupo, os ingênuos, ou seja, os ventres livres da nação.

Vistos enquanto um problema – afinal, se mesmo com os altos índices de mortalidade infantil, o contingente de menores carentes alcançavam índices alarmantes, imaginava-se como ficaria a situação após 1879, ano em que os senhores teriam que escolher entre entregar os filhos das escravas aos cuidados do Estado ou permanecer com os mesmos sob suas responsabilidades, de acordo com os incisos da Lei 2.040 –, a partir do ano de 1878, como pôde ser observados nos congressos agrícolas realizados naquele ano no Rio de Janeiro e em Recife, passariam a ser

percebidos enquanto uma das melhores soluções para o problema da carência da mão-de-obra, sobretudo, nas zonas rurais brasileiras. Assim sendo, no que diz respeito a “qual” atividade profissionalizante inserir os ditos menores, ficou claro nas fontes pesquisadas que, ao menos na cidade de Estância, a intenção era encaminhar o maior número possível daquelas crianças ao trabalho agrícola. Dessa forma, se sistematizada, esta prática proveria a tão discutida falta de braços para o cultivo, além de reduzir o contingente que tomava, cotidianamente, as ruas estancianas. Porquanto, um dos dispositivos legais mais utilizados foi o assoldadamento, no qual, somente os órfãos desprovidos de bem, poderiam ser submetidos.

Assim, até antes de 1850, eram poucas as pessoas na cidade de Estância que se apresentavam dispostas a praticar a “boa ação” de pegar menores a soldo, a partir da promulgação da Lei Eusébio de Queiros, esses números passam a crescer consideravelmente. Na verdade, esse método já era indicado nos escritos filipinos391, antes mesmo do século XIX, sendo

posto em prática no Brasil, principalmente, a partir do momento em que as casas de misericórdia começaram a ficar abarrotada com tantos órfãos, esperando-se que, através do assoldadamento, este contingente de menores abandonados nessas instituições diminuíssem. No entanto, as mesmas só ganharam ênfase no segundo período dos oitocentos, momento em que a proibição do tráfico intercontinental de escravos, corroborou para que a sociedade visualizasse a utilidade dessa prática.

Dentro desse contexto, autoridades policiais e judiciais passaram a atuar em conjunto, cabendo aos juízes de órfãos – a quem eram enviados os menores recolhidos nas ruas pelas forças policiais – decidir como melhor resolver a intricada questão da infância pobre e/ou culpabilizada. Outra das incumbências dado ao juizado veio com a Lei Rio Branco, a partir da qual passou a ser do encargo destes dar destino aos ingênuos da lei de 1871, cujos senhores optassem por sua entrega ao Estado Imperial, recebendo por esse uma indenização. Mediante a esse segundo prospecto, Papali (2003) afirma que a chamada Lei do Ventre Livre trouxe no seu bojo, muito mais que um simples sancionamento legal em relação à libertação do escravo. Em suas palavras:

Embora trouxesse cláusulas objetivas na questão relacionada à emancipação gradual, Papali evidencia que, a Lei nº 2.040 – como não poderia deixar de ser – dedicou muito da sua atenção ao filho da escrava, em como ficaria tal criança diante de uma realidade ambígua sobre sua pessoa. Um ano depois de promulgada (por ocasião de sua regulamentação) a pena da lei carregou suas tintas não só no filho da escrava, sugerindo

possibilidade de incidir-se sobre a geração futura, evidenciando preocupações com a descendência da senzala. Segundo a autora, se ao escravo ou libertando o texto da lei foi claro e buscou direcionar-se através de códigos modernos, primando pela orientação vinda do direito positivo, normatizando a mediação do poder público à revelia da “vontade do senhor”, em relação ao filho da escrava manteve-se apegado a fórmulas que remetiam ao costume e à manutenção de vínculos tutelares entre senhores e ingênuos. A lei concedeu ao senhor de escravo a primazia sobre a criação dos filhos das suas escravas, mantendo assim privilégios senhoriais e pessoais, distantes do caráter universalizante que deveria conter.392

De fato, um dos exemplos da afirmação acima fica evidente quando o assunto dizia respeito à tutela da criança escrava. Assim, de acordo com a da Lei nº 2.040, não seria vetado à mãe requerer a tutela de suas crianças e mesmo de consegui-la, desde que não tivesse maus costumes; acrescentando mais adiante que também eram considerados inabilitados, dentre outros, os “pobres”. Logo, não é difícil perceber que estes dois dispositivos foram os argumentos mais utilizados pelos que queriam retirar da mãe egressa do cativeiro – tanto no período escravista quanto no imediatamente posterior à abolição – a guarda de seus filhos. Eram, pois, recorrentes nas petições que iniciam os processos de tutorias frases que informam que a mãe do menor “não era casada”, que era “necessitada e sem domicílio certo”, que a mesma era “dona de hábitos reprováveis”, entre outros adjetivos do gênero.

Além do exposto, uma das observações mais evidentes na documentação avaliada, é o fato de dar ênfase se o pai do menor era vivo ou não, ou ainda, se possuía filiação paterna desconhecida, ou, no termo mais encontrado, “ignorada”. Quanto a pessoa da mãe, houve alguns processos em que a mesma, sequer era mencionada. Nesses casos, a leitura que efetuamos, na ausência desses nomes, foi de que a mãe fosse viva e, provavelmente, pertencente a camada considerada mais miserável da população. Foram essas, pois, uma das interpretações que procuramos pôr em evidência nas duas tabelas anteriores. Os dados delas – principalmente na que se refere a figura materna dos meninos e meninas assoldadados – refletem a situação feminina diante da tutela: sua importância na formação do infante não era negada, mas num momento em que tudo enfocava a produção, multiplicação e comercialização de bens, a administração destes se colocava como mais importante do que a educação e instrução formal do indivíduo. Gerenciar posses, portanto, era uma atividade masculina. Assim, por mais que a criança pobre não fosse igualmente provida de recursos financeiros que um órfão rico, a mulher não saberia administrar os gastos com a aprendizagem do mesmo, principalmente se esta fosse cativa.

Do mesmo modo, se as Ordenações Filipinas já procuravam limitar as ações femininas – mesmo aquelas dotadas de bens –, mesmo quando da criação dos seus filhos; à mãe egressa do escravismo foram criadas inúmeras outras possibilidades mais, a fim de que se pudesse dificultar que as mesmas criassem seus filhos. Assim sendo, observamos que a garantia e a manutenção do trabalhador menor de idade pôde ser feita tanto por vias ilegais (como por meio da venda isolada de mães e pais escravos, separando-os e gerando menores órfãos), quanto legais (pelo assoldadamento, por exemplo). Guimarães (1998) ainda chama nossa atenção para o Aviso 312, de 20 de outubro de 1859, segundo o qual:

Declara que a menor, filha de pai incognito, e que tem mãi viva, he orphã em face das Leis do Paiz”, cujo texto, mais adiante, é explícito e categórico ao afirmar que “negando as nossas Leis expressamente o pátrio poder ás mãis, o filho de pai incognito acha-se comprehendido na jurisdição orphanologica e conseguintemente debaixo da inspecção direta do Juiz de Orphãos que pode nomear-lhe tutor ou curador, quando sua mãi não tenha bons costumes, dando-o até soldada à símile dos outros Orphãos e dos expostos.393

Vale ressaltar, que este texto era extensivo às mães em geral, não se constituindo numa particularidade da mãe cativa. Todavia, com relação à maternidade escrava, o Aviso 312 permite- nos interpretar por suas entrelinhas que, quanto à Lei de 1871, se ela assegurou à mãe alforriada, nos seus inscritos textuais, o direito de fazer-se acompanhar por seus filhos menores de oito anos, as Leis do Império em seu bojo, aliada a prática jurídica, quase sempre removeu dela este direito. Assim, o poder judiciário passa a estender sua ação e autoridade a propósito da infância desvalida, funcionando por meio das normas, para as quais dois mecanismos de controle se concretizaram como sustentáculos fundamentais na resolução das demandas daquele contexto: a tutela e o contrato de soldada.

Sobre adentrar no campo das legislações do Brasil, Zero (2004) lembra que – principalmente no que se refere ao direito no século XIX – significa entranhar-se em um campo torneado por contradições. Nesse momento, as relações de interesses eram ratificadas na colisão lícita que existia entre a alegação legitimada da liberdade e a deferência à propriedade privada. Por isso nos deparamos com disparidades e divergências nas interpretações arroladas às leituras, assim como no emprego do código jurídico nesse tempo.394 Porquanto, Pena (2001) acrescenta

393 COLEÇÂO de Decisões do Governo do Império do Brasil, 1859. Tomo XXII. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, apud GUIMARÃES, Elione Silva. “Cotidiano, Criminalidade e conflito nas relações entre senhores e escravos no município de Juiz de Fora, 1830-1888”. In: Revista Justiça & História. Rio Grande do Sul. Publicação do Memorial do Judiciário do Rio Grande do Sul - VOL. 5 - Nº 9. 1998, p. 79. Grifo meu.

que as disposições do jurisconsulto relacionavam-se diretamente com a apreensão latente em conservar a segurança política, bem como a bonança econômica do país, pois o direito na sociedade escravocrata constituía um importante veículo para a preeminência da hierarquia dominante, sendo o aparelho legal moldado em consonância com os interesses dos senhores de escravos.395

Carvalho (1996), igualmente, destaca que as elites políticas do Estado eram dúbias em sua cátedra representativa dos domínios agroexportadores. Aborda que nem ao menos os magistrados eram autênticos representantes das classes populares. No entanto, o autor observa que seria destituída de razão a compreensão de um Estado desvinculado das instâncias dos âmbitos da exportação que garantiam 70% da arrecadação das rendas da administração pública. Desse modo, disposições e acordos eram imprescindíveis no gerenciamento da ordem da nação.396

Segundo Grinbeg (2002), não havia consonância a respeito da própria idéia de direitos outorgados; do conceito de cidadania; assim como dos limites do direito de propriedade. Igualmente, essas questões estavam longe de serem deliberadas, uma vez que “(...) o processo era longo e lento e só estaria resolvido quando o Código Civil, única garantia real dos direitos do cidadão, pudesse ser escrito” 397. Nesse sentido, ressaltemos que, até aquele momento, as leis

brasileiras pautavam-se nas Ordenações Filipinas398, conservação do direito clássico, dada a

magnitude de seus códigos e as muitas explanações provenientes dessa particularidade. Nessa acepção, “a dificuldade da idéia de emancipação gradual era justamente a de ter que legislar em uma esfera onde a lei não penetrava. Essa era uma tensão inerente à escravidão”.399

De tal modo, nessa coletividade onde coexistiam escravos e cidadãos, discorrer sobre cidadania era um dilema, como afirmou Grinberg (2002), porque havia habitantes que mesmo tendo nascido no país não podiam ser considerados sujeitos de direito, porque não eram

395 PENA, 2001 apud ZERO; op. cit., p.44-45.

396Cf.CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial; teatro de sombras: a

política imperial. 2a Ed. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ/ Relume-Dumará, 1996, p.103.

397 Cf.GRINBERG, Keila. O fiador dos brasileiros. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p.87.

398 A partir da independência, o Brasil buscou constituir-se como Nação, procurando instituir um código criminal, conseguindo formular somente o Código Criminal em 1830. O jurista Teixeira de Freitas incitou a construção do código civil, contudo não o terminou, legando à nação somente o seu “esboço”. A partir de1873, Nabuco de Araújo foi incubido pelo governo imperial de dar conta da formulação do referido código, também inacabado. O Código Civil Brasileiro só foi sancionado em 1916, tendo como finalizador o jurista Clóvis Bevilaqua. Cf. PAPALI; op.cit., p. 31-32.

componentes da sociedade. Mais do que isso, “havia habitantes no país que não podiam ser cidadãos porque, mesmo sendo brasileiros, eram propriedades de outros brasileiros”.400 Nesse

contexto, ponderar sobre normas políticas aludia a certas restrições, mesmo naqueles países onde a cidadania era apregoada como sendo um direito comum a todos os sujeitos, ainda que não o fosse.

Não havia consenso do que era ser brasileiro e do que era ser cidadão brasileiro nessa sociedade composta de livres, escravos, nacionais e estrangeiros. Os escravos estavam sujeitos a todas as leis penais e criminais, da mesma forma que estavam protegidos pelas mesmas leis para vingar seus direitos, e conservar sua existência. Entretanto, apesar de caberem aos escravos certa responsabilidade legal e prerrogativas jurídicas, não deixavam de ser considerados por direito civil como “coisas”, propriedade de alguém.401

Em meio a esse contexto, a situação de imprecisão originada com a Lei do Ventre Livre, torna-se ainda mais manifesta se ressaltarmos que, de acordo com as Ordenações Filipinas, a todos os menores órfãos de pai seriam dados tutores ou curadores. Assim, lembremo-nos das dificuldades com as quais os escravos se deparavam para constituir uma família, sendo muito mais difícil a sustentação desta. Essa realidade colaborou, pois, para a existência de muitos órfãos desprovidos de bens nesse período, a maioria deles, dados a soldada.

Em Estância, após os dados analisados, dos 211 processos referentes a assoldadamento, percebemos que sempre, do período de 1865 a 1895, prevaleceu um número maior de meninos do que de meninas, como podemos observar na tabela 11.

TABELA 11

DISTRIBUIÇÃO DOS ASSOLDADADOS, DE ACORDO COM O SEXO.