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século XIX. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005, p 34.

QUANTIDADE DE PROCESSOS LOCALIZADOS EM ESTÂNCIA SOBRE

TUTELA E ASSOLDADAMENTO. (1865-1895)

ANO Quantidade de processos

1865 5 1866 37 1867 18 1868 15 1869 36 1870 16 1871 23 1872 14 1873 5 1874 9 1875 3 1876 2 1877 - 1878 6 1879 1 1880 1 1881 - 1882 2 1883 3 1884 - 1885 1 1886 1 1887 - 1888 2 1889 2 1890 - 1891 - 1892 5 1893 - 1894 - 1895 4 TOTAL 211

Fonte: AGJ/SE; Fundo EST/ 2o OF., Caixas de nº 05, 432, 433, 434, 435, 436, 593, 594, 596, 597, 598, 599, 600, 602, 603, 618, 619, 633,779.

Conforme podemos perceber na tabela acima, embora o número de processos datados dos anos após a instituição da Lei do Ventre Livre seja considerável – 84 processos localizados entre os anos de 1871-1895, totalizando 39,81% do total –, o quantitativo anterior à instituição desta lei soma mais que o dobro do valor de processos localizados após a promulgação desta: 127 processos, o equivalente a 60,18% do total, que perfizeram 211 processos.

Igualmente, a relação apresentada, nos permite afirmar que, embora essa localidade tenha registrado um grande número de senhores adeptos ao trabalho escravo até os últimos instantes da abolição definitiva da escravatura, é possível verificarmos que muitos senhores preferiram aderir à mão-de-obra infantil, antes mesmo do advento da Lei nº 2.040 porque, para estes, principalmente, aqueles que eram possuidores de “pequenos roçados” – ou seja, que tinham como meio de renda a agricultura de subsistência – era menos dispendioso assoldadar um menor do que manter crianças na condição de escravas. Ressaltemos ainda que, conforme pudemos verificar anteriormente, eram raros na Província de Sergipe os proprietários de um grande número de escravos, sendo maior o predomínio de pequenos patenteados.

Destarte, além da quantidade expressiva de menores que foram assoldadados antes de 1871, consideremos também o significativo contingente de processos localizados no AGJ/SE,

datados de períodos posteriores à Lei do Ventre Livre. A junção de todos esses documentos judiciais – ainda que em sua maioria, as informações existentes não conseguissem responder a todas as nossas angústias, nos deixando curiosos quanto ao conhecimento de todo o desenvolvimento processual – permitiu-nos chegar a algumas conclusões sobre assoldadadores e assoldadados.

3. 2- Menores em risco social e as “pessoas de hábitos não reprováveis”: tipologia do assoldadados e dos assoldadadores.

Nesse fragmento da dissertação, faremos uma exposição de outros dados – além dos já mencionados – referentes à tipologia dos menores tomados à soldo e seus assoldadadores, em Estância na segunda metade do século XIX, de forma que possamos compreender melhor um pouco mais da infância delineada no entorno das práticas de assoldadamento, nessa localidade.

Assim, na documentação analisada, um dos fatos que mais nos chamou atenção à primeira vista, logo que manuseamos a documentação, é a forma como o nome dos menores assoldadados costuma aparecer na documentação: quase sempre só o primeiro nome, quase nunca o sobrenome, fossem meninos ou meninas. Fato que pode ser um indicativo da concepção de

infância nesse momento.

Desse modo, em alguns processos cuja tipologia se apresentava como “autos de assoldadamento”, por exemplo – uma das documentações mais completas referentes à prática do soldo –, encontrar documentos onde o nome do menor aparecesse sozinho no início da ação processual e, no momento final dessa – normalmente, quando o órfão arrolado aparece requerendo as soldadas depositadas no Cofre dos Órfãos, durante o período em que este esteve na condição de menor assoldadado – aparecesse completo, era algo comum. Ocorrências para as quais acreditamos que a explicação residisse no fato do status que o nome completo poderia atribuir a um sujeito naquele contexto social – uma acuidade a que muitas crianças precisariam, derradeiramente, contrair a maioridade para, só então, impetrar seu patrimônio patronímico por inteiro.

Ainda quanto à maneira como o nome dos menores costuma aparecer nas fontes analisadas, percebemos que, em algumas ações judiciais, o nome do órfão vem acompanhado da expressão “de Tal”. Aliás, essa foi uma pertinência observada não apenas quando relacionada aos

menores, como também no nome da genitora e, em alguns casos, também do pai destes. Nesse sentido, avaliando os escritos documentais em toda a sua conjuntura, passamos a supor que a denominação “de Tal” pudesse ser indicativa da condição social, sobretudo, econômica do sujeito em questão. Assim, fomos capazes de verificar que os nomes das mulheres, por exemplo, apenas costumavam aparecer completos ou quando estas se configuravam enquanto assoldadadora do menor, ou quando a mesma, ainda que não sendo responsável pelo soldo, possuía – antes da ausência do marido – uma condição social mais favorável, tendo sua qualidade de vida decaído com a morte do esposo. O mesmo pôde ser observado no caso do nome dos menores. Consideremos, deste modo, o processo do menor José Antônio, assoldadado aos 12 anos de idade por Sabino Carvalho d’Oliveira, por um período de três anos a 2$000 mensais. Nessa documentação, além do nome do menor aparecer isolado, o nome dos seus pais aparece como: filho de Anna de Tal com o falecido José Francisco.381 Embora, só constem esses dados na

documentação, cremos que o patrimônio patronímico desses indivíduos apareça desta maneira, uma vez que os mesmos pertencessem à camada miserável da população.

Outro processo que deixa nossa hipótese mais clara é o concernente a menor Josepha, assoldadada pelo lavrador Pedro José de Mello, quando esta possuía 17 anos de idade. Nesse documento, além do nome da menina aparecer isolado, a mesma é adjetivada por “escravinha” – ocorrência que nos ajudou a pressupor a etnia da menina, qual seja, negra –, o nome de sua mãe aparece como “Hermenegilda de Tal, de costumes reprovados”.382 Já na ação judicial do menor

José, assoldadado por Procópio Ferreira da Silva, aos 10 anos de idade, durante um período de 5 anos, embora seu nome apareça avulso – condição a que atribuímos ao fato dele ser criança –, os nomes dos seus pais aparecem completos: filho de Martha Maria do Sacramento com o falecido Galdino Moreira – situação que nos dá uma idéia de qual fosse a condição social da família do menor, ao menos, antes que sua genitora se tornasse viúva.383

381 AGJ/SE. Fundo: EST/C.2º OF. Série: Cível. Subsérie: Ação de Tutela. N◦ da Caixa: 433. Período: 1866 - 1869. Pacotilha do período 1866-1867. Tipologia: Autuação de termo de assoldadamento de órfão. Data do documento: 25/10/1867.

382 AGJ/SE. Fundo: EST/ C. 2º OF. Série Cível. Subsérie: Justificação Cível/ Caixa 11. N◦ Geral: 600. Período: 1860-1900. Tipologia: Autuação de um Auto de Assoldadamento. Data da documentação: 18/08/1888.

383 AGJ/SE. Fundo: EST/C.2º OF. Série: Cível. Subsérie: Ação de Tutela. Caixa 432. Tipologia: Autoação de um termo de entrega de menor. Data do documento: 21/08/1866.

Outrossim, outro documento em que o nome da mãe do menor e o dele aparecem completos e sem a denominação “de Tal”, foi o do menor Cyrillo João da Coroa384, 15 anos, filho

de Domingas do Espírito Santo. Neste caso, não consta o nome do pai nem o ofício a ser aprendido pelo rapazote, apenas que ele foi assoldadado por um período de três anos, por José Francisco de Mendonça.385 Nesse caso, as únicas informações que possuímos são as já

mencionadas, todavia, a ausência do nome do pai do menor no processo não indica, necessariamente, que Cyrillo seja fruto de um ‘romance efêmero’, do qual o pai tenha preferido permanecer no anonimato. Cremos que o fato dos nomes da mãe e do menino assoldadado aparecerem completos, indicam um certo ‘grau de consideração’ para com ambos, ou seja, um certo grau de respeito que não é observado quando as mães se tratavam, por exemplo, de prostitutas, escravas, libertas ou, no caso das crianças, ingênuos, ou desvalidos da sorte.

Ainda com relação ao patrimônio patronímico – antes de adentrarmos em outras características inerentes aos menores tomados a soldo – aproveitamos o ensejo para destacar a idéia do quanto era confuso quando, da análise da documentação, ocorria de nos depararmos com processos de menores (a maioria deles), nos quais só aparecia o primeiro nome do menor e, no meio de um mesmo documento, constava o nome desse mesmo órfão, mas com dados referentes à nomenclatura do assoldadador, ou dos pais desses, por exemplo, alterados como já mencionamos algumas vezes no decorrer dessa dissertação. Ou ainda, o menor aparece com um outro nome, mas o assoldadador e o nome de seus pais aparecem do mesmo jeito ou com pequenas alterações, por exemplo: o nome da mãe que no início aparece com a expressão “de Tal” e, na justificação para emancipação o nome da dita cuja aparece completo sem a dita 384 Em Alencastro, somos informados que a escolha dos nomes dos menores e, até mesmo, a troca de nomes de batismo, foram influenciados de acordo com os acontecimentos históricos do contexto, por exemplo, após a Independência do Brasil, a escolha dos nomes teriam sido influenciadas por um movimento lusófobo e nativista que assolou o Brasil daqueles tempos. No sobrenome de Cyrillo “da Coroa” é possível verificar a influencia destes movimentos. Os nomes e os sobrenomes também podiam ser designados de acordo com o santo do dia do nascimento, bem como a escolha do padrinho e madrinha de batismo, que muitas vezes eram santos. Segundo o autor, “já na década de 1880, num quadro bem diferente – na cidade de São Paulo, onde despontava a vaga de imigração européia –, Ina Von Binzer trata do mesmo assunto, numa de suas cartas para Alemanha. Depois de ironizar a mistura de nomes, a penca de sobrenomes, a batelada de apelidos e a facilidade com que se trocava o patronímico, ela fica indignada com a denúncia de um jornal alemão de São Paulo: ao ser preso na cidade, um vigarista brasileiro afirmou chamar-se João Leão Bismarck! Se o imperador tolerava os ‘pseudos’ Pedro de Alcântara que corriam as ruas e os barões do Império deixavam seus ex-escravos adotarem seus nomes, tudo bem, era problema dos brasileiros. Mas Ina pensava que o governo alemão deveria reagir, proibindo o uso dos grandes nomes do seu país em nossas plagas. Ao contrário do que escrevia a perspicaz governanta alemã, nem sempre a classe dominante manifestava olímpica indiferença sobre as homenagens que incidiam sobre seu patrimônio patronímico”. Cf. ALENCASTRO, op.cit., p. 53-59.

385 AGJ/SE. Fundo: EST/C.2º OF. Série: Cível. Subsérie: Ação de Tutela. N◦ da Caixa 432. Tipologia: Autoação de um termo de entrega de menor Cyrillo João da Coroa. Data: 21/08/1866.

expressão. Foram situações como esta que, muitas vezes, representaram verdadeiros obstáculos à pesquisa e ao tempo estabelecido para sua conclusão, uma vez que se fazia necessário interromper as pesquisas nos processos referentes ao assoldadamento de menores, e recorrer a outras fontes que pudessem tirar nossas dúvidas quanto aquele processo em questão – e não foram raras as vezes que nos encontramos com processos com essas características, diga-se de passagem.

Sobre a questão da nomenclatura, Luiz Felipe de Alencastro informa que o estoque reduzido de nomes portugueses usados no Império levava à troca de nomes e de sobrenomes, prática relativamente corrente e fácil de ser realizada. De acordo com o autor :

Conforme a tradição portuguesa, não havia no Império nenhuma lei civil fixando normas a respeito da matéria. Qualquer um podia batizar seus filhos com os nomes da mãe ou dos avós. Irmãos tinham à vezes sobrenomes diferentes e as mulheres não adotavam os nomes dos maridos. Também parecia relativamente fácil trocar de sobrenome. Prática derivada da circunstância de haver um estoque reduzido de prenomes tradicionais portugueses, e do raro hábito de se anexar “Filho”, “Júnior” ou “Neto” aos sobrenomes. As regras atualmente em vigor nessa matéria só foram fixadas em nosso país pelo Código Civil de 1916. [...] De todo modo, o troca-troca de nomes parece ter sido pautado pela evolução das diferentes camadas sociais. 386

Nestas situações, descobrir quando se tratava apenas de uma questão de identidade dos sujeitos envolvidos no processo ou se dizia respeito a uma mistura/ confusão na documentação, somente era possível após a leitura de todo o processo – quando esta era possível – a partir do momento em que verificávamos a semelhança de todo um contexto, havendo mudança apenas no nome de algum dos autores. Houve processos em que essa dúvida se fez, ou melhor, se faz, presente até hoje, uma vez que a documentação completa não estava disponível. Muitas vezes, tal descoberta só era possível na leitura das justificativas de emancipação dos ditos menores, quando o nome destes aparece inteiro e, algumas vezes, no histórico constava que o mesmo havia mudado de assoldadador, ou que este – o assoldadador – havia modificado seu nome, explicações plausíveis para a modificação da nomenclatura com a qual havíamos nos deparado no contato inicial com o documento.

Destarte, dentro dessa realidade, também foi possível observarmos que, no que diz respeito à filiação paterna dos menores arrolados a soldo, seja por razão de óbito, seja por

386 ALENCASTRO, L. F. de. História da vida privada no Brasil: Império. Coordenador-geral da coleção Fernando A. Novais. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 55.

ausência da pessoa física ocasionada por abandono ou qualquer outro motivo, em todos os 211 documentos, ou seja, em 100% deles, os menores eram órfãos de pai, razão sine qua non para que o menor pudesse ser tutelado e posto à soldada – pelo menos para que a ação pudesse ser concretizada. Nesse sentido, observemos o quadro abaixo, representativo desses dados.

TABELA 9

FILIAÇÃO PATERNA DOS MENORES POSTO À SOLDO NA CIDADE DE ESTÂNCIA/