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A projeção é um dos mecanismos pensados por Sigmund Freud. As representações criadas a partir das perceções, tanto internas como externas, são para o autor a formação de um corpo fantasioso que levará ao imaginário. Estas fantasias, segundo o mesmo autor, obedecem a uma idêntica dinâmica de interação aquando do processo de aperceção (Pinto, 2014).

O conceito de projeção desenvolvido por Freud (1911/1969) aparece quando estuda a biografia de Schreber – Memorias de um Doente dos Nervos (1903); contudo, é com o seu livro

Totem e Tabu que o conceito ganha um novo contorno. Num primeiro momento, Freud

considerou a projeção um fenómeno que se estreitava somente ao deslocamento de sentimentos hostis em relação a outra pessoa, onde a produção dos sintomas de paranoia que advinha da perceção interna reprimida levava à substituição do seu próprio conteúdo (mecanismo primário) após sofrer uma deformação mental/psíquica que surgia na consciência como perceção advinda exteriormente. Mais tarde, Freud reafirma que a projeção é também ela fantasia, isto é, que o psiquismo elaboraria internamente fantasias que deveriam ser colocadas externamente. Assim sendo, do interno passaria também para o externo e não somente o externo levaria ao interno (psicopatologia). Este movimento passou a ser então a essência da projeção, o «deslocamento para fora» (Pinto, 2014).

Posto isto, o conceito de projeção começa a ser observado, sentido e estudado não somente como uma expulsão dos sintomas paranoicos, mas no interior da vida quotidiana, levando a que o lado desconhecido do próprio ser humano fosse também ele revisitado e representado através de desejos e emoções que não são aceites ou que habitam o inconsciente e cuja existência o mesmo atribui à realidade externa. Ao não elevar a projeção somente à

psicopatologia, foi possível que o conceito abarcasse também processos psíquicos primários sobre o mundo externo, como o animismo, o pensamento mágico e a omnipotência de ideias, levando à expressão e à elaboração de conflitos.

As fantasias são elementos projetivos muito fortes na medida em que estão amplamente carregadas ou de afetos negativos e inconscientes – mito dos demónios e fantasmas – ou, por outro lado, de afetos positivos, benéficos e bondosos – mito de deuses, anjos e entidades protetoras. É com base nesta dualidade fantasiosa e de projeção que Freud (1913/1969) vem então abordar o conceito de projeção como mecanismo de defesa e processo de libertação de modo a solucionar conflitos enquanto projeção inconsciente. Todavia, Freud percebeu que, por vezes, as fantasias projetadas externamente poderiam também elas ser conscientes e não somente um meio de defesa, não existindo conflitos, passando a projeção a ser não somente advinda de perceções sensoriais, mas sim de sentimentos, ideias e emoções consideradas positivas e valorizadas, e, até mesmo, conscientes (idem).

Segundo Lapalanche e Pontalis, (1967) a projeção é um movimento mental e interno inconsciente no qual o sujeito expulsa para fora de si colocando no outro, pessoa ou coisa, qualidades, sentimentos e desejos que não reconhece ou recusa.

A situação projetiva solicita condutas que se aparentam com os fenómenos transitivos descritos por Winnicott (1971/1975), o objeto transitivo real investido de significados subjetivos pela criança que inscreve a área transitiva de espaço potencial, o caminho entre o real e o imaginário cujo acesso pressupõe a aceitação do paradoxo de dupla pertença entre o dentro e o fora e que permite o sentimento de continuidade do ser, de um espaço psíquico próprio, no qual têm origem os processos de mentalização.

Assim, a projeção é o apelo ao duplo modo de funcionamento: a referência ao real constituído pelo material da imagem e pelo recurso ao imaginário, no despertar dos mecanismos projetivos.

Segundo Frank (1939), as técnicas projetivas permitem apreender aspetos latentes e/ou encobertos da personalidade pelo facto de serem inconscientes. Desta forma, a sua utilização permite o livre acesso a um mundo de significados, sentidos, sentimentos e padrões individuais, revelando do próprio o que ele não pode ou não quer expressar. Esta não expressão evidencia que o sujeito não tem consciência de si, não tem um conhecimento pleno destas esferas e dimensões de si mesmo.

Anzieu em 1988 atribui três conceptualizações diferentes ao conceito de projeção, podendo estas surgir isoladamente ou de forma conjunta, nomeadamente, a projeção especular; a projeção complementar e a projeção catártica.

No que diz respeito à primeira, a projeção especular é processada como se o sujeito estivesse perante um espelho, ou seja, refletindo as suas características e reconhecendo-as como suas. No segundo conceito, a projeção complementar ocorre sempre que a causa é atribuída como externa, servindo esta como justificação para as características pessoais do sujeito. Por fim, na última conceptualização, a catártica, a projeção é entendida como uma expulsão de características intoleráveis, quando a pessoa não reconhece determinados sentimentos e ideias como sendo do próprio e atribui uma origem externa. O mesmo autor reintegra, que os métodos projetivos são uma fonte de informação sobre um determinado individuo, na medida em que através da sua visão face a estímulos ambíguos algo é obtido, sobretudo porque as experiências prévias influem nas perceções e estas, por sua vez, na produção de fantasias criadas por esses mesmos estímulos (Anzieu, 1988). É uma espécie de leitura psíquica onde determinada criação acaba por ser uma amostra válida e confiável do sujeito. Vários são os exemplos sobre o tema: manchas do teste de Rorschach, o rabiscar de um desenho com as chamadas técnicas gráficas, ou ainda o relato de uma história nos testes temáticos. O estímulo Rorschach enquanto imagem e objeto real veicula a emergência da palavra a partir da realidade material. A questão acerca do que poderia ver aqui permite um apego ao real e o apelo à perceção enquanto objeto potencial imaginado (Chabert, 1999).

Quando se observa e analisa um objeto estético é necessário ter em consideração duas situações: o mesmo possui características atribuídas por quem observa – projeções – e, ao mesmo tempo, características que são específicas da própria obra de arte. Neste sentido, segundo Fróis, Marques & Gonçalves (2011) o processo criativo e a perceção artística envolvem um trabalho psíquico que até então continua sempre em aberto, isto é, por resolver.

Assim, o processo complexo e de transformação de uma obra de arte por parte de um observador quando interpreta a tela, transformando-a e dando-lhe um significado, é uma obra da mente do espectador (Fróis, 2011). A mente e a arte estão intimamente conectadas, sendo que, a arte potencia e permite o desenvolvimento de competências dos indivíduos (Fróis, White & Silva, 2013).

Para além do vínculo existente entre a obra, o seu criador e os seus aspetos mais subjetivos, do ponto de vista formal a cor poderá ser um veículo de projeções por parte de quem fruiu a obra, isto é, a cor enquanto elemento pictórico pode ser usada como suporte para captar a projeção de sentimentos, emoções e ideias, uma vez que é um elemento fortemente simbólico e que pode mobilizar ou levar à expressão de emoções e/ou afetos (Rosa, 2009).

Hammer (1969) enuncia que os próprios pintores são os primeiros a reconhecer que, ao retratarem o mundo exterior, o seu mundo interno é expressado na subjetividade que a própria obra inscreve, razão pela qual em cada pintura há um pintor e um pintado, uma vez que existe uma vinculação entre o retrato e o seu pintor, entre a obra e o seu criador.