• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1 – REVISÃO DA BIBLIOGRAFIA

1.7 Perceções sociais do risco

1.7.5 Perceções de risco

Todos os dias, quando se abrem os jornais ou se ouvem as notícias, somos confrontados com informações que nos lembram os perigos que corremos. Esta informação chega-nos através da comunicação social, onde o risco vende jornais e faz subir audiências, e através de avisos de risco nos mais diversos objetos de consumo.

O aquecimento global possui todas as características das questões que são complicadas de entender. É uma questão complexa caracterizada por uma incerteza substancial (Halford e Sheehan, 1991; Levy-Leboyer e Duran, 1991; Kempton, 1993; Berk e Schulman, 1995). A complexidade e a incerteza associadas à temática podem mesmo afetar as tomadas de decisão (Nord-haus 1994). As alterações climáticas globais estão muito distantes da experiência direta. As variações de temperatura e de precipitação e os extremos climáticos de vários tipos podem ser experienciados, mas o aquecimento global não proporciona uma experiência sensorial direta. O conceito de aquecimento global da população vem de uma mistura de dados experimentais e de modelos “mentais” e “culturais” existentes (Kempton, 1991, 1993; Bostrom et al., 1994, Kempton et al., 1995).

Quando no dia-a-dia nos confrontamos com decisões desde as mais corriqueiras até às mais íntimas somos obrigados a fazer alguma avaliação de riscos. Não as fazemos da forma como os técnicos de saúde ou ambientais as concebem. Não as baseamos em informação credível e isenta,

58

nem são feitas ponderando friamente as vantagens e os inconvenientes de cada opção. Mas em poucos momentos tomamos decisões que poderão ser muito importantes para o nosso futuro, recorrendo a uma forma de fazer estimativas de risco, designadas por perceção de riscos.

De acordo com Lima (2005) por “perceção de risco” entende-se a forma como os não especialistas (referidos frequentemente como leigos ou público) pensam sobre o risco, e refere-se à avaliação subjetiva do grau de ameaça potencial de um determinado acontecimento ou atividade.

A perceção de risco inclui sempre três aspetos. Refere-se sempre a uma fonte de risco: uma tecnologia; uma atividade ou um acontecimento. Em segundo lugar inclui sempre uma dimensão de incerteza e por isso, muitas vezes está associado a uma avaliação de probabilidades de ocorrência do evento. E por fim, compreende sempre uma avaliação do valor das perdas potenciais, o que indica a sua gravidade. Estas avaliações são feitas em função das experiências e das representações dos indivíduos e por isso compreendem um conjunto de crenças e valores que dão significado ao acontecimento ameaçador (Pidgeon et al., 1992).

Como se acrescenta perceção à palavra risco, fica de algum modo implícito que o risco existe, de uma forma mais objetiva, para além da forma como é percebido. E há, de facto, uma outra área de investigação conhecida por “avaliação do risco” na qual as ciências naturais têm desenvolvido instrumentos e modelos para determinar os níveis de risco objetivo a que um indivíduo se encontra sujeito. Assim, risco percebido e perceção de risco referem-se à perspetiva dos leigos sobre o risco e que é estudada pelas ciências sociais, enquanto o risco objetivo e a avaliação de risco se referem às características dos acontecimentos e são estudadas pelas ciências naturais.

O problema é que frequentemente, os resultados da avaliação dos riscos são completamente diferentes dos da perceção do risco. Trata-se portanto, de casos em que há uma grande diferença entre o chamado risco objetivo e o risco subjetivo: nos primeiros casos os leigos, em comparação com os especialistas, sobreavaliam o risco, e nos segundos casos subavaliam-no.

A abordagem psicossociológica (Moscovici, 1984) caracteriza-se por fazer mediar a relação eu- objeto pela relação eu-outro. Aplicada às questões do risco, isto significa que a abordagem da psicologia social contextualiza as perceções do risco no quadro da relação do avaliador com o alvo da avaliação. Helene Joffe (1999) salienta isto muito claramente ao descrever como uma resposta comum ao risco a referência a um “outro”: “isso não me acontece a mim” (só acontece aos outros, portanto); “a culpa do acontecimento de risco é de alguém de outro grupo” (e não do meu grupo, portanto); ou “eu estou menos em risco do que os outros”.

Como entender a diferença de associação entre a identidade social e a perceção de riscos? A interpretação que fazemos remete-nos para o valor de risco para o grupo (Lima, 2003). Quando o risco tem um valor de ameaça para o grupo (como é o caso dos tremores de terra ou da poluição) encontramos correlações negativas entre identidade social e perceção do risco: isto é, o grupo funciona como um escudo protetor, e deste modo ele mantém a sua segurança e a sua identidade social positiva. Quando o risco pode ser conotado positivamente, encontramos nos indivíduos mais identificados com o grupo uma sobrevalorização do risco percebido, como uma forma de valorizar o seu grupo comparativamente com outros.

Principais Factores Intervenientes na Percepção Social do Risco

A literatura sobre a percepção social de riscos naturais e tecnológicos é relativamente abundante e tem conhecido, ao longo dos últimos anos, um aumento significativo, sobretudo no que se refere à forma como as diversas percepções sociais são (ou não) integradas em processos de tomada de decisão e em medidas associadas à prevenção, mitigação e eliminação dos riscos (e.g. White et al., 2001; Lima, 2004). A tal crescimento não é alheio o facto de que os riscos naturais e tecnológicos

59

conheceram eles próprios alterações significativas na sua amplitude e características, assim como a circunstância da sua maior visibilidade social, essencialmente devido à ação dos meios de comunicação de massas (Valente et al., 2008).

Como referem Klinke e Renn (2001) “quando falamos de riscos enfrentamos o perigo imediato de toda a gente falar de coisas diferentes”. Efetivamente, não existe uma definição consensual do conceito de risco, tanto em termos do discurso científico, como do discurso político, como ainda do entendimento do público leigo. No entanto, como referem os autores mencionados, todas as concepções de risco têm um elemento comum – a distinção entre realidade e possibilidade. Como sugerem ainda Klinke e Renn (2001) se o futuro estivesse pré-determinado ou fosse independente das catividades humanas do presente, a noção de risco não faria qualquer sentido. Assim, como referem Flynn e Slovic (2000), aparentemente “os seres humanos inventaram o conceito de risco para os ajudar a compreender e a lidar com os perigos e as incertezas da vida”, sendo a noção de incerteza central no conceito de risco. De facto, este conceito encontra-se muito associado à possibilidade de acontecimentos e processos, naturais ou humanos, produzirem consequências reais inesperadas (ou efeitos adversos) (e.g. Kasperson e Kasperson, 1987).

Outro aspecto associado à incerteza relaciona-se com a dificuldade de determinar que características são necessárias para rotular uma consequência como adversa, em vez de desejável ou tolerável (Renn, 1990). Assim, aparentemente, o termo risco deveria incluir tanto os ganhos como as perdas resultantes de uma situação de elevada incerteza ou imprevisibilidade.

Existem diversos factores que influenciam a percepção do risco dos indivíduos, para diversas situações, tais como, a magnitude do evento e se é um evento catastrófico, o controlo, o grau de confiança, a incerteza ou vulnerabilidade, a memória de riscos e experiências anteriores, a informação, a existência de crianças envolvidas e as gerações futuras, a novidade e o medo. As diferenças na percepção do risco podem ser atribuídas, em parte, à magnitude do evento, como por exemplo, a magnitude da queda de um avião é muito maior uma vez que origina um número de mortes superior em apenas um evento, sendo classificado como catastrófico, em comparação a um acidente de automóvel (Arezes, 2002). O potencial catastrófico, factor interveniente no modo como os indivíduos percepcionam o risco, determina o grau de tolerância e a capacidade de convivência. Isto significa que quanto maior for a probabilidade de ocorrência de um acidente de proporções catastróficas, menor será a capacidade de convivência e tolerância face a essa circunstância. O grau de certeza associado à previsão dos efeitos do risco (que se encontra também relacionado com a capacidade de controlo do grau de risco e com a fiabilidade das fontes de informação disponíveis) parece ser também um aspecto importante na percepção social.

Outro fator que contribui para as diferenças na percepção do risco é o factor do controlo. Sempre que determinado indivíduo sente que tem o controlo da situação, tal como conduzir um automóvel, o risco percebido é mais baixo do que quando sente que não tem esse mesmo controlo, como por exemplo quando vai sentado ao lado de outro condutor (Martins, 2008). Também a capacidade (real ou percepcionada) de controlo sobre as fontes de risco determina a capacidade de convivência com um determinado perigo. Esta encontra-se, assim, associada à possibilidade de controlar os factores de risco antecipadamente, quer seja individualmente, quer seja através da percepção da existência de mecanismos técnicos e institucionais adequados.

A percepção de risco está relacionada com o grau de confiança, tendo alguns estudos reconhecido a sua importância para a percepção (Slovic, 2001). Deste modo, quanto menor a confiança maior será o nível de preocupação (Martins, 2008). A confiança que os indivíduos depositam nos mecanismos e entidades de controlo e gestão do risco, sendo que a capacidade de conviver com determinados factores de perigo será tanto maior, quanto maior for a confiança nos instrumentos

60

políticos e técnicos de controlo e gestão (e.g. Yearley et al., 2000). Também a confiança nas fontes de informação disponíveis parece deter um papel fundamental no modo como são construídas as percepções sociais nesta matéria.

A probabilidade mensurável de ocorrência e a gravidade estimável dos perigos assim como a extensão dos seus efeitos não são, assim, as únicas componentes que os indivíduos acionam no modo como percepcionam e avaliam o risco. É essencialmente o contexto no qual o risco é experimentado que determina a percepção do mesmo (Renn, 2004). Mais ainda, é a existência de um conjunto de factores, nesse contexto e também a nível individual, que contribui para a forma como o risco é percepcionado e para as práticas desenvolvidas pelos diversos atores sociais face ao mesmo. Slovic et al., (1981) e Slovic (1987) apresentam uma listagem, relativamente exaustiva, das circunstâncias ou factores qualitativos que se encontram subjacentes às percepções de risco e que os indivíduos mobilizam mentalmente para a avaliação do mesmo. Um dos primeiros factores considerados é a familiaridade com a fonte do risco, ou seja, a capacidade de tolerância e de convivência com o risco, que parece aumentar na proporção direta da frequência e possibilidade de ocorrência do mesmo. Outro aspecto importante é a aceitação voluntária do risco, sendo que a capacidade de aceitar voluntariamente o risco se encontra intimamente relacionada com os benefícios percepcionados. Relacionado com este aspecto, encontram-se ainda os factores que se associam à apreensão da existência de justiça na distribuição dos ganhos e perdas decorrentes dos riscos, sendo que a capacidade de aceitação e convivência com estes está dependente do modo como é apreendida a justiça distributiva dos seus impactos (positivos e negativos).

A incerteza ou vulnerabilidade social face aos riscos decorre do fato de nas perceções sociais estarem presentes uma variedade (e respectiva conjugação) de circunstâncias e conhecimentos, nem sempre facilmente mensuráveis. Ou como afirmam Flynn e Slovic (2000) “muito embora os riscos possam ser reais, não existe um risco ‘real’ ou ‘objectivo’”. Esta afirmação remete para a multidimensionalidade, subjetividade e carácter valorativo da percepção social dos riscos. Por exemplo, Renn (2004) afirma que “o risco não pode ser entendido como um conceito monolítico (…). O risco deve ser compreendido como um instrumento mental que permite a previsão de acidentes e perigos futuros e facilita a elaboração de medidas de minimização dos mesmos”. Mais que um instrumento mental individual, as percepções dos riscos devem ser compreendidas dentro dos contextos sociais em que os indivíduos se inserem, não apenas em termos das suas interações, mas igualmente em termos dos modos como cada constelação social se relaciona com a natureza e a tecnologia (e.g. Coelho et al., 2004; Figueiredo et al., 2004).

A memória de riscos e experiências passadas é outro factor a ter em conta, um acidente memorável faz com que o risco seja mais facilmente relembrado e pareça maior. Estas determinam o peso dado a certos riscos comparados com outros estatisticamente mais significativos (Martins, 2008). Também a informação recebida pelos outros permite que os indivíduos formem os seus valores, baseados nas suas experiências, informações científicas, meios de comunicação, bem como familiares, amigos e conhecidos. A informação apresenta um papel importante na perceção do risco (Martins, 2008).

A existência de crianças envolvidas leva a que exista uma percepção de risco maior, onde qualquer risco que as afecte é percebido como mais grave do que aqueles que só afectam os adultos (Martins, 2008). Outra circunstância determinante na percepção do risco tem a ver com o impacto previsível que o risco terá nas gerações futuras, fator que se relaciona de perto com a sustentabilidade ambiental e com a perceção de que as atividades (positivas ou negativas) do presente poderão ter consequências (igualmente positivas ou negativas) nas gerações futuras e nas suas atividades e oportunidades. A percepção sensorial do perigo é igualmente um factor qualitativo

61

relevante neste domínio, já que existe atualmente um conjunto significativo de riscos relativamente aos quais os atores sociais não têm “um sistema sensorial de aviso” (Spaargaren e Mol, 1993). Esta espécie de expropriação dos sentidos faz com que os riscos, que não são imediatamente perceptíveis através da experiência sensorial, sejam menos tolerados, do que aqueles cujos efeitos se apresentam mais imediatos e visíveis. Também a percepção da (ir)reversibilidade dos efeitos adversos interfere na avaliação social dos riscos. Assim, quanto mais as consequências de um acidente natural e/ou tecnológico forem percepcionadas como irreversíveis, menor será a capacidade de aceitação e de tolerância face a ele.

O fator novidade é também considerado como influenciador da percepção de risco, uma vez que os novos riscos são vistos como mais altos do que os já conhecidos, onde a convivência com o risco leva a que se considere como menos terrível, dado que com o tempo a experiência ajuda a contextualizá-lo. O medo é também considerado como outro factor a ter em conta, na medida em que se o risco for enfrentado como alguma coisa que se considera ser terrível ou dolorosa, a percepção de risco é elevada, em oposição a algo que não seja. Um exemplo é o caso do cancro, este provoca medo, e deste modo tudo o que possa causar cancro é percebido como tendo um risco mais elevado (Martins, 2008).

Embora se possa afirmar que os indivíduos utilizam alguns destes factores (ou mesmo todos) nas representações, avaliações e comportamentos que adoptam face ao perigo, a presença dos critérios mencionados na formação de opinião e na capacidade de tolerância e convivência com

63

Documentos relacionados