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A partir de relatos e fatos de que fomos tendo conhecimento ao investigarmos os aspetos socio-culturais do nosso público-alvo, surgiu-nos a ideia de que estas populações construíram uma imagem negativa sobre a escola pública. O exemplo é de uma mãe com quem tivemos contacto informal, como forma de garantir o seu à-vontade pois, de outra forma, quando se apercebem que o entrevistador não é da sua confiança porque não vive com eles ali, eles procuram dar respostas ideais e não exteriorizam o que lhes vai no interior. Para criarmos mais aproximação com eles decidimos comprar uma bebida alcoólica local, chamada “otheka”, uma cerveja local fabricada com base no farelo de milho e mapira germinada, seca e moída que serve de fermento. Durante o consumo da mesma e quando achávamo-nos mais próximos e familiarizados com eles procuramos saber de uma mãe presente a sua perceção sobre a escola pública, a qual respondeu nos seguintes termos: “nós não estamos a ver a utilidade do que os nossos filhos aprendem na escola. Nos ritos de iniciação sim, as meninas aprendem coisas importantes para a vida delas e de nós todos”. Foi com base nesta resposta que decidimos incluir na nossa pesquisa a questão das representações, no caso vertente, das perceções da população local sobre a escola pública. Não pretendemos contudo, analisar esta questão seguindo os métodos de investigação em representações, o que não constitui opção para o estudo do nosso objeto mas no âmbito de valores partilhados por aqueles indivíduos abordados pelo pesquisador.

Flament desdobra-se em considerar as representações sociais como “um conjunto organizado de cognições relativas a um objeto, partilhadas pelos membros de uma população homogénea em relação ao mesmo objeto” (Flament, 2003). Relativamente a questão das

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representações, Santiago reconhece a existência de divergências em certos aspetos nos resultados de estudos dessa matéria, contudo, assegura-nos que a influência da família e do meio social têm grande peso nas atitudes do aluno em relação à escola (Santiago, 1996). Daqui a necessidade de visitarmos estas perceções dos pais e encarregados de educação sobre a escola pública. Para o efeito, colocamos questões aos entrevistados que responderam de forma seguinte:

Entrevistado (12) - Ii, mas eshkola tiórera pahii muána ossoma. Inamuera pahii

ishkola iyó irakamennléne. Anamui aphiaru 4a ee 3a anampatchera to oneha to, otchikela otchulí, porque

n’to oya oTui onona orakama. Omalema orakama, hee nomalemaiwe ontchunea mutchú olike wasse elugari, ohaléken’to muánole ommántariki;- a escola é boa coisa para a criança

aprender. O problema é que essas escolas estão longe. É que quando faz a 4a classe começam também a voltar atrás porque a EPC de Tui fica longe. Em Malema também é longe e lá em Malema, é preciso primeiro arranjar lugar de hospedagem e só depois é que pode mandar para lá continuar com os estudos (tradução).

Segundo a alocução desta entrevistada deixa transparecer que muitas crianças das escolas do EP1 nas zonas rurais quando concluem a 5a classe ainda pequenas e por não existir EP2 perto optam por repetir a classe concluída até que tenha idade suficiente para enfrentar a distância até a próxima EP2. Esta situação pode levar o aluno/a a desistir da escola, caso encontre uma ocupação local que em muitos casos acaba desembocando em casamentos prematuros para as raparigas e trabalho infantil para os rapazes.

Um encarregado de educação em Nómola, tendo-se expressado em português especificou que a situação é mais difícil para as raparigas e ilustrou nos seguintes termos: - “Para alcançarem a escola de EP2, os nossos filhos caminham 6 a 8 km por dia e voltam à noite da escola. Temos medo que nossas filhas sejam violadas pelo caminho à noite, de regresso à casa. Não é por causa de casamentos que as nossas filhas deixam de estudar, mas porque a escola fica muito longe”.

Embora a maior parte ache que a escola é boa coisa, pois, ela ajuda a preparar os seus educandos para o seu futuro, ainda existem alguns pais nas zonas rurais que não alcançaram esse entendimento e acham que pôr o filho/a a estudar é garantir o emprego e, consequentemente, o salário dos professores, como se refere o nosso entrevistado (no 1)

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- há pais, (..) acabam discutindo com o professor numa que, “você está a gingar porque está a trabalhar, receber por causa do meu (…) dos filhos. Então… eles acham que o professor para ter vencimento é porque está a dar aulas aquelas crianças, pronto… como forma de prejudicar o professor para não receber vencimento, prefere retirar o filho da escola pensando que assim que o professor não vai ter alunos para dar aulas, não vai receber seu vencimento.

Esta ideia contrasta com o pensamento de alguns pais que não tendo tido oportunidade de estudar no passado colonial, lamentam a atitude de seus educandos que, na sua opinião, desperdiçam as atuais oportunidades criadas pelo governo nomeadamente, a disponibilidade de escolas quase em todo espaço habitacional, a oferta do livro escolar no EP, entre outras facilidades. À propósito, o líder comunitário da EPC de Tui – Posto administrativo de Mutuali distrito de Malema pronunciou-se nos termos seguintes:

- mion’to nave kintchuna sana. Até mi kinnera yari ewora yele karaka mmiravo, hano mi kissommene. Van’to kinanlela we anamuane yala kayanraka kantchuna wi essommene enakajutari. Wawito anenaya enona evita okueya, porque to mutchu onnona evita okueya

(entrevistado no 16); - eu quero muito bem. Até eu digo, se fosse aquele tempo em que eu era criança, já teria estudado. Assim, choro para que estas crianças que nasci estudem e me ajudem, de tal forma que eles mesmo vejam as suas vidas facilitadas, visto que quem estuda vê a sua vida facilitada (tradução).

Aqui ressalta a perceção de que estudar facilita a vida futura do individuo, ideia materializada localmente em atos de controlo pessoal na venda dos seus produtos agrícolas no período das campanhas de comercialização. Acontece porém que devido à falta da “literacia matemática”, comum entre produtores que participam na campanha de comercialização agrícola local, são aldrabados e roubados pelos compradores das mercadorias na pesagem e, até certo ponto, na marcação dos preços dos produtos. Esta angústia foi manifesta por alguns entrevistados neste trabalho.

Segundo nos recorda o nosso quadro teórico, estudos relacionados com a problemática das representações sociais sobre a escola comprovaram que os pais não atribuem o mesmo significado à escola tendo em consideração a sua inserção no conjunto da estratificação social (Santiago, 1996). Esta constatação não se limita apenas ao sector dos pais das zonas rurais, mas em geral.

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Num estudo sobre as diferentes representações da educação escolar em vários grupos sociais no meio urbano, Weler, (1976) constatou precisamente, esta diferença de posições. Dos resultados que conseguiu, para o grupo social desfavorecido, a escola surgia como uma necessidade para a preparação para o trabalho constituindo um suporte de saída da situação social presente. Nos outros grupos verificou-se uma solidariedade entre os projetos de futuro e as representações atuais da escola.

Apesar das dificuldades apresentadas pelos pais e encarregados de educação sobre a questão da distância casa-escola são unânimes em afirmar que a escola abre os horizontes ás crianças para o mundo moderno. No entanto este sentimento não consegue superar a falta de confiança sobre a utilidade das habilidades que se aprendem na escola e que têm pouco valor no contexto rural local.

A questão da distância casa-escola aparece em quase todos os discursos dos entrevistados das zonas rurais, caso que é minimizado pelos professores e dirigentes da instituição escolar tanto ao nível provincial como distrital, evocando falta de interesse dos pais e encarregados de educação em fazerem mais pelos seus educandos. Fazendo avaliação da situação socioeconómica dos mesmos notamos que a insuficiente cobertura da rede escolar resulta na necessidade de uma grande parte de estudantes, residentes em localidades onde tal cobertura é insuficiente, de se deslocarem para locais distantes das suas zonas de origem, onde irão viver principalmente com os seus familiares, se os tiverem na zona, para terem acesso à educação no EP2 e ensino pós primário.

Experiências nesse sentido existem por exemplo, na província de Tete- Centro do país. Na escola completa do distrito de Mange em Tete, como alternativa para os alunos provenientes de outras regiões e que querem continuar a estudar, os pais tiveram a iniciativa de construir casas dentro do quintal da Escola para os seus filhos. Estes recebem o apoio e proteção dos professores, membros do conselho de escola e líderes comunitários. Neste caso vertente encontram-se 15 casas construídas onde vivem em cada uma delas um a dois estudantes que permanecem durante a semana e deslocam-se para suas casas de família aos fins-de-semana para visitar os parentes suprirem-se de alimentos. Não se regista ainda a presença de mulheres neste esquema. Para superar essas dificuldades alguns pais optam, em última estância, por alugar casas para a acomodação dos seus educandos (MEDH, 2015).

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