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5.1.1 – PERCEPÇÃO DOS MORADORES O relato com uma pequena análise dos dados compilados a partir das aplicações de

questionários e combinados com as entrevistas realizadas junto aos moradores passa a ser comentado agora, começando pela pergunta que busca a identificação da pessoa que responde ao questionário, bem como de sua localização geográfica, assim como para ter uma referência inicial bem ajustada à realidade local: qual é seu nome e como é seu endereço?

Sempre foi difícil a identificação precisa do local de moradia dos entrevistados. Todas as perguntas sobre essa temática tinham como resposta a ilha como endereço. Nenhum morador do Combu faz distinção sobre o lugar em que reside. No máximo há referências ao fato de habitar o furo da Paciência, o igarapé Periquitaquara, o igarapé Combu ou a costa em frente ao Acará, mas sempre é o Combu. “Eu moro aqui, é no Combu, no furo da Paciência”, responde o entrevistado. E lhe é suficiente (FIG. 22). Nunca recebeu uma carta, uma cobrança pelo correio. Quando se faz necessário tal expediente, na abertura de um crediário, por exemplo, os moradores dão o endereço de alguém conhecido ou parente que resida em Belém. Não têm como comprovar a moradia. Entretanto, esse aspecto da cidadania parece não comparecer nas necessidades cotidianas dos habitantes e também não parece fazer-lhes falta.

FIG. 22 - Aspecto da ocupação na orla sul da ilha. Foto do pesquisador, 2005.

A maioria dos entrevistados (80%) nasceu no Combu mesmo, e sempre morou lá, com maioria de habitantes vivendo há mais de dez anos no local e tendo habitado em moradia de propriedade da família antes de constituir sua própria família e de construir sua habitação em terreno que, na maioria das vezes, foi cedido por alguém da família também. Isso faz com que os círculos familiares sejam fortes no sentido de que se complementam no suprimento de necessidades e na ajuda mútua, fortalecendo aspectos de um convívio solidário. Poucos foram os casos (20%) de famílias que se estabeleceram no Combu vindos de outra cidade ou outra ilha, mas sempre que o fizeram foi na busca de melhoria de vida em função da proximidade entre Combu e Belém (VER TABELA 1)1.

A amostra de população adulta observada no Combu é muito pouco instruída sob o ponto de vista do ensino formal. 90% não freqüentam escola (FIG. 23), 52% afirmaram não desejar melhorar a escolaridade, e 71% sabem ler e escrever. Destes, 76% tem o ensino fundamental incompleto, (33% cursaram até a 4ª. série) e apenas 14% cursaram séries do ensino médio. Isso é uma performance muito fraca, mas espelha a realidade de uma região sem muitas perspectivas e com expectativas depositadas em gerações mais novas, já que 76% dos entrevistados têm seus familiares em idade escolar estudando. Os 24% que informaram ter familiares em idade escolar fora da escola, apontam como

principal razão a necessidade de trabalhar (60%) para ajudar na renda. Essa assertiva nos remete ao trabalho de crianças e jovens em idade escolar, prática que vem sendo combatida pelo trabalho de agentes comunitários e membros das associações de moradores na direção de uma conscientização local. A fragmentação de sugestões para a melhoria dos serviços de educação e o fato de 38% dos entrevistados apontarem a necessidade de um ensino mais completo na ilha, reforçam a expectativa e o desejo de ver as novas gerações com um futuro com mais educação (VER TABELA 2).

FIG. 23 - Escola Bosque, Anexo do Combu, da Prefeitura de Belém na ilha. Foto do pesquisador, 2005.

A solução de problemas de saúde para os ilhéus está na prevenção e no fato de que a vida ainda é muito saudável na ilha, talvez impelida por uma ocupação pouco densa do território e pelo fato de que os resíduos domésticos são sistematicamente queimados e enterrados, reduzindo assim os vetores de doenças.

Mas isso não quer dizer que os moradores não sofram dos males do restante da cidade que lhe é vizinha. Doenças respiratórias e verminose respondem por mais de 50% das enfermidades das famílias consultadas. Provavelmente, não ferver a água de uso doméstico (76%) pode ser a razão das verminoses. A pulverização de doenças consideradas graves num leque de doze referências aponta para uma saúde de razoável a boa entre os entrevistados. O uso de serviços de saúde preventiva (95%), a freqüência da visita dos Agentes Comunitários de Saúde, seja quinzenal ou mensalmente, e a procura de posto de saúde na ilha ou de hospital em Belém em caso de doença (95%),

indicam procedimentos corretos da população nos cuidados com a saúde familiar. Apesar de serem considerados bons por 71% dos entrevistados, os serviços locais de saúde (FIG. 24), precisam de mais remédios (segundo 43% das entrevistas), mais médicos (24%) e de aumentar a capacidade de atendimento (28%). Muitos creditam à água consumida os problemas de verminose. Essa água é obtida na rede pública em Belém (62%) e levada ao Combu em garrafões ou é obtida diretamente do rio (38%). Antes do consumo a água é fervida (14%) e/ou tratada com hipoclorito (76%) (VER TABELA 3).

FIG. 24 - Posto de Saúde da Prefeitura de Belém na ilha. Foto do pesquisador, 2005.

Católicos (57%) e evangélicos (43%) dividem as preferências religiosas de forma equilibrada, com ligeira predominância de católicos, mas isso está mudando paulatinamente (FIGs. 25 e 26). 90% dos que professam religião são praticantes semanais (24%) ou com freqüência superior a uma vez por semana (37%). Já as organizações sociais andam com a moral baixa entre os ilhéus do Combu, com 80% deles não estando atrelados a entidades. Dos poucos que responderam pertencer a alguma organização apenas um está insatisfeito. Entretanto, nas entrevistas, comentários houve daqueles que não apresentaram interesse em se filiar a organismos sociais, como: “sinto falta de melhores explicações”, ou “vejo os benefícios indo só para o pessoal do igarapé Combu. E os outros lugares da ilha?” Já um dos que trabalham junto à associação de moradores afirmou que “graças à pressão dela (a associação),

explorado no sentido de fortalecer entidades de representação local e, consequentemente, fortalecer também as condições de cidadania dos ribeirinhos que habitam a ilha (VER TABELA 4).

FIG. 25 – Templo Evangélico na ilha. Foto Denise Bastos, 2005.

FIG. 26 – Igreja católica em construção no igarapé Combu. Foto do pesquisador, 2006.

A vida social dos ribeirinhos é muito segmentada no próprio ambiente insular. Reuniões para bate-papo regado a umas cervejas e uns peixes nos atracadouros de residências de

amigos,(FIG. 27), apesar de não freqüentes, são uma das poucas opções de lazer dos moradores.

FIG. 27 - Cervejada no igarapé Periquitaquara. Foto do pesquisador, 2005.

As principais formas de lazer na ilha são: a prática de futebol agregando 33% dos entrevistados, seguido dos passeios em Belém e das festas religiosas segundo a manifestação de 18% dos entrevistados. Entretanto, quase 43% dos mesmos não manifestaram vontade de ver implantado na ilha qualquer equipamento para melhorar esse lazer (VER TABELA 5).

Excessos provocados por ingestão de álcool, ações de gangues e vândalos, além de ausência de sinalização náutica estão no rol dos 12% de indicações como problemas de segurança observados na ilha. Os furtos de criações e roubos de embarcações ou de equipamentos de pesca, que somam 88% de citações, têm parcela significativa na insegurança dos habitantes do Combu. Consequentemente, mais policiamento, segundo 66% das respostas, pode trazer mais sensação de segurança aos ilhéus. Relatos dos moradores deram conta de situações preocupantes: “a gente mora no meio de gente ruim da ilha, que dão o serviço para bandidos em Belém que vem assaltar na ilha”; “a polícia nunca vem na ilha, os moradores não comentam e nem reclamam e, por isso, não há policiamento”; “o barco da polícia está dando mais assistência no Outeiro, que é mais perigoso”; “tem gente de Belém que tem casa na ilha para dar cobertura aos bandidos que assaltam barcos”; “em novembro do ano passado, um amigo assaltou a casa de outro, que reconheceu ele e acabou sendo morto para não falar nada”. Há relatos de violência sexual cometidas contra adolescentes da ilha por gente que chega de Belém em suas lanchas e jet-skies, geralmente embriagados, e que se aproveitam sexualmente dessas adolescentes. Questionados sobre providências tomadas pelos moradores, a maioria diz não acreditar na eficácia da polícia nesses casos – acham que os “barões” que podem ter lanchas e jet-skies não devem temer a polícia. Instados a buscarem seus direitos de cidadão, respondem com evasivas que apontam a descrença numa atenção merecida (VER TABELA 6).

Trabalho e renda são um grande problema para os moradores do Combu. A grande maioria dos entrevistados, (75%), trabalham diretamente na coleta e comercialização de açaí e de outros frutos da terra, em especial o cacau, o palmito do açaí e em menor quantidade o cupuaçu, e fazem dessa atividade a base de suas rendas.

FIG. 29 - Aspecto de ocupação típica na ilha, com açaizais e outras plantas nativas ao redor da casa. A maré cheia em março, encobre o trapiche doméstico.

Foto do pesquisador,2005.

FIG. 30 - Outra ocupação típica da ilha, no furo do Benedito.

Além da exuberância dos açaizais, há uma quantidade de cacau secando ao lado do trapiche. Foto do pesquisador, 2005.

Os que trabalham com extrativismo de açaí na ilha, o fazem diariamente (62%) ou semanalmente (28%), e procuram trabalhar com pessoas da família (48%), ou sozinhos (33%). A variação de renda é grande, com predominância de ½ a 1 salário mínimo (33%), 24% recebendo menos de ½ SM e 19% entre 1 e 2 SM. 10% afirmaram receber mais de 3 SM. Em função das dificuldades de mercado e daquelas geradas pela

complementar renda. Uma fábrica que exporta açaí, localizada em Belém, emprega 36% dos entrevistados num trabalho que acontece no período da safra. Outras atividades pulverizadas acrescentam renda familiar de menos de ½ SM (36%), entre ½ e 1 SM (45%) e entre 1 e 2 SM (19%). O trabalho de extrativismo do açaí e outros frutos da terra é realizado na própria área residencial (24%), na margem do rio (28%) e na mata (38%) (VER TABELA 7).

Talvez por desconhecimento ou desinteresse, 76% dos entrevistados não são segurados da previdência oficial e há 28% de familiares (66% são as mães dos entrevistados), recebendo benefícios (50% desses por idade e 33% sob a forma de auxílio - doença). Há poucos inscritos em programas de assistência social (43% dos entrevistados), muito em função de descrédito nos programas. O Bolsa Família com 33% desses inscritos e o Bolsa Escola (34% deles) se igualam no ranking de benefícios (VER TABELA 8).

As habitações dos moradores do Combu seguem um padrão básico que pouco muda de casa a casa e que representa a síntese da vida que esses ribeirinhos levam distantes dos confortos do cotidiano de Belém. (FIGs. 31, 32 e 33).

FIG. 31 - Habitação ribeirinha ao sul da ilha. Foto do pesquisador, 2005.

Como a ilha sofre inundações nos períodos das marés de águas grandes que acontecem especialmente nos meses de março, abril e maio, conseqüentes dos regimes de águas do estuário e das chuvas de mais intensidade que caem na região, há necessidade de construir as residências em pontos mais altos dos terrenos. São moradores de várzea (57%) ou ribeirinhos (33%), sofrem com inundações por conta das marés (62%) e com a erosão dos terrenos (52%) por força das correntezas. Não se queixam de atividades poluentes próximas de casa (72%), mas relatam a passagem de lixo de Belém pela orla da ilha (28%), especialmente os que residem em frente à orla da cidade. São donos de seus imóveis (100%) que, em grande parte (62%) são térreos e têm trapiche, telhas de barro (76%), paredes e piso de madeira (85% e 80% respectivamente). As casas têm gerador a diesel próprio (52%) ou não tem energia (47%) e são na maioria providos de fossa rudimentar (80%). 100% deles enterram e/ou queimam o lixo doméstico – o que é uma boa prática – e, embora todos tenham fogão a gás, menos de 10% têm filtro de água.

FIG. 32 - Habitações ribeirinhas no furo da Paciência. Foto do pesquisador, 2005.

Sem possibilidades de realizar o acúmulo de água em reservatório, as residências têm, em sua maioria, um alpendre onde são limpos os alimentos e as louças e panelas. A cocção é feita em fogão à gás em 100% dos imóveis onde foram aplicadas entrevistas (VER TABELA 9).

FIG. 33 - Habitação típica, onde se pode perceber paneiros e cestos de açaí, um garrafão de água que será usada para beber e para cocção, água armazenada para lavagem de louças, uma canoa a remo e, ao fundo,

açaizeiros e árvores frutíferas. Foto do pesquisador, 2005.

5.1.2 - CONTRAPONTO