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PERCEPÇÃO DAS MULHERES PRIVADAS DE LIBERDADE A RESPEITO DO DIREITO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.3 PERCEPÇÃO DAS MULHERES PRIVADAS DE LIBERDADE A RESPEITO DO DIREITO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA

Essa categoria reflete a compreensão das mulheres privadas de liberdade sobre significados e sentidos da alimentação. A questão norteadora dessa categoria é “Fale sobre o que significa alimentação para você?” Observamos que há uma diversidade na compreensão dos significados associados à alimentação: liberdade, direito, família, domingo, aceitação, Deus, diversidade, nutrientes, dificuldade, fome, pobreza, desperdício, estabilidade. Compreendemos que os sentidos atribuídos ao significado da alimentação são também reflexos da experiência com o cárcere e do processo social e histórico em que as mulheres vivenciam a sua relação com a alimentação. Em seguida, algumas falas significativas sobre essa questão apontam pistas para a problematização da temática.

É um direito. A gente ta privada da liberdade, a gente tem direito pelo menos à alimentação. Então no meu ponto de vista a unidade tinha que ter responsabilidades de cuidar para que a alimentação suprisse as necessidades (C7).

A ONU estabelece regras mínimas para o tratamento de reclusos, adotadas também pelo Brasil e conhecidas como regras de Nelson Mandela. Estas norteiam princípios básicos para o comprometimento do Estado com a dignidade da pessoa em situação de cárcere e, no

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que compete à alimentação, orienta que “a administração deve fornecer a cada recluso, a horas determinadas, alimentação de valor nutritivo adequado à saúde e à robustez física, de qualidade e bem preparada e servida” (BRASIL, 2016, p. 23).

Alimentação na prisão moderna funciona como um castigo, permanente e arbitrário, mas institucionalmente aceito, fundado no racismo institucional, apesar do Estado se obrigar a assegurar a alimentação como direito social a todos, sem discriminação (art. 6º, CF/88) e a prestar assistência material ao preso (art. 12, Lei 7.210/84) (DUNCK, 2018).

A compreensão sobre a alimentação emerge nas falas das colaboradoras sob diversos aspectos que remetem a alimentação a dádiva divina, afeto, comensalidade e liberdade.

Significa que a gente tem que agradecer a Deus pelo deitar e o levantar e a gente ter o que comer porque tem tanta gente que não tem o que comer, e a gente aqui têm, quer dizer a gente em casa também tem né? Mas às vezes a gente passa por aperto. (CC2)

Tem gente que xinga, que joga, e diz ‘’eu lá quero isso’’ eu acho que é gente que nunca conheceu a fome né. (C4)

O atual Informe sobre o Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas 2019: autoritarismo, negação de direitos e fome, lanç ado em novembro de 2019, destaca que o Brasil saiu do Mapa da Fome da FAO em 2014, o que significa que menos de 5% de sua população vivia em situação de insegurança alimentar. Apesar das causas estruturantes da desigualdade e da violação ao Direito Humano à Alimentação Adequada persistirem nesse período, especialmente em razão do modelo de desenvolvimento e do modelo de produção e consumo de alimentos adotado no país, a redução da pobreza e a ampliação do acesso às políticas públicas foram determinantes para diminuir a pobreza e para que o país reduzisse o número de pessoas sofrendo de fome. Apesar disso, ressaltamos que alguns grupos como povos indígenas, povos e comunidades tradicionais, e as mulheres negras (aqui cabe lembrar que a população no sistema prisional é predominantemente negra), continuavam apresentando os indicadores mais altos de insegurança alimentar e nutricional (FIAN BRASIL, 2019).

Assim, no meu ponto de vista, a alimentação adequada é só nos domingos que é o que vem da família. (C2)

Pra mim a alimentação mais saudável é a liberdade, para mim é essa. Você está com a sua família, almoçar com a sua família. (C11)

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O significado e dimensão afetiva da alimentação contempla a relação entre as pessoas, está presente nas refeições familiares, momentos de encontro, de conversação, de comensalidade, que relaciona a criação e manutenção de formas de sociabilidade potentes e prazerosas. Nesse sentido, as mulheres ocupam uma posição fundamental na alimentação da família, pois são elas que controlam, compram os alimentos, preparam, socializam os filhos para aceitá-los e distribuem a comida entre os componentes da família. Além disso, as mulheres têm maior acesso do que os homens a informações acerca da alimentação, provenientes de várias fontes e de programas diversos de orientação. As mulheres são mediadoras entre universos nos quais predominam regras alimentares diversificadas e podem ser agentes transformadores de hábitos alimentares (ROMANELLI, 2006).

A comida, o afeto e a identidade estão emaranhados num complexo tecido social. São laços indissociáveis, que fortalecem o povo e o lugar. No Brasil, as organizações e redes sociais integradas ao Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional sinalizam a importância de repensar a relação que temos com os alimentos, fortalecendo-os como elemento da memória, da identidade e do afeto, no sentido ainda de reconhecer a comida como patrimônio constitui-se com suas especificidades culturais e com suas lutas pelo direito à alimentação adequada e saudável (FBSSAN, 2019).

No sistema penitenciário? Tem que ter alimentação né. Agora assim tão saudável como a gente quer acho que não tem como ser. Porque assim, já vem todos os mantimentos né? Feijão, arroz, farinha, essas coisas. Eu acho que para o preso tá bom né. Para mim como presa eu aceito, se eu não quisesse ta aqui eu não tinha aprontado né. Não tenho que estar exigindo não, nesse ponto aí eu sou muito correta, muito justa. (C4)

A alimentação passa, portanto, a compor o conjunto de sinais e sentidos atribuídos às penas para torná-las temíveis, para que suas desvantagens se personifiquem na ausência de qualquer prazer (FOUCAULT, 2014). A fome como instrumento de penalização nos presídios remete aos cenários de miséria ligados à história do Brasil, retomando os modelos coloniais, onde nasce a prisão-pena, tendo como foco não a disciplina do corpo, mas a incapacitação de cativos, libertos, menores e escravos fugitivos (DUNK, 2018). Nesta perspectiva, o comer e a comida no sistema penitenciário articulam-se como negativas do reconhecimento da cidadania dos sujeitos através da regulação dos “prazeres da boca” (CUNHA, 2018).

Sentidos são complexos e abrangentes. Estes são revestidos de valores simbólicos expressos na linguagem que tenta traduzir o significado da alimentação. Esses sentidos são refletidos no processo social onde as mulheres vivenciam suas trajetórias e nos permite seguir uma análise com foco na condição e no perfil da realidade que representam. Por isso também

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tão necessário valorizar a compreensão de quem vivencia uma realidade subalterna sobre temas que dizem respeito a sua condição humana.

Esta categoria também reflete sobre as mudanças alimentares vivenciadas pelas colaboradoras a partir do encarceramento. Parte do questionamento sobre como se caracterizava a rotina alimentar antes da prisão e durante esse período, se houve mudanças, quais mudanças e que impactos foram observados com essa transição.

As respostas se dividem naqueles que referem que não houve mudança porque antes de ser presa já se alimentava com uma rotina parecida de preparações semelhantes ao que é servido no presídio, e mulheres que afirmam que houve diferença na alimentação destacando a limitação do acesso, a impossibilidade de escolhas alimentares, e a ausência de preparações que representam as suas preferências alimentares, podendo repercutir na relação com a comida: prazer, identidade cultural, pertencimento.

Algumas mulheres, ao comparar a alimentação antes e durante o período em prisão, apontam para situações em que a condição social vivenciada ameaça o direito à alimentação antes mesmo do encarceramento:

A minha era simples: Feijão arroz, as vezes era ovo, salsicha quando dava tempo cozinhar. Porque negócio de carroça não tem muito futuro não.(CC4) Porque às vezes eu passava necessidade aí aqui a comida é melhor, assim, para mim né, não sei para as outras pessoas que a gente não sabe a vida delas, mas a minha eu me alimento melhor aqui do que na rua (CC3).

As mulheres institucionalizadas no sistema prisional em sua maioria são jovens, solteiras, possuem filhos, têm baixo nível de escolaridade e renda familiar precária, oriundas de trabalhos informais, ocupações de baixa qualificação com baixos salários ou em situação de desemprego. Muitas vezes são pessoas com vínculo familiar precário e que atravessam problemas com estigmatização social e altos níveis de problemas de saúde com ênfase no sofrimento mental (LIMA et al, 2013).

Romanelli (2006) chama a atenção para o fato de que a dieta da população pobre é monotonamente repetida, menos por falta de conhecimento do que pelo significado que os alimentos considerados “fortes” ocupam no sistema classificatório alimentar, bem como pelas condições socioeconômicas em que vivem.

Em seguida, trechos que afirmam diferenças negativas da alimentação comparando a experiência antes do cárcere e durante o período em prisão. Observamos que a noção dos alimentos vegetais como símbolo de alimentação saudável também emerge no discurso das

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mulheres. Outro sentido importante que aparece na fala de uma das mulheres é a aproximação da condição de felicidade na reflexão sobre a alimentação, apontando ainda para a ideia de que esse entendimento só foi possível a partir da vivência em outra realidade, mais desafiadora, no caso o espaço de prisão.

Mudou tanta coisa. Me alimentava muito bem, né? Eu pensava que eu não era feliz, e eu vim descobri isso aqui dentro. Eu era feliz, é porque eu não sabia... Mas eu vim descobrir aqui dentro. (C11)

A superlotação dos estabelecimentos penais, além de tornar mais difícil o acesso equânime aos direitos básicos, traz outras consequências, tais como: indisciplina, indignação, conflito, precariedade de higiene, aumento do consumo de drogas, opressão e de diversas formas de violências físicas e psicológicas. Além disso, as pessoas privadas de liberdade no sistema prisional passam por uma ruptura brusca de perda da liberdade, autonomia e relações familiares, sobretudo as mulheres (LIMA et al, 2013).

O processo histórico de cada indivíduo, as subjetividades da condição humana e seu papel na sociedade influenciam na forma de ver, perceber e expressar na linguagem as perplexidades das representações dos acontecimentos, da experiência particular ou coletiva que envolve a alimentação. Assim também com a história e a condição social, a classe, a cor, o lugar de fala, o engajamento ou aproximação com a criticidade da realidade, o processo histórico do contexto onde essa população específica está inserida e as desigualdades sociais representam os sujeitos que vivenciam esse contexto e tentam expressar na fala as informações que são frutos da diversidade de elementos individuais e sociais.

Priorizou-se ainda compreender como a alimentação no sistema prisional de mulheres na Paraíba é avaliada do ponto de vista das mulheres que estão presas e das informantes-chave que vivenciam o sistema prisional na gestão. Houve aspectos favoráveis e fragilidades. Os aspectos favoráveis decorrem em alguns relatos, como já apontado anteriormente nessa discussão, a submissão da mulher em conflito com a lei ao estado de seu encarceramento, a qual se coloca em condição inferior e com pouca dignidade para apontar os entraves nas questões que são transversais ao acesso à direitos básicos, como se a condição de presa fosse suficiente para silenciar suas impressões, sentimentos e representações.

Pra mim nada é ruim, tudo é bom. Eu to presa mesmo.(risos) Nada é ruim pra mim, tudo é bom. Tá presa, tem que comer o que a casa oferece. (CC6)

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Outras falas apontam para a insatisfação com a alimentação que é oferecida no presídio, reconhecem as dificuldades, retornam a falta de alguns alimentos considerados importantes para compor uma alimentação saudável, reforçam a liberdade como condição para a satisfação da alimentação.

O direito à alimentação adequada, eu acho que seja o direito a uma alimentação suficiente e equilibrada. Uma alimentação em quantidade suficiente, mas que contenha todos os nutrientes ali que a gente precise. Que tenha fruta, verdura, legume, proteína, cereais. Né? A gente sabe que não tem tudo isso aqui, que a gente conhece as dificuldades, mas a gente tenta fazer ao máximo com o que a gente recebe. (IC5)

Por uma parte para melhor, por uma parte para pior, porque assim não adianta a gente comer tudo e não tá no canto que... né. Aí eu preferia tá na rua, com certeza, passando necessidade do que tá aqui (CC3)

A gente não tem acesso à comida de qualidade, saudável é raro vir essas coisas, quer dizer uma verdura, por exemplo, comer uma salada, não tem, e logo eu que sou diabética não posso está comendo tudo, aí é que piora. (CC1)

Os trechos acima trazem aspectos que avaliam a alimentação problematizando a sua condição pessoal enquanto mulher presa com diabetes, com suas preferências alimentares e suas necessidades, utiliza em sua linguagem unidades de sentido para expressar o contraditório, que não se tem acesso contínuo (raro) à alimentação saudável e a obrigação de comer e aceitar (comendo tudo) que o Estado oferece.

A maioria das pessoas que se encontra nos presídios é culturalmente, socialmente e, por vezes, fisicamente mais frágil, estando assim mais vulneráveis e, por consequência, mais disponíveis para o adoecimento. E isso remete aos direitos humanos uma forma de buscar dignidade para essas pessoas (LIMA et al, 2013). Em consonância com a problemática apresentada na Política Nacional de Alimentação e Nutrição no Brasil (2013), os indicadores de saúde e nutrição refletem as desigualdades de renda e raça que ainda persistem no país: mulheres negras e de baixa renda apresentam maiores percentuais de doenças crônicas quando comparadas a mulheres, da mesma idade, brancas e de renda mais alta (BRASIL, 2013).

Refletimos sobre os desafios, situações-limite e queixas sobre o direito humano a alimentação na condição de privação de liberdade. A compreensão dos desafios foi presente nas entrevistas de forma transversal, mesmo para as mulheres que avaliaram de forma positiva a alimentação no sistema prisional, mas também mostraram insatisfação em alguns aspectos

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seja na pouca variação do cardápio, ou no sentido de falta de alimentos que faziam parte do seu cotidiano antes da prisão, ou ainda da impossibilidade de escolha alimentar.

A principal queixa que podemos observar em todas as entrevistas foi a falta de alimentos de origem vegetal, seja para tempero, salada, comer in natura. Em seguida, a monotonia do cardápio sobretudo de preparações de origem animal que variam entre frango e fígado foi também uma das maiores reclamações. O trecho a seguir ilustra como esse desafio é percebido pela colaboradora:

A minha principal queixa é o cardápio que não varia que é o fígado. Tudo bem que a gente precisa do fígado que tem a vitamina e tudo, mas é demais esse fígado, tem dia que o fígado está amargo, tem dia está verde, ninguém aguenta, na minha cela mesmo ninguém mais come fígado, a gente deixa de almoçar porque vem fígado (C1)

Observamos que a rejeição da comida pode ser um dos elementos para o desperdício que também é apontado como um desafio da alimentação no sistema prisional. Esse aspecto foi mais enfatizado nas entrevistas das informantes-chave que administram as unidades prisionais.

Em algumas entrevistas, foram apontadas queixas como o baixo teor de sal na comida, mas que há uma compreensão que o teor de sal deve ser baixo para evitar doenças. A falta de ingredientes para elaboração de receitas mais completas também foi apontada como desafio tanto pelas mulheres presas, quanto pelas gestoras e sobretudo pelas cozinheiras. Um dos exemplos é a sopa, com poucos ingredientes além da base em pó que vem na feira.

Outros desafios apontados, principalmente por parte da gestão, dizem respeito a estrutura dos prédios e da cozinha, por serem antigos e sem reforma. Além disso, a falta de equipamentos, a manutenção dos equipamentos que estão nas unidades, falta de utensílios, entre outros elementos como destacados na fala da informante-chave:

O principal desafio é o ambiente. Para que sirva o alimento seguro, porque não é só questão de liberar a alimentação, mas onde que você faz alimentação, então precisa de reforma da infraestrutura que é muito precária. Como eu sempre falo, por exemplo, se tem um buraco naquele local mas que ao menos o buraco seja higiênico. As estruturas são antigas demais, tem esgoto a céu aberto. Tem vez que tem a comida e não tem onde cozinhar. Faltam panelas, equipamentos, os equipamentos que tem não tem manutenção. Agora, nós temos verdadeiros artistas, tem panela furada e eles fazem massa de pão e tampam o buraco para cozinhar. Até uma panela que explodiu eles usaram o aço para fazer facas (IC1).

A informante-chave também refere que orienta a higienização do ambiente, mas que este é tão falho que apenas a higienização não é suficiente. Destaca-se ainda na fala anterior

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que as pessoas presas tentam encontrar alternativas criativas para o uso dos equipamentos e utensílios que apresentam defeito.

Também foi apontado pelas gestoras a falha de entrega dos fornecedores como um dos problemas mais comuns e que determina outras situações como a falta de ingredientes, a repetição do cardápio, a necessidade de reelaboração das preparações com poucas possibilidades de variedade de alimentos.

Em todas as entrevistas às gestoras, informantes-chave, onde foi questionado se existe algum documento orientador sobre alimentação no sistema prisional, seja resolução, portaria, política, lei, plano de trabalho, no âmbito local, estadual ou federal, a maioria afirmou que não tinha conhecimento de nenhuma orientação nesse sentido. Apenas uma informante-chave citou a Lei de Execução Penal em que refere que toda pessoa em situação de cárcere tem direito à alimentação. Outra informante-chave citou que usa como referência o PAT (Programa de Alimentação do Trabalhador) tanto na indústria como no sistema prisional da Paraíba e que ouviu falar que existe uma orientação na SEAP/PB sobre a quantidade de calorias que as pessoas presas deve ter como referência diária, mas que não teve acesso a esse documento. Após a entrevista, a pesquisadora solicitou esse documento à SEAP/PB, mas não houve informação da existência dessa orientação.

Sobre as possibilidades de enfrentamentos dos desafios identificados anteriormente, a ideia é compreender como os sujeitos encaram os problemas vivenciados na realidade do cárcere, com relação à alimentação, e quais estratégias ou iniciativas são utilizadas para diminuir as dificuldades.

Todos os relatos referem a visita como a principal estratégia para encarar as dificuldades. São as visitas que levam de alguma forma um pouco do mundo externo ao cárcere. Quem não recebe visita está sujeito a negociar com as outras mulheres presas para que possam dividir o que recebem. Esse processo de negociação é a ferramenta das mulheres encarceradas para conseguir encarar os desafios, como expressa a fala a seguir:

A gente compartilha o pouco que tem, se eu tiver alguma fruta e aquela outra menina não tiver, o que eu comer vou dar para ela, por exemplo, se eu levo a minha comida e tem duas, três que não aguentou comer a comida do convívio, eu compartilho com elas mesmo que o que eu fique para mim seja bem pouco, mas não tem problema, dá para compartilhar com quem estiver com fome. (CC7)

Além da negociação nas celas, outro elemento comum enfatizado é a necessidade de se adaptarem diante das situações problemáticas, a fim de evitar maiores conflitos. O adaptar-

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se aparece nas falas das entrevistadas com múltiplos sentidos, as mais significativas para o ponto de vista desse estudo são: adaptar-se ao cardápio, adaptar-se a convivência, adaptar-se ao sistema.

Na busca pela redução das experiências de sofrimento, as mulheres constroem, diariamente, estratégias de enfrentamento para adaptarem-se à institucionalização prisional e aos seus desdobramentos. E é essa busca que surge como força impulsionadora de suas atividades para consigo mesmo e com seu próximo. Nesse sentido, tomam como alternativa a espiritualidade e a resiliência, como parte da vida do ser humano e de sua condição de existência, buscando estabelecer um movimento de adaptação diante das adversidades e a possibilidade da construção de um novo caminho a partir do enfrentamento de ambientes e situações estressoras (LIMA et al, 2013).

Os relatos das colaboradoras nem sempre apontou para a solidariedade entre as mulheres presas, algumas relatavam que tem celas que há mais facilidade em manter boa relação com as pessoas, mas em geral é comum conflitos, brigas, competitividade e indiferenças. O clima potente de tensão.

Queiroz (2015), em seu livro “Presos que Menstruam”, sugere que a situação sobre o clima de pouca solidariedade entre as mulheres está relacionada com as análises da feminista e escritora Simone de Beauvoir que discute a relação entre as mulheres e refere que as mulheres estão acostumadas a enxergar a outra como rival, onde um dos elementos é a atenção e o amor masculinos. Enquanto isso, os homens costumam buscar os outros como cúmplices de suas conquistas, para validar sua masculinidade, por exemplo. Nesse sentido, na sociedade patriarcal a competição entre as mulheres é uma estratégia para dividi-las e mantê- las submissas.

Assim como adaptar-se à realidade pode representar uma alternativa de autocontrole, é também percebido, pelas colaboradoras, a necessidade de responsabilização da secretaria (SEAP/PB) como instância que deve garantir os direitos das mulheres custodiadas pelo estado.

Ao questionar sobre a agenda de encontros das diretoras dos presídios junto a