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O direito humano à alimentação adequada de mulheres no sistema prisional da Paraíba

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Academic year: 2021

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LUCIANA MARIA PEREIRA DE SOUSA

O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO

ADEQUADA DE MULHERES NO SISTEMA

PRISIONAL DA PARAÍBA

NATAL/RN 2020

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LUCIANA

MARIA

PEREIRA

DE

SOUSA

O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO

ADEQUADA DE MULHERES NO SISTEMA

PRISIONAL DA PARAÍBA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva.

Orientador: Profª Drª Cláudia Helena Soares de Morais Freitas

Natal/RN 2020

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Ficha Catalográfica

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Prof. Alberto Moreira Campos - -Departamento de Odontologia Sousa, Luciana Maria Pereira de.

O direito humano à alimentação adequada de mulheres no sistema prisional da Paraíba / Luciana Maria Pereira de Sousa. - Natal, 2020.

89 f.: il.

Orientadora: Profª Drª Cláudia Helena Soares de Morais Freitas.

Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências da Saúde, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Natal, RN, 2020.

1. Direito à Alimentação - Dissertação. 2. Prisão -

Dissertação. 3. Mulheres - Dissertação. 4. Política de Saúde - Dissertação. I. Freitas, Cláudia Helena Soares de Morais. II. Título.

RN/UF/BSO BLACK D585 Elaborado por MONICA KARINA SANTOS REIS - CRB-15/393

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DEDICATÓRIA

Para Francisco Pereira de Sousa, maior e mais profundo amor que conheci e que me motiva todos os dias a ser, a crer e a viver.

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AGRADECIMENTOS

Longos e difíceis dois anos de formação e aprendizados, também de luta, medo e luto. Olhar para os caminhos percorridos e aonde cheguei até agora me traz felicidade e o desejo de agradecer a todas as pessoas que contribuíram e contribuem nessa trajetória. Sou grata também à força e a misericórdia divina que me acompanham.

Aos meus familiares, sobretudo meu pai Francisco Pereira de Sousa, minha mãe Maria do Socorro de Sousa e minha irmã Maria Lauricélia Pereira de Sousa, honro e agradeço pelo amor e cuidado, pela confiança e paciência, pelos ensinamentos e por todo o esforço somado para o meu crescimento e formação do que sou hoje.

Aos que amo, aos meus amigos e às minhas amigas, pela amizade, amor, paciência, força e por contribuírem diariamente na forma de enxergar e sentir o mundo com mais esperança, afeto e amparo.

Aos que diretamente contribuíram para a realização deste trabalho: Sávio Gomes pelo companheirismo, amorosidade e amizade presente em todas as etapas do mestrado (e não apenas do mestrado), pelas leituras, ideias, contribuições teóricas e técnicas; Maria Helena Galvão, por acompanhar cada fase desde o início desse percurso, sobretudo na mediação para orientação da dissertação, pela constante presença e valiosa amizade; e Joyciamara Medeiros pela colaboração fundamental nas transcrições das entrevistas.

À Déborah Melo, Danyelle Farias, Félix Júnior, Fillipe de Oliveira, Geísa Dias, Hannah Shiva, Israel Castro, Luciana Moura e Priscylla Alves pelo amparo, expectativa, sugestões para a dissertação, por acompanharem e inspirarem esse percurso e tantos outros.

À Ana Mayara, Andrezza Duarte, Bruna Coelho e Talita Araújo, pelo companheirismo diário, cumplicidade, apoio e por tornarem a rotina mais leve e agradável.

À Sedruoslen Guelir pelo apoio e contribuição na etapa inicial do mestrado, pela leitura e sugestões sobre o material final.

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À Cláudia Helena Soares de Morais Freitas, a quem também dedico este trabalho, expresso meu profundo agradecimento por alçar voo comigo e me acolher, ouvir, orientar, motivar e acreditar em mim. Seu exemplo de cuidado e mediação pedagógica foi fundamental para que eu voltasse a ver sentido no que eu já não acreditava que seria possível. Assim, creio na misericórdia divina que nos ajuda a escolher quem estará conosco nos diferentes momentos que atravessamos.

À Lannuzya Veríssimo e Oliveira pela empatia, atenção e disponibilidade na revisão e discussão das ideias iniciais do projeto e sempre que foi possível no desenvolvimento deste trabalho.

À Severina Alice da Costa Uchoa, mulher comprometida com o desenvolvimento da pesquisa e construção do conhecimento, gratidão pela atenção na escuta, pelo acolhimento na leitura e disponibilidade para contribuir na dissertação.

À Gabriela Maria Cavalcanti Costa, referência importante em estudos sobre população privada de liberdade no ambiente prisional. Honra e gratidão por aceitar, avaliar e contribuir valiosamente para a qualidade deste trabalho.

À Ana Claudia Cavalcanti Peixoto de Vasconcelos, nutricionista que primeiro me inspirou a aprofundar no campo da nutrição e saúde coletiva, do Direito Humano à Alimentação Adequada e da Segurança Alimentar e Nutricional. Gratidão pela presença atenciosa em mais uma etapa da minha formação e por essa presença ser repleta de sentido, cuidado e afeto.

Às colaboradoras que aceitaram contribuir com a pesquisa: mulheres privadas de liberdade no sistema prisional da Paraíba, pelas informações cedidas e relatos compartilhados, por darem voz à realidade vivenciada em cárcere. Às colaboradoras da gestão do sistema prisional, da gestão da política de saúde prisional no estado e da assistência em saúde prisional: pela disponibilidade e informações cedidas.

À Secretaria de Administração Penitenciária (SEAP-PB) e à Secretaria de Estado da Saúde (SES-PB), através da Coordenação de Saúde do Sistema Prisional, pela anuência para a

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realização deste trabalho, apoio para execução da pesquisa e documentos disponibilizados para o estudo.

À Universidade Federal do Rio Grande do Norte, especialmente os funcionários, professores e estudantes que fazem parte do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, meu reconhecimento, gratidão e defesa pelo direito à educação superior pública, equânime e de qualidade e contra os cortes sucessivos que ameaçam a ciência brasileira.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Ministério da Educação (MEC), pelo papel histórico e fundamental na consolidação da pós-graduação.

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RESUMO

O direito à alimentação é parte dos direitos fundamentais da humanidade e refere-se a um conjunto de condições necessárias e essenciais para que todos os seres humanos, de forma igualitária e sem nenhum tipo de discriminação, existam, desenvolvam suas capacidades e participem plenamente e dignamente da vida em sociedade. Um contexto desafiador para a realização do direito à alimentação é o cenário do sistema prisional brasileiro. Em 2016, com 42 mil mulheres privadas de liberdade. Na Paraíba encontra-se 620 mulheres no sistema prisional do estado. A superlotação amplia a chance de exposição a precárias condições e dificulta o acesso dessa população à alimentação de qualidade, efetiva e equânime, representando assim um problema relevante no âmbito da saúde pública. O objetivo deste estudo é analisar a efetivação do direito humano à alimentação adequada de mulheres no sistema prisional da Paraíba. Trata-se de um estudo de caso único, com abordagem qualitativa, desenvolvido nas quatro penitenciárias que recebem mulheres em conflito com a lei no estado da Paraíba: O Centro de Reeducação Maria Júlia Maranhão em João Pessoa, a Penitenciária feminina de Campina Grande, a Penitenciária Feminina de Patos e a Penitenciária Feminina de Cajazeiras. Os sujeitos da pesquisa são representantes da Secretaria de Administração Penitenciária da Paraíba, nutricionista do almoxarifado geral da administração penitenciária do estado (1), coordenadora da saúde prisional (1), médica e enfermeira da equipe de saúde prisional da unidade com maior número de mulheres privadas de liberdade da Paraíba (2) diretoras das penitenciárias para mulheres do estado (4), mulheres em situação de cárcere, em regime fechado há no mínimo um ano (12) e as mulheres em situação de cárcere que desenvolvem atividade laboral nas cozinhas das penitenciárias estudadas (8), totalizando 28 participantes. A coleta de dados foi mediante entrevista semi-estruturada, diário de campo e pesquisa documental. Para a análise dos dados foi utilizado o método da Análise de conteúdo. Os resultados são apresentados através das categorias: 1- Contexto do Encarceramento Feminino na Paraíba; 2- O acesso à alimentação adequada de mulheres em situação de cárcere na Paraíba; e 3- Percepção das mulheres privadas de liberdade a respeito do direito a alimentação adequada. Observamos que o contexto do encarceramento inviabiliza a efetivação do direito à alimentação no que se refere a disponibilidade de alimentos, adequação, acessibilidade e estabilidade do fornecimento. Como conclusão, evidencia-se que as mulheres no sistema prisional da Paraíba, as dimensões do direito à alimentação que se referem a estar livre da fome e ao direito à alimentação adequada, não são efetivamente realizadas. A alimentação para o ser humano deve ser entendida como processo de transformação da natureza em gente saudável e cidadã. Para isso, é fundamental que processos que promovam o direito à alimentação considerem os princípios que se relacionam com o mesmo e, assim, superem práticas discriminatórias e autoritárias.

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ABSTRACT

The right to food is part of the fundamental rights of humanity and refers to a set of necessary and essential conditions for all human beings, in an equal way and without any type of discrimination, exist, develop their activities and participate directly and with dignity in the life in society. A challenging context for the realization of the right to food or the scenario of the Brazilian prison system. In 2016, 42,000 women were deprived of their liberty. In Paraíba, 620 women are found in the state prison system. Overcrowding increases the chance of exposure to precarious conditions and difficulty in accessing quality, effective and equitable food, showing it as a relevant problem in the field of public health. The aim of this study is to analyze the realization of the human right to adequate food for women in the Paraíba prison system. This is a unique case study, with a qualitative approach, developed in the four prisons that receive women in conflict with a law in the state of Paraíba: The Maria Júlia Maranhão Reeducation Center in João Pessoa, a female Penitentiary in Campina Grande, a Patos Women's Penitentiary and Cajazeiras Women's Penitentiary. The research subjects are representatives of the Paraíba Penitentiary Administration Secretariat, general nutritionist general store of the state penitentiary administration (1), prison health coordinator (1), doctor and nurse of the prison health team of the unit with the largest number of women prisoner of liberty in Paraíba (2) director of penitentiaries for women in the state (4), women in prison, in a closed regime for at least one year (12) and as women in prison who develop work activities in the kitchens of penitentiaries studied (8), totaling 28 participants. Data collection was carried out through semi-structured interviews, field diaries and documentary research. For data analysis, the content analysis method was used. The results are presented through the categories: 1 - Female Incarceration Context in Paraíba; 2- Access to adequate food for women in prison in Paraíba; and 3- Perception of women deprived of liberty and respect for the right to adequate food. We observed that the context of incarceration precludes the realization of the right to food with regard to food availability, adequacy, accessibility and stability of supply. In conclusion, evidence that it is not a prison system in Paraíba, as dimensions of the right to food that refer to being free from hunger and the right to adequate food, are not effectively implemented. Food for humans must be understood as a process of transforming nature into healthy and citizens. For this, it is essential that processes that promote the right to food consider the principles that relate to it and, therefore, overcome discriminatory and authoritarian practices.

Key words: Food and Nutrition Security; Prisons; Women; Health Policy

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1. Categorias e subcategorias da análise dos dados...36

Quadro 2. Caracterização das Informantes-Chave...45

Quadro 3. Caracterização das Colaboradoras Cozinheiras...46

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 12 2 REVISÃO DA LITERATURA ... 17 3 OBJETIVOS ... 30 3.1 OBJETIVO GERAL ... 30 3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ... 30 4 MÉTODO ... 31 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO ... 39 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS...72 REFERÊNCIAS ... 75 APÊNDICES ... 83 ANEXOS ... 86

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1 INTRODUÇÃO

A alimentação é assegurada como direito humano, no âmbito internacional, através da Declaração Universal de Direitos Humanos, datada de 1948 (ONU, 1948), do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – PIDESC, de 1992 e, posteriormente, em 1996, pela Cúpula Mundial da Alimentação, organizada pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), onde se associou definitivamente o papel fundamental do direito à alimentação a todas e todos.

De acordo com o relatório anual da FAO, intitulado “O estado da segurança alimentar e da nutrição no mundo”, publicado em 2019, cerca de 820 milhões de pessoas no mundo não tiveram acesso suficiente a alimentos em 2018, em 2017 o número apresentado foi 811 milhões, apontando para um crescimento consecutivo da fome no contexto mundial, principalmente em países com crescimento econômico estagnado. Além disso, o relatório apresenta e denuncia o crescimento da desigualdade de renda em países onde há o aumento da fome, tornando mais agravante a situação de pessoas vulneráveis e marginalizadas. Outro dado importante diz respeito a probabilidade de sofrer insegurança alimentar maior para mulheres do que para homens em todos os continentes, com maior diferença na América Latina (FAO, 2019).

No Brasil, a alimentação como direito social foi assegurada a partir do ano de 2010, com a Emenda Constitucional nº 64 (BRASIL, 2010). O conceito de Direito Humano a Alimentação Adequada (DHAA) pressupõe a garantia da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) (MALUF, 2010), que diz respeito a uma alimentação que contemple os aspectos biológicos e sociais, atendendo aos princípios da variedade, equilíbrio, moderação, prazer (sabor), às dimensões de gênero e etnia, e às formas de produção sustentáveis e seguras (BRASIL, 2006).

São marcos políticos e sociais importantes nesse sentido, a saber: em 2003 a criação do Programa Fome Zero, para o qual todas as políticas sociais deveriam convergir; em 2004 a criação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) assumindo a responsabilidade federal pelo Programa Fome Zero juntamente com a SAN; a partir de 2004, a realização das Conferências Nacionais de Segurança Alimentar e Nutricional, com frequência quadrienal; em 2006 a recriação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA); e em 2014 a saída do Brasil do Mapa da Fome.

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O CONSEA propiciou, entre outras relevantes providências, a aprovação da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN), em que fortalece que a SAN seja entendida como um fenômeno cujo enfrentamento não pode prescindir de caminhos como a intersetorialidade e o diálogo interdisciplinar (VASCONCELOS, 2013). Dessa forma, de acordo com o Art. 2º da LOSAN, a alimentação adequada é definida como direito fundamental do ser humano, inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos consagrados na Constituição Federal, devendo o poder público adotar as políticas e ações que se façam necessárias para promover e garantir a segurança alimentar e nutricional da população (BRASIL, 2006).

Nos últimos anos o Direito Humano à Alimentação Adequada não tem sido prioridade nas agendas políticas inerentes ao governo federal. Desde 2016 o Brasil vem vivenciando retrocessos em torno da SAN, como a extinção de programas, ações e estratégias governamentais, iniciados pelo presidente Lula, com o Fome Zero, no começo de seu governo e continuados pela presidenta Dilma Rousseff, que possibilitaram, na ultima década, dar um passo significativo em torno da redução das desigualdades e enfrentamento da fome, como a saída do Brasil do Mapa da Fome. Atualmente tem seguido um caminho contrário ao anterior. Segundo a Síntese de Indicadores Sociais (SIS), do IBGE, entre 2016 e 2017, a pobreza da população passou de 25,7% para 26,5%. Já os extremamente pobres, que vivem com menos de R$ 140 mensais, pela definição do Banco Mundial, saltaram de 6,6%, em 2016, para 7,4%, em 2017 (IBGE, 2018).

Em janeiro de 2019, uma das primeiras medidas da atual gestão do governo federal foi a extinção do CONSEA, que representava um órgão institucional da participação da sociedade nas políticas voltadas a SAN e na articulação da administração pública que defenda os cidadãos da violação do Direito Humano à Alimentação Adequada. A Medida Provisória – MP Nº870, de 1º de janeiro de 2019, recebeu mais de 500 emendas parlamentares, entre estas a que recriava o CONSEA, em resposta às manifestações e luta da sociedade civil contrária a MP. Apesar do posicionamento contrário da população, o governo federal sancionou, no dia 18 de junho de 2019, a Medida Provisória Nº 870, agora Lei Nº 13.844. A confirmar essa Lei, o presidente Jair Bolsonaro vetou o inciso que trata sobre a recriação do órgão (BRASIL, 2019).

Outra mudança, a partir da MP Nº 870 é a reestruturação dos ministérios, onde a responsabilidade pela Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN) passa a ser competência do Ministério da Cidadania.

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O conceito de Direito Humano à Alimentação Adequada é abrangente e refere a disponibilidade de alimentos, adequação, acessibilidade e estabilidade do fornecimento. Além disso, o direito à alimentação tem duas dimensões: a primeira diz respeito ao direito de estar livre da fome e a segunda dimensão refere-se ao direito à alimentação adequada. Para realizar as duas dimensões é fundamental a utilização de todos os direitos humanos (ABRANDH, 2010).

Embora a abrangência do conceito de alimentação adequada e das dimensões do direito à alimentação não seja de conhecimento de todos, e a falta desse conhecimento fragiliza a participação das pessoas na exigência da sua realização, o não cumprimento da obrigação de promover alimentação a todos por parte do Estado constitui um ato ilícito (BRASIL, 2014).

O direito à alimentação é um tema estimulante para problematização e motiva a reflexão desde a sua construção histórica até sua inclusão, ainda recente, entre os direitos sociais. Também produz discussões sobre seu significado e alcance, tanto pelo desafio de sua concretização social, como, especialmente, para grupos sociais minoritários, a exemplo das pessoas privadas de liberdade (DUNCK, 2017).

Embora a liberdade seja restringida e os direitos políticos suspensos, as pessoas presas não perdem a dignidade da pessoa humana. A Lei de Execução Penal, em seu Art. 3º, determina que “Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos atingidos pela sentença ou pela lei” (BRASIL, 1984).

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nas unidades prisionais do Brasil, no período de 2010-2011, a alimentação das pessoas privadas de liberdade não pode ser considerada adequada. Nos relatórios oficiais do CNJ a ausência ou escassez de água potável, a má qualidade ou insuficiência da alimentação fornecida as pessoas presas em várias unidades prisionais do país aparecem como regra. Desse modo, verifica-se que a realização do direito à alimentação não tem grande efetividade na realidade das pessoas privadas de liberdade no sistema prisional, que reflete ainda como um problema de saúde pública (DUNCK, 2017).

Diante desse cenário que aponta para a violação do direito à alimentação das pessoas privadas de liberdade, compreendendo que este direito básico antecede outros direitos, as instituições do âmbito da justiça devem atuar para concretizar a sua efetivação. No entanto, é indispensável considerar que quando se trata de grupos vulneráveis, a exclusão se torna ainda maior em relação à população feminina, principalmente quando são negras, indígenas,

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lésbicas, residentes em área rural e em condição de cárcere, fatores que aumentam a situação de vulnerabilidade, exclusão, opressão e violação de direitos (FRANÇA, 2016).

No Brasil, é cada vez maior a população feminina em situação de cárcere. Dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias revelam que, em 2016, a população prisional feminina atingiu a marca de 42 mil mulheres privadas de liberdade, o que representa um aumento de 656% em relação ao início dos anos 2000 (BRASIL, 2018).

Esta realidade expõe as precárias condições de confinamento que muitas vezes impossibilitam o acesso dessas mulheres a direitos básicos como o direito à alimentação e à saúde. A maioria das mulheres encarceradas se caracteriza por ser jovens, com filhos, baixo nível de escolaridade e renda familiar precária que pode contribuir para maior condição de vulnerabilidade (LIMA, 2013).

Considerando que a alimentação das mulheres que vivem sob o sistema prisional ainda é pouco conhecida no Brasil e que a própria escassez de sistematização sobre o tema aponta para necessidade de analisar esse espaço, considerando ainda que os estudos publicados contemplam mais os aspectos sanitários e da gestão da alimentação coletiva do que o aspecto do direito humano, cabe ressaltar a originalidade desta dissertação em seu esforço teórico e metodológico, no contexto da saúde pública, ao investigar a temática sobre o Direito Humano à Alimentação Adequada de mulheres no sistema prisional.

A realização do direito humano à alimentação às mulheres privadas de liberdade pressupõe a existência de políticas públicas especificas que visem a efetividade deste direito e o monitoramento da implementação dessas políticas, de maneira que sejam coerentes na concretização deste direito nos presídios brasileiros. Neste contexto, as instituições de justiça devem corroborar para construção do significado e alcance do direito à alimentação adequada observando-se as disposições da Lei Orgânica da Segurança Alimentar e Nutricional e exigir a concretização desse direito na realidade das mulheres privadas de liberdade (DUNCK, 2017).

Para criar estratégias em torno da efetivação do direito à alimentação das mulheres privadas de liberdade é necessário escutá-las e possibilitar sua participação na construção de diagnósticos, propostas e monitoramento, bem como perceber a compreensão de outros sujeitos importantes, na responsabilidade dessa temática no sistema prisional, como os trabalhadores e gestores que atuam nesse campo. Nesse sentido, a questão que norteia este estudo é: Como se caracteriza o Direito Humano à Alimentação Adequada de mulheres privadas de liberdade na Paraíba?

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Pressupõe-se que o Direito Humano à Alimentação Adequada, que contempla acesso, disponibilidade, adequação e estabilidade não seja efetivado para as mulheres privadas de liberdade na Paraíba.

Vislumbrando tal pressuposto, o objetivo deste estudo é analisar a efetivação do Direito Humano à Alimentação Adequada em mulheres privadas de liberdade na Paraíba, este estudo também pretende dar visibilidade ao tema, que apresenta uma literatura escassa, e colaborar com a ampliação do conhecimento sobre o direito à alimentação de mulheres no sistema carcerário feminino. Nessa perspectiva, buscaremos a compreensão de elementos importantes que poderão subsidiar formulação de políticas públicas voltadas à garantia de melhores condições de vida, bem como a implementação da legislação vigente.

Além disso, a temática da alimentação e nutrição está contemplada na Agenda Nacional de Prioridades de Pesquisa em Saúde (BRASIL, 2018), que deve gerar produtos que ampliem os horizontes da inserção desse tema voltado às populações específicas e marginalizadas também no campo da pesquisa. Dessa forma, produzindo subsídios que contemplem e direcionem ações em torno desses segmentos sociais no escopo das políticas de saúde com ênfase na alimentação e nutrição.

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2 REVISÃO DA LITERATURA

2.1 CENÁRIO DO ENCARCERAMENTO DE MULHERES NO BRASIL

A criação do sistema penitenciário feminino, teve início com o Decreto de Lei 12.116 em 11 de agosto de 1941, onde o governo brasileiro formalizou a criação de presídios femininos, que tinha como objetivo principal separar homens e mulheres no sistema carcerário. Através do seu Art. 1º “É criada junto a Penitenciária do Estado e sujeita às leis e regulamentos em vigor, no que lhe for aplicável, uma seção destinada ao ‘Presídio de Mulheres’, subordinadas à administração daquele estabelecimento” (GRINCHPUM; MARTINS, 2016).

No Brasil, a perspectiva de gênero é pouco considerada nas discussões e pesquisas sobre o cenário de encarceramento. Os dados oficiais sobre encarceramento de mulheres no país têm como objetivo promover um avanço qualitativo na produção e divulgação de informações penitenciárias, porém quando se discute política criminal a ausência de informações sobre as mulheres presas dificulta a geração de afirmações que representem de fato a situação do sistema penitenciário feminino brasileiro (ITTC, 2017).

Documentos oficiais como o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias- 2018, o Mapa do Encarceramento - 2014 e o Mapa da Violência - 2015 indicam o crescimento da população carcerária de mulheres desde o ano 2000 (OLIVEIRA, 2017).

De acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – Infopen Mulheres (2018), o número de mulheres privadas de liberdade no Brasil em Junho de 2016, é de 42.355. As unidades que participaram do levantamento somam 27.029 vagas disponibilizadas para mulheres. A taxa de ocupação é de 156,7% e o déficit global de 15.326 vagas, somente entre mulheres. Importante considerar que os números apresentados no relatório acerca desta população encontram-se subnotificados por falta de informações disponibilizadas pelos estados da federação sobre as mulheres em situação de cárcere (BRASIL, 2018). O Infopen Mulheres, em sua segunda edição, e a mais recente, publicada em 2018, com dados de até junho de 2016, não superou a baixa adesão dos estados na sistematização e disponibilização de dados que possam ser representativos e confiáveis em relação ao número total de mulheres encarceradas no Brasil (BRASIL, 2018).

Mesmo com números subnotificados de mulheres privadas de liberdade, o Brasil encontra-se na quarta posição mundial, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, da China e

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da Rússia em relação ao tamanho absoluto de sua população prisional feminina. Quanto à taxa de aprisionamento, que indica o número de mulheres presas para cada grupo de 100 mil mulheres, o Brasil, com taxa de 40,6, ocupa a terceira posição entre os países que mais encarceram, ficando atrás apenas dos Estados Unidos (65,7) e da Tailândia (60,7) (BRASIL, 2018).

A Constituição Brasileira, em seu artigo 5º, prevê que a pena seja cumprida em estabelecimentos apropriados, determinado pela natureza do delito, a idade e o sexo. Porém, na prática essa determinação não acontece, pelo elevado número da população carcerária (GRINCHPUM; MARTINS, 2016).

A população prisional feminina no Brasil atingiu, em junho de 2016, um aumento de 656% em relação ao total registrado no início dos anos 2000, quando 6 mil mulheres se encontravam no sistema prisional, hoje essa realidade é representada por 42 mil mulheres. No mesmo período em 2016, 45% das mulheres presas no Brasil não haviam sido ainda julgadas e condenadas. Nesse cenário, a taxa de ocupação é de 156,7%, o que significa dizer que em um espaço destinado a 10 mulheres, encontram-se custodiadas 16 mulheres no sistema prisional (BRASIL, 2018).

Com relação ao perfil sociodemográfico da população feminina privada de liberdade no Brasil, 50% é formada por mulheres jovens com até 29 anos, 62% composta por mulheres negras, 66% da população prisional feminina não acessou o ensino médio, tendo concluído, no máximo, o ensino fundamental e apenas 15% concluiu o ensino médio. Com relação ao estado civil, 62% da população prisional é solteira. No que se refere a existência de pessoas com deficiência, 1% da população prisional feminina é composta por mulheres com deficiência, onde a maior parte destas mulheres apresenta deficiência intelectual, seguida pela proporção de pessoas com deficiência física (BRASIL, 2018).

Informações acerca da quantidade de filhos das pessoas presas são pouco disponíveis em todo o país, mas é um dado importante considerando o impacto do encarceramento sobre as famílias e comunidades das pessoas presas. Apenas 7% (2.689 mulheres) da população prisional feminina, em Junho de 2016, tinha disponível dados sobre número de filhos. Nesse sentido, dada a baixa representatividade da amostra, não é possível extrair conclusões para a totalidade da população prisional feminina no Brasil. No entanto, as informações referentes às 2.689 mulheres revela que 74% das mulheres privadas de liberdade têm filhos (BRASIL, 2018).

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Com relação a natureza dos crimes, o tráfico de drogas corresponde a 62% das incidências penais pelas quais as mulheres privadas de liberdade foram condenadas ou aguardam julgamento e esse número expressa que 3 em cada 5 mulheres que se encontram no sistema prisional respondem por crimes ligados ao tráfico. Em seguida está o roubo (11%) e furto (9%) (BRAIL, 2018).

A maioria das mulheres está em situação de cárcere por tráfico de drogas, muitas vezes por serem envolvidas em relacionamentos com traficantes (OLIVEIRA, 2017). Para Lagarde (2005), são dois os tipos de mulheres ligadas às drogas: as que são presas por cometerem delito ao lado de seus companheiros e as que são pressionadas a cometer delito pelo homem preso, principalmente quando há visita ao encarcerado, que representa uma das obrigações cumpridas aos presos.

Quanto ao tempo total da pena, 70% das mulheres privadas de liberdade foi condenada a até, no máximo, 8 anos de prisão (BRASIL, 2018).

No que tange a gestão de serviços penais e garantias de direito, o sistema de informação do Departamento Penitenciário Nacional deve ser alimentado com informações sobre acesso à saúde, educação e trabalho. Segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias de 2018, 84% das mulheres privadas de liberdade encontra-se custodiada em unidades que contam com estrutura prevista no módulo de saúde; 25% da população prisional feminina está envolvida em algum tipo de atividade educacional, entre aquelas de ensino escolar e atividades complementares; e 24% da população prisional feminina está envolvida em atividades laborais, internas e externas aos estabelecimentos penais (BRASIL, 2018).

Diante do perfil do cenário de encarceramento feminino no Brasil, apesar da escassa perspectiva de gênero na política criminal, é possível identificar um crescimento com relação a atenção pelo poder público ao sistema prisional feminino. Entre as medidas que apontam essa mudança, está a publicação da tradução oficial das Regras de Bangkok pelo Conselho Nacional de Justiça, em 8 de março, dia internacional de luta das mulheres, de 2016, fruto de uma articulação com o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania e com a Pastoral Carcerária. Este documento original da Organização das Nações Unidas apresenta diretrizes para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras (ITTC, 2017).

As Regras de Bangkok tem como objetivo promover o enfrentamento à desigualdade e violência de gênero e buscar mudanças do panorama relacionado com o encarceramento feminino no país, considerando que este documento internacional se baseia no

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reconhecimento da condição de desigualdade social a que a mulher está inserida para estabelecer obrigações aos Estados em matéria de justiça criminal. Uma das obrigações apontadas é a aplicação de alternativas ao encarceramento, que inclui alternativas à prisão provisória (BRASIL, 2016).

Ainda no dia 8 de março de 2016, foi sancionado e publicado pela presidenta Dilma Rousseff o Marco Legal de Atenção à Primeira Infância - Lei n.º 13.257/16, que altera, entre outros, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/90) e o Código de Processo Penal. A alteração aumenta as possibilidades de substituição da prisão preventiva pela domiciliar, que integra o artigo 318 do Código de Processo Penal (ITTC, 2017).

No âmbito do Poder Executivo, foi instituída a Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional – PNAMPE, pela portaria interministerial nº 210, de 16 de janeiro de 2014. O objetivo dessa política é reformular as práticas do sistema prisional brasileiro, contribuindo para a garantia dos direitos das mulheres, nacionais e estrangeiras, por meio de uma política pública integrada de acesso aos serviços básicos públicos e por meio de produção de dados que norteiem as políticas públicas (BRASIL, 2014).

Apesar das iniciativas do sistema de justiça à aplicação de medidas que visa diminuir a desigualdade de gênero no encarceramento, ainda há muitos desafios para a transformação da realidade no que diz respeito as violações de direitos ligadas as mulheres em privação de liberdade. Desvendar e compreender as situações de violências, inclusive institucionais, e a inclusão de mudanças no processo criminal são tarefas necessárias e urgentes à aplicação concreta de alternativas às mulheres em conflito com a lei (ITTC, 2017).

O encarceramento de mulheres submete essa população a poderes que obrigatoriamente projetam suas vidas para outros, sendo apropriadas pela sociedade e pela cultura, pela mediação dos outros, do seu corpo e de sua subjetividade, de sua autonomia (OLIVEIRA, 2017). As mulheres presas estão submetidas à prisão de maneira ampla e suas vidas são definidas por seus delitos que são definidos por instituições de poder (estatais e sociais) e por indivíduos envolvidos no delito e na coerção (LAGARDE, 2005).

O elevado crescimento da população feminina no sistema prisional e a alta taxa de ocupação, em detrimento da capacidade estrutural e condições inadequadas no cárcere, favorecem a vulnerabilidade das pessoas em situação de privação de liberdade e tanto sustenta quanto agrava a não preservação ou a violação dos direitos humanos (OLIVEIRA, 2013). Para Goffman (1999), a justiça não predomina em ambientes de reclusão. Dentro do cárcere, toma

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forma no descaso generalizado em relação à saúde, na estrutura precária, na alimentação inadequada e na violência que substitui o cuidado.

A privação da liberdade corporal implica a privação da liberdade relativa do sujeito, considerando que nenhuma ação, atividade, trabalho ou repouso, nada que se faça na prisão é similar ao correspondente realizado fora dela. Nesse contexto, a privação da liberdade corporal repercute em outras privações, como a ruptura física e a dificuldade de manter relações familiares; a exclusão do trabalho, a ruptura com relações e atividades que apoiam a identidade de cada pessoa (OLIVEIRA, 2017). A privação de liberdade está sempre acompanhada por outras penas, que, marginalizam a mulher na sociedade, na política, no jurídico (LAGARDE, 2005).

A ineficácia do sistema penal é contraditória e causadora de erros, pois ocupa o lugar de igualdade formal entre os sujeitos de direito concomitante com a desigualdade considerável, reforçada pelo próprio sistema criminal, que determina as chances de alguém ser etiquetado como criminoso” (MENDES, 2014).

Diante desse cenário, onde se apontam desafios de várias perspectivas como estruturais, sociais, políticos e jurídicos, a reformulação do sistema de justiça criminal, que deve abranger não só o direito penal e a criminologia, mas o controle social, é necessária enquanto possibilidade de reverter impactos das características do sistema penal baseado na prisão punitiva (OLIVEIRA, 2017).

O cenário de encarceramento feminino pode ser refletido pela criminologia, nome dado à ciência que estuda a criminalidade a partir das condições da criminalização, o sistema penal, os mecanismos do controle social e o comportamento da pessoa em conflito com a lei, que, entre as suas classificações, apresenta a criminologia crítica, a qual se posiciona à luz das ideias do marxismo (SUMARIVA, 2017).

A criminologia crítica é uma alternativa teórico-ideológica, fundada no materialismo dialético, que lentamente supera o paradigma etiológico, enquanto uma criminologia de denúncia, de oposição à violência, à desigualdade e à opressão, que desafia as relações existentes e representa uma manifestação contra o poder das classes dominantes, representadas pelo Estado (CIRINO DOS SANTOS, 2014).

Esta classificação da criminologia trabalha a partir da ideia de criminalidade como “bem negativo” desigualmente distribuído de acordo com as prioridades do sistema socioeconômico e com a posição social do indivíduo (OLIVEIRA, 2017). Ainda que os teóricos e clássicos marxistas não aprofundassem sobre a questão criminal, muitos apontaram

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o caráter classista do poder punitivo. Nesse sentido, a criminologia crítica na América Latina é comprometida com a problematização e crítica ao sistema de justiça criminal e com o enfrentamento da opressão e da violação dos direitos humanos. Nessa direção, se consolida pelo caráter de movimento de resistência sem perder a sua ligação política com a transformação social (ANDRADE, 2012).

A partir da vertente crítica, outro modelo de pensamento jurídico que questiona o encarceramento como medida de punição, diz respeito a criminologia feminista. Com aporte teórico da categoria gênero, tem por objetivo trazer para o centro dos estudos criminológicos a perspectiva das mulheres, a fim de criar novos modelos, parâmetros e paradigmas que considere o papel da mulher interpretado por ela mesma (OLIVEIRA, 2017).

Mendes (2014) explica que o paradigma feminista implica uma mudança radical e completa nas perspectivas de gênero, de modo que não se limite a novas análises ao sistema falho. Nesse sentido, o autor destaca que, adotar o ponto de vista feminista significa uma transformação epistemológica, que deve partir da realidade vivida pelas mulheres, dentro e fora do sistema de justiça criminal.

Essa perspectiva de discussão sobre sistema que aumenta a opressão vivenciada pelas mulheres pode ser refletida através do texto de Simone de Beauvoir (1980), em seu clássico O Segundo Sexo, uma das obras fundadoras do feminismo do século XX, onde afirma que diferenças físicas entre os sexos não mais poderiam justificar uma hierarquia social e política. A obra ainda denuncia que, por ser criada dentro de uma mesma estrutura de sociedade, a opressão está articulada em todos os aspectos do problema das relações entre os sexos, nas categorias sociológicas, econômicas e psicológicas (OLIVEIRA, 2017).

Tanto a criminologia crítica quanto o feminismo são movimentos de libertação que lutam pela abolição da injustiça e opressão (GERLINDA SMAUS, 1991). Baratta (1999) explica que não é mais possível analisar o fenômeno criminal sem considerar a perspectiva de gênero. Consequentemente a criminologia crítica não pode mais afastar-se do feminismo, sendo necessária a construção de uma única criminologia crítica feminista (CIRINO DOS SANTOS, 2014).

Sendo assim, a luta pela tomada de consciência da problemática que envolve o cenário de encarceramento feminino tanto por parte da sociedade civil, das entidades e grupos defensores dos direitos, como do poder público, tem unido esforços para diagnosticar e elaborar iniciativas nas políticas criminais e sistema prisional com intuito de abolir formas de

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violências e violações de direitos que prejudicam mulheres nas instituições penais no Brasil (ARRUDA, 2015).

2.2 DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO DE MULHERES PRIVADAS DE LIBERDADE

De acordo com Valente (2002), os Direitos Humanos são todos “aqueles que os seres humanos possuem, única e exclusivamente, por terem nascido e serem parte da espécie humana”. Esses direitos referem-se a um conjunto de condições necessárias e essenciais para que todos os seres humanos, de forma igualitária e sem nenhum tipo de discriminação, existam, desenvolvam suas capacidades e participem plenamente e dignamente da vida em sociedade (BRASIL, 2016).

No âmbito internacional, os Direitos Humanos foram firmados através da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e reafirmados pelos Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1992), “ambos ratificados pelo Brasil e incorporados à legislação nacional por meio de Decretos Legislativos” (VALENTE, 2002).

A Declaração Universal dos Direitos Humanos inclui a alimentação em seu artigo 25, parágrafo 1°: “Todos têm direito a um padrão de vida adequado à saúde e ao bem estar próprio e de sua família, incluindo alimentação” (RUDNICKI; PASSOS, 2012). Assim, o Direito Humano à Alimentação é parte desses direitos fundamentais da humanidade. Ou seja, é um direito inalienável, que deve ser assegurado pelo Estado, através de leis e políticas sociais públicas.

O Direito à Alimentação, como direito fundamental, foi incluído na Constituição Federal (CF), passando a figurar como direito social no seu artigo 6°, após a Emenda Constitucional 064/2010, que incluiu o direito à alimentação entre os direitos individuais e coletivos. Sendo assim, o artigo passou a ter a seguinte redação: “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL, 2013).

Entendendo que alimentação é uma necessidade básica -- diferenciada do querer, dos desejos, das vontades, na medida em que implica a “ocorrência de sérios prejuízos à vida material dos homens e à atuação destes como sujeitos (informados e críticos) caso não sejam

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adequadamente satisfeitas (GOMES JUNIOR, 2015 apud PEREIRA, 2002) --, e compreendendo direitos básicos como o direito à satisfação dessas necessidades humanas, o direito à alimentação adquire um caráter indivisível e não hierarquizável em relação a outros direitos.

Comer não pode se reduzir à mera sobrevivência biológica. É mais do que reprodução da espécie. Alimentação, enquanto direito básico, deve sair da noção de urgência, de simples acesso a produtos alimentícios, para alcançar a satisfação da necessidade psicológica, cultural, espiritual e histórica dos seres humanos. Segundo Valente (2002), a alimentação adequada é fundamental para a construção de seres humanos saudáveis, conscientes de seus direitos e deveres como cidadãs e cidadãos do Brasil e do mundo e da sua responsabilidade para com seus descendentes. Portanto, a alimentação adequada não pode ser reduzida a uma ração nutricionalmente balanceada.

O autor ainda aborda o conceito da fome e da alimentação, num panorama de Direitos Humanos, incorporando as dimensões relacionadas a diferentes aspectos como, história, cultura, psicologia e espiritualidade dos seres humanos, incluindo a questão básica da dignidade humana. Neste sentido, explica Valente (2002, p. 57):

Ver os filhos passarem fome é passar fome. Comer lixo é passar fome. Comer o resto do prato dos outros é passar fome. Passar dias sem comer é passar fome. Comer uma vez por dia é passar fome. Ter que se humilhar para receber uma cesta básica é passar fome. Trocar a dignidade por comida é passar fome. Ter medo de passar fome é estar cativo da fome. Estar desnutrido também é passar fome, mesmo que a causa principal não seja falta de alimento.

A fome enquanto fenômeno central para a compreensão da alimentação como direito humano só foi visibilizada a partir da contribuição teórica das obras apresentadas por Josué de Castro, inicialmente por volta de 1950. A maior delas, Geografia da Fome, traduzida para mais de 40 idiomas, consolidou o conceito de que a fome era um problema social, resultante da forma de organização social da produção e distribuição dos alimentos. Dessa forma, a fome e a desnutrição não são uma ocorrência natural, mas resultado das relações sociais e de produção que os homens estabelecem entre si. Tendo a fome razões políticas, deveria ser superada por meio da modificação das estruturas sociais que a ocasionam (MOVIMENTO SEM TERRA, 2015). Josué de Castro foi ainda fundador, diretor, influenciador da criação ou participante dos primeiros órgãos públicos brasileiros voltados para a questão alimentar nacional (SILVA, 2016). Ele inicia sua obra Geografia da Fome questionando a omissão em torno da fome como um tema ainda muito invisibilizado naquela época:

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25 [...] Quais são os fatores ocultos desta verdadeira conspiração de silêncio em torno da fome? Trata-se de um silêncio premeditado pela própria alma da cultura: foram os interesses e os preconceitos de ordem moral e de ordem política e econômica de nossa chamada civilização ocidental que tomaram a fome um tema proibido, ou pelo menos pouco aconselhável de ser abordado publicamente (CASTRO, 1984, p.29).

Nessa perspectiva, considerando a complexidade da fome e da alimentação na visão ampla dos Direitos Humanos, no mesmo ano em que foi incluído o direito à alimentação na Constituição Federal, também foi implantada a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN), com vistas a assegurar o Direito Humano à Alimentação Adequada (BRASIL, 2010). Outro marco importante no contexto da nutrição e alimentação no Brasil foi a publicação da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) com objetivo de melhorar as condições de alimentação, nutrição e saúde da população brasileira, mediante a promoção de práticas alimentares adequadas e saudáveis, a vigilância alimentar e nutricional, a prevenção e o cuidado integral dos agravos relacionados à alimentação e nutrição (BRASIL, 2012).

A alimentação adequada é um direito humano básico e para que seja cumprido é fundamental a Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), que é definida no Brasil como a garantia do direito de todos ao acesso a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente e de modo permanente, com base em práticas alimentares saudáveis e respeitando as características culturais de cada povo (MALUF; MENEZES, 2012).

A alimentação é adequada quando é nutricionalmente balanceada - de acordo com o ciclo de vida e as necessidades alimentares -, saborosa, culturalmente apropriada, amplamente variada, predominantemente de origem vegetal, in natura ou minimamente processada, livre de transgênicos e de contaminantes físicos, biológicos ou químicos, como os agrotóxicos (BRASIL, 2017). A alimentação adequada deve ter origem de sistema alimentar sustentável, fundado em princípios da agroecologia, que referem a biodiversidade, resiliência, eficiência energética, justiça e proporciona a manutenção de culturas alimentares, a valorização do alimento de qualidade, à educação alimentar, a melhoria da saúde, assim como ações que tratam o mercado a partir da ótica dos consumidores e valoriza a sustentabilidade ambiental, social, cultural e econômica (MOVIMENTO SEM TERRA, 2015).

A agroecologia está fortemente vinculada à noção de soberania alimentar que definida, de acordo com o Fórum Mundial de Soberania Alimentar (2001), como o direito dos povos a definir suas próprias políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo

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de alimentos que garantam o direito à alimentação para toda a população, respeitando suas próprias culturas e a diversidade dos modos camponeses, pesqueiros e indígenas de produção agropecuária, de comercialização e de gestão dos espaços rurais, nos quais a mulher desempenha um espaço fundamental, uma vez que toca a elas, principalmente, a provisão da casa e a lida associada à produção dos alimentos que vão à mesa da família.

Para os movimentos sociais agrários, como a Via Campesina e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, a articulação da luta dos povos em defesa da alimentação adequada compreende que, apesar de distintos, os conceitos de Soberania Alimentar e Segurança Alimentar e Nutricional se relacionam de modo que o acesso à alimentação adequada, condição para realização do direito à alimentação, não pode perder de vista seu modelo de produção, o que torna a Soberania Alimentar elementar e que abarca a noção de Segurança Alimentar e Nutricional (GOMES JUNIOR; ANDRADE, 2013).

É com a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN), de 2006 que é criado o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), onde se assegura o direito à alimentação como um direito básico. A LOSAN afirma que a SAN é condição necessária ao direito à alimentação, e considera as dimensões “sociais, econômicas, ambientais, culturais e regionais, o respeito à soberania dos países para estabelecer o que e como produzir alimentos e como consumi-los, respeitando os hábitos e as práticas culturais dos povos, sem perder de vista tudo o que se relaciona às exigências de uma vida saudável” (GOMES JUNIOR, 2015; p. 181).

Dentre os desafios identificados pelo Plano Nacional de SAN (PLANSAN 2016- 2019), ainda se faz presente a necessidade de promoção do “acesso universal à alimentação adequada e saudável, com prioridade para as famílias e pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional” (BRASIL, 2017). Nisso se inclui o Direito à Alimentação no sistema penitenciário brasileiro.

Para Valente (2002, p. 20), “a alimentação é um direito do cidadão, e a Segurança Alimentar e Nutricional para todos é um dever do Estado e responsabilidade da sociedade”. Ou seja, independente da situação em que se encontre o ser humano, é tarefa do Estado assegurar a sua segurança alimentar e nutricional, para além dos “riscos de um colapso biológico da vida, motivados pela fome e pela desnutrição” (GOMES JUNIOR, 2015 p. 46).

Qual é a alimentação devida para quem viola as leis do Estado? Sobre essa questão declara Coyle (2002, p. 58):

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27 Já foi mencionado o dilema que as administrações penitenciárias podem ter de enfrentar em países onde a população, de um modo geral, sofre de fome devido à falta de alimentos nutritivos em quantidades suficientes. Nesses casos, deve-se aceitar o fato de que os presidiários não possam receber alimentos nutritivos em quantidades suficientes porque os cidadãos cumpridores da lei também estão sofrendo nesse aspecto. É possível compreender esse argumento. Entretanto, ao privar as pessoas de sua liberdade, o Estado assume a obrigação de cuidar delas adequadamente. Trata-se de uma obrigação absoluta que não pode ser desconsiderada.

A Lei de Execução Penal possui regramento específico que visa oportunizar sua assistência da pessoa em cárcere. Assim, no artigo 11, consta que o auxílio será material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa e no artigo 12 diz que o subsídio material ao preso consistirá no fornecimento, dentre outros, de alimentação (RUDNICKI; PASSOS, 2012).

Portanto, não se trata de enfrentar simplesmente as restrições de acesso aos alimentos por parte daqueles que, por se encontrarem privados de liberdade, não possam alcançá-los. Trata-se, na síntese de Gomes Junior (2015, p.47) sobre a tese de Valente (2002), “de assegurar a qualquer cidadão, independentemente de quaisquer condições, que seu direito esteja garantido”. Sendo assim, o direito à alimentação das pessoas em situação de privação de liberdade só pode ser garantido se considerado como um dos direitos básicos, fundamentais para o prosseguimento da vida dos sujeitos encarcerados.

No âmbito do sistema prisional, a Portaria Interministerial do Ministério da Saúde e do Ministério da Justiça nº 1, de 2 de janeiro de 2014, institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional e orienta a implantação de ações de promoção da saúde que garantam alimentação adequada, atividades físicas, garantia de condições salubres de confinamento e acesso a atividades laborais (BRASIL, 2014).

Em seguida, voltado para a população feminina no sistema prisional, é publicada a Portaria Interministerial nº 210 de 16 de janeiro de 2014, que institui a Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional, que apresenta, enquanto diretriz, a humanização das condições do cumprimento da pena, garantindo os direitos básicos, entre eles a alimentação e, enquanto meta, determina a assistência material, incluindo a alimentação, o respeito aos critérios nutricionais básicos e casos de restrição alimentar (BRASIL, 2014).

Essas legislações são importantes, do ponto de vista legal, para exigir das esferas responsáveis, o cumprimento da lei, no que tange ao direito à alimentação no contexto do

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encarceramento de mulheres. Podemos observar que este assunto vem se apresentando de maneira mais específica nos últimos anos.

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Sistema Carcerário de 2012 mostrou que o sistema prisional brasileiro desrespeita diversos direitos das pessoas em privação de liberdade, alguns básicos para a dignidade da pessoa humana, como por exemplo o de receber uma alimentação digna. Ainda assim, esse tema recebe pouca atenção tendo em vista sua significância (BRASIL, 2012).

Em 2017, foi instituída a Resolução Nº 3, de 5 de outubro de 2017 que dispõe sobre a prestação de serviços de alimentação e nutrição às pessoas privadas de liberdade e aos trabalhadores no sistema prisional e, voltada para essa resolução, a Recomendação nº 4/2017/CONSEA que estabelece parâmetros para a garantia da prestação de serviços de alimentação e nutrição às pessoas privadas de liberdade e aos trabalhadores no sistema prisional, tendo por base os princípios do direito à alimentação e as diretrizes e fundamentos do Guia Alimentar para a População Brasileira, do Ministério da Saúde (BRASIL, 2017).

Mais recente, a Resolução Nº 9, de 6 de dezembro de 2017, trata sobre o Direito Humano à Alimentação Adequada de mulheres e adolescentes em privação de liberdade, em especial gestantes, lactantes e com filhos e filhas e orienta que o direito à alimentação não deve ser interpretado em um sentido estrito ou restritivo, que o analisa em termos de um pacote mínimo de calorias, proteínas e outros nutrientes específicos. Determina também que são obrigações imediatas dos Estados que assinam o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais garantir a erradicação da fome, evitar retrocessos sociais e realizar ações para que a garantia do direito à alimentação se dê sem qualquer discriminação econômica, social, ambiental, de raça, etnia, geração ou gênero (BRASIL, 2017).

Sabendo que a saúde é consequência das condições de alimentação, habitação, educação, renda, emprego, lazer, acesso a serviços de saúde e outros, no sistema prisional o Estado passa a assumir todas essas responsabilidades, não só no sentido de proporcionar atendimentos médicos e de outros profissionais da saúde, mas também de estabelecer condições para promoção do bem estar geral (FABRIS et al., 2016).

É tarefa do Estado brasileiro enfrentar a questão social através de políticas sociais públicas que representam “respostas e formas de enfrentamento às expressões multifacetadas da questão social no capitalismo” (BEHRING, 2011).

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Explorar a questão da mulher encarcerada sob uma perspectiva crítica dos direitos humanos, com enfoque no direito humano a alimentação pode contribuir para a promoção e a proteção da saúde, proporcionando o potencial de crescimento e desenvolvimento humano, com qualidade de vida e cidadania. A violência, a criminalidade, o encarceramento em massa da população, assim como a alimentação inadequada e até mesmo a fome, são algumas das expressões da chamada questão social. Questão esta que consiste na desigualdade social decorrente das contradições do modo de produção capitalista, cujo fundamento é a exploração do capital sobre o trabalho.

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3 OBJETIVOS

3.1 OBJETIVO GERAL

Analisar a efetivação do Direito Humano à Alimentação Adequada em mulheres privadas de liberdade na Paraíba.

3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

a) Compreender as percepções de mulheres no sistema prisional a respeito do Direito Humano à Alimentação Adequada;

b) Caracterizar o acesso à alimentação de mulheres no sistema prisional da Paraíba; c) Identificar desafios e alcances para a realização do Direito Humano à Alimentação

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4 MÉTODO

4.1 CARACTERÍSTICAS DA PESQUISA

Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa, adotada por ser uma forma adequada para entender um fenômeno social em sua complexidade, buscando a possibilidade de aprofundamento nas particularidades do comportamento dos indivíduos (LEWIN; SOMEKH, 2015).

Para Landim et al. (2006), a pesquisa qualitativa trabalha com valores, crenças, representações, hábitos, atitudes e opiniões. Em vez da medição, seu objetivo é conseguir um entendimento mais profundo e, se necessário, subjetivo do objeto de estudo, sem preocupar-se com medidas numéricas e análises estatísticas. Cabe-lhes, adentrar na subjetividade que envolve os fenômenos sociais, voltando a pesquisa para grupos delimitados em extensão, porém possíveis de serem abrangidos intensamente.

O método utilizado para alcançar os objetivos desta pesquisa consiste no estudo de caso único que tem como propósito descrever e aprofundar a existência de um fenômeno, de modo a fazer uma análise generalizante. Dessa forma, contribui de maneira significativa para a compreensão que temos dos fenômenos individuais, organizacionais, sociais e políticos. Em todas essas situações, a clara necessidade pelos estudos de caso surge do desejo de se compreender fenômenos sociais complexos, que permite uma investigação para se preservar as características holísticas e significativas dos eventos da vida real (YIN, 2001).

4.2 UNIDADE DE ANÁLISE

O estudo de caso único integrado teve como unidade de análise o estado da Paraíba, e foi desenvolvido nas quatro penitenciárias femininas subordinadas a Secretaria de Administração Penitenciária da Paraíba: O Centro de Reeducação Maria Júlia Maranhão em João Pessoa, a Penitenciária Feminina de Campina Grande, a Penitenciária Romero Nóbrega em Patos e a Penitenciária Feminina de Cajazeiras.

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De acordo com relatório de população carcerária da Gerência de Inteligência e Segurança Orgânica Penitenciária- GISOP e Secretaria de Administração Penitenciária da Paraíba, em janeiro de 2019, ao todo, a população carcerária feminina no estado da Paraíba é de 487 mulheres, sendo essas 184 em regime fechado provisório e 181 sentenciadas; 77 em regime semi-aberto e 45 em regime aberto.

O estudo foi desenvolvido com três grupos de participantes, denominados Informantes-chave (trabalhadoras da gestão penitenciária), colaboradoras cozinheiras - CC (mulheres em cárcere privado cozinheiras das penitenciárias) e colaboradoras mulheres, aquelas em situação de cárcere com no mínimo 12 meses cumprindo pena em regime fechado.

O primeiro grupo foi constituído pelos informantes-chave, trabalhadoras da gestão estadual da Secretaria de Administração Penitenciária da Paraíba (SEAP), as quais são diretoras das unidades penitenciárias de João Pessoa, Campina Grande, Cajazeiras e Patos, a nutricionista do Almoxarifado Geral da SEAP, a coordenadora da Saúde Prisional, uma médica e uma enfermeira da equipe de saúde prisional totalizando 8 informantes-chave, identificadas por GP (Gestão Prisional) 1 até GP8, escolhidas de forma aleatória entre os números 1 a 8. As informantes-chave trazem contribuições sobre a caracterização da alimentação de mulheres privadas de liberdade no estado da Paraíba e na identificação de desafios, alcances e iniciativas para a realização do Direito Humano à Alimentação Adequada no sistema prisional na Paraíba.

Minayo (1996) chama a atenção para a importância do processo de definição de informantes-chave em uma pesquisa qualitativa. Para a autora, deve-se, neste momento, preocupar-se mais com o aprofundamento e a abrangência da compreensão do s sujeitos da pesquisa com o qual a pesquisa se relaciona.

Para compreender as percepções das mulheres privadas de liberdade a respeito do direito à alimentação, participaram da pesquisa as colaboradoras que são mulheres em situação de cárcere com no mínimo 12 meses cumprindo pena em regime fechado e mulheres privadas de liberdade cozinheiras das penitenciárias para mulheres.

No grupo de colaboradoras cozinheiras, foi considerado o critério de inclusão mulheres privadas de liberdade que trabalhavam nas cozinhas das penitenciárias femininas na ocasião da pesquisa. Participaram duas cozinheiras de cada penitenciária, apontadas pela direção como cozinheiras-chefe, totalizando em 8 (oito) mulheres.

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Para o grupo de colaboradoras mulheres em cárcere privado, estas foram selecionadas considerando o critério de inclusão: mulheres com permanência em cárcere, em regime fechado, há pelo menos 12 meses e que não mudaram o regime prisional durante esse período. Foram excluídas do estudo as mulheres que não aceitassem assinar o TCLE.

Participaram do estudo 12 (doze) mulheres privadas de liberdade em regime fechado há pelo menos um ano, três de cada penitenciária, alcançando a saturação na coleta de dados. Portanto, participaram do estudo um total de 28 pessoas.

Houve a tentativa de entrevistar o Secretário de Administração Penitenciária da Paraíba. O contato foi estabelecido com os assessores que responderam que o Secretário aceitava participar da pesquisa se fosse enviado por e-mail (o mesmo usado para contato com os assessores) as questões da entrevista. Neste sentido, as respostas do secretário à entrevista seriam encaminhadas também por e-mail. Essa condição não foi aceita pelas pesquisadoras deste estudo, uma vez que essas entrevistas são individuais e realizadas pessoalmente.

. 4.4 PROCEDIMENTOS E TÉCNICAS DE COLETA DOS DADOS

Para a coleta de dados foi utilizado como recursos a entrevista semiestruturada, a consulta documental e o diário de campo. De acordo com Gil (2009) a coleta de dados em estudos de caso é mais complexa do que em outras modalidades de pesquisa que utiliza uma única técnica para a obtenção de dados, apesar de outras técnicas possam ser utilizadas de forma complementar. O estudo de caso demanda a obtenção de dados a partir de técnicas diversas com intuito de qualificar os resultados obtidos. Yin (2001) apresenta que, para esse tipo de estudo, é necessária a triangulação entre diferentes fontes de dados. A escolha pela multiplicidade das fontes de dados possibilita a triangulação de evidências e amplia a confirmação de fatos e fenômenos pesquisados, aumenta a consistência dos achados e a qualidade do estudo (YIN, 2001).

4.4.1 Entrevistas

A entrevista é usada pelas ciências sociais como lócus privilegiado de análise da cultura, da ação social e da experiência, tanto de âmbito pessoal como social, colocando em causa a natureza da cultura e da condição humana (CASTELLANOS, 2014).

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Foi utilizada a técnica de entrevista semiestruturada em profundidade, sendo caracterizada pela utilização de um roteiro aberto. Segundo Quaresma e Boni (2005), essa técnica reflete à combinação de perguntas abertas e fechadas, onde o participante tem a possibilidade de discorrer sobre o tema proposto. Caracteriza-se como semiestruturada ou em profundidade quando o pesquisador realiza outras indagações dentro da temática norteadora, como forma de buscar a compreensão do que o participante está narrando. A entrevista, no entanto, não tem por objetivo buscar respostas verdadeiras, mas captar as subjetividades presentes no discurso do sujeito (MORÉ, 2015).

Dessa forma, a entrevista é compreendida como uma proposta de diálogo e/ou conversações em torno de um questionamento norteador, que neste estudo reflete sobre como se caracteriza a realização do Direito Humano a Alimentação Adequada no sistema prisional feminino da Paraíba.

Foram entrevistadas duas cozinheiras de cada penitenciária, apontadas pela direção como cozinheiras-chefe, totalizando em 8 (oito) entrevistas semiestruturadas individuais com mulheres privadas de liberdade que trabalham na cozinha das penitenciárias. Foram 12 (doze) mulheres privadas de liberdade em regime fechado há pelo menos um ano, três de cada penitenciária, alcançando a saturação na coleta de dados. A escolha se deu por sorteio. De posse da lista de mulheres em regime fechado, disponibilizada pela direção em cada penitenciária, excluindo quem estivesse há menos de 12 meses, a pesquisadora apontava um nome da lista de forma aleatoria e as agentes penitenciárias chamavam e direcionava cada mulher para o local da entrevista. Ao final de cada entrevista era realizado o sorteio para a entrevista seguinte. Todas as mulhres sorteadas aceitaram participar da pesquisa. A amostragem foi concluída quando a “saturação teórica” de uma categoria ou grupo de casos foi atingida ou quando não surgiu mais nada novo (FLICK, 2009).

Nas entrevistas individuais foram abordadas questões que possibilitaram o entendimento a respeito da caracterização do acesso a alimentação no sistema prisional, bem como os alcances, limites e iniciativas para a garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada e ainda as percepções das mulheres privadas de liberdade e da gestão das penitenciárias femininas do estado da Paraíba sobre o direito à alimentação.

A coleta de dados aconteceu nos meses de janeiro e fevereiro de 2019. As entrevistas realizadas com as diretoras e colaboradoras aconteceram em salas reservadas nas unidades penitenciárias, em horários pactuados com a gestão das penitenciárias. A entrevista com a nutricionista do Almoxarifado ocorreu no Centro de Ciências da Saúde da Universidade

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