• Nenhum resultado encontrado

PERCORRER OS ARES, DE QUALQUER TEXTO QUE INSURJA FORÇA

O (com)texto é o I Seminário de Saúde do Trabalhador, realizado em setembro de 2015, em uma das escolas do Projeto-piloto.

Os trabalhadores chegam. Vão chegando aos poucos. Às vezes em pequenos grupos, às vezes sós, às vezes em pares. Aos poucos também vão chegando autoridades, alguns parceiros, toda gama de sorte, coisas e pessoas.

As pessoas vão se assentando. Embora ensaiássemos fazer uma conversa “rodada e viva”, nossos hábitos de assentar em fila e silenciamentos, extravasam e ensejam o reinante, nos seus modos de comparecer e apresentar-se.

São muitos os rostos, as expressões, os burburinhos.

Diante do convite de se trabalhar em pequenos grupos os queixumes vão sobressaindo.

Mas, trabalhar inventado puxa trabalho inventado. Na medida em que se falam sobre as questões do cotidiano, engajamentos vão se colocando, debates vão se atrevendo, sugestões vão se compondo.

Seminário corre bonito. Muitas questões. Muitos adoecimentos. Não há como falar sem repetir algo. Contudo, repetição nunca é a mesma, tão

Mas eu narrava. Por isso os pentagramas continuavam a marcar o caminho. CORTÁZAR, 1984, p. 56-57

somente. Não traz o idêntico e o presumível. Traz o inesperado. “Repetir, repetir, até ficar diferente” (BARROS, 2010, p.300).

No final do encontro, alguns versos de Drummond fazem explodir o auditório. Trabalhadores aplaudem a si mesmos. Cumprimentam-se, abraçam-se. Dizem esperar que aquele contágio prolifere-se, bifurque-se... achem canais de dispersão.

Uma professora chega perto de nós e recita um verso de Drummond sobre o amor. Diz que nunca esquece tais palavras. Que mesmo cansada, ouvir aqueles versos a faz resistir, faz valer a pena.

A diretora que chega de manso, recolhendo alguns materiais, quando diante dos “finalmentes” do evento conta: “Uma vez os meninos inventaram de plantar uma batata num vaso e deixar a experiência na escola. Aquilo deu um problema danado entre alguns professores que alegavam que tal procedimento era impróprio e não poderia ficar na escola. Foram até a sala da direção reclamar daquilo. Fiquei pensando o que poderia fazer. Não podia sumir com o vaso dos alunos. Certamente eles iriam procurar. Tentei deixar na minha sala, mas ainda assim, a solução foi alvo de críticas de toda ordem. Não sabia o que fazer. Passei a mão naquele vaso de batata e carreguei para a casa. Fato é que algum tempo depois, os alunos que haviam plantado a batata resolveram procurar o vaso pela escola. E quando se aperceberam que ele não estava ali, fizeram a CPI do vaso. Foi um

A distância e as imagens. Será

que o gosto pelo mundo de imagens não se alimenta de uma sombria resistência contra o saber? Corro os olhos pela paisagem: o mar está em sua baía, liso como um espelho; bosques sobrem até o cume da montanha como massas imóveis e mudas; em cima, ruínas abandonadas de castelo, como se encontram há séculos. É assim que deseja o sonhador. Que esse mar se ergue e se afunda em bilhões, de ondas; que os bosques estremecem a cada novo instante desde as raízes até a última folha; que, nas pedras das ruínas dos castelos, reinam um desmoronar e um esfarelar contínuos; que, no céu, antes que se formem nuvens, gases fervem em lutas invisíveis – de tudo isso tem de se esquecer para se entregar às imagens. Nelas, tem repouso, eternidade. [...] cada distância reconstrói seu sonho, que fica apoiado em paredes de nuvens, que torna a se inflamar em cada janela iluminada. E o sonho aparece como o mais perfeito, se consegue tomar do movimento o seu ferrão e transformar a rajada de vento num sussurro e a passagem casual dos pássaros na migração dos pássaros. Assim, pôr termo à natureza na moldura de imagens esvanecidas é o prazer do sonhador. Conjurá-las sob uma nova chamada, o dom do poeta. BENJAMIN, 2009c, p. 266

bafafá danado. Aquilo novamente chegou à direção. E quando eles entraram nervosos na sala, eu disse: ‘calma gente! Vou trazer o vaso das batatas de volta’. Eles não acreditaram. Acharam que eu falava aquilo para enganá-los. Mas no dia seguinte, trouxe da minha casa o vaso dos alunos. A batata estava até um pouco crescida”.

#

Não é que não haja anterioridade do mundo. Há. Mas, não há anterioridade dada.

O mundo, que existe em anterioridade, para existir em nós, precisa passar-nos, e à medida disto, nós nos apropriamos dele. Dessa forma, neste apropriar ele faz-se novo. Atual. Derivação. O que há é um grande derivar. Devir do mundo.

Se o que passa pode passar-nos e ficar, criar dobra, efetuação, é porque o velho se fez novo. O passado, instante-já. O já, velho e novo, lançamento. É um lançar-se o que nos ocorre. “Todos vêm tarde demais...Todos vêm cedo demais” (ANDRADE, 1995, p. 63-64), dizem-nos os versos do poeta.

Assim, a tradição não pode ser um baú de pertencimentos. Mas antes, um certo depois... é quando o nome, que não mais nomeia, pode dispor-se. Pode entreabrir nuances. Certos limiares.

Se a crise da tradição existe, é porque esta última, é propriamente uma crise. A tradição não arruma nada. Não reifica a carne. Ela, antes, trai. Ela pode dizer-se apenas em certo depois, não por ante-existir, mas, por existindo, produzir-se em apropriações posteriores.

Por que disto? Porque a vida salta. Não corre, engendrada apenas por continuidade linear, trilhos. Ela deriva. Rasga. Fissura. Ela almeja. Busca. Rompe. Salta.

Há, portanto, anterioridade regular. Mas, não há o posto inequívoco. Não há determinação pura do reinante. Há quebra. Embaraço. O fibroso. A grossura.

O reinante enoda, sim. O processual salta-nos. E é por derivar que podemos algo. Que insistimos. Que ousamos. O que dura e o que se distancia... em movimentos, dão saltos. Criam expansões. Experiência: ela é como o real que vem.

Não que venha do vindouro desfigurado, como algo pelo qual se espera. O futuro é imprevisível. Ele acontece. Pertence ao acontecimento. E tão logo, já também salta e passa. Não se fixa. Não se prende.