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Organizaram-se diversas estratégias.

Aquecimentos e resfrios. Momentos de engates ferventes e emergência alternadas com frias águas e alguma macia tristeza.

O Fórum Cosate é um dimensionamento da experiência desta pesquisa em conversação. Não se constituiu pretendendo apenas institucionalizar- se, ou erigir-se como outros fóruns empreendidos na perspectiva da política governamental daquele município, pautados por um funcionamento delimitado pelo regime de ligação com os conselhos e secretarias, bem como com os órgãos municipais. Mas buscou trazer para a “institucionalidade” das formas-fóruns uma outra maneira de pensa-las.

A constituição do Fórum percorreu a aposta, sustentada e movente, de que a reunião de pessoas e instituições interessadas na construção da saúde do trabalhador poderia trilhar suas próprias experimentações de composição, conclamando qualquer um que quisesse dele participar e produzindo pausas e pequenos exercícios de distância, a ensinar-nos coletivamente a colocar problemas.

Como se diante de uma questão e a tentativa de encaminhamento dela pela rede disposta de órgãos municipais e envolvidos não bastasse para delimitar prosseguimentos. Não bastava que

Até as ruínas podemos amar neste lugar Lembro-me muito bem do tal cantor basco Que costumava celebrar a chuva no verão Não ligava quase nada para as conspirações Que recorrentemente se faziam ouvir debaixo das arcadas noturnas da cidade naquela época do intermezzo lunar Foi já depois do fascismo, um pouco antes da democracia enfaixada de magnólias O cantor, as arcadas, o perfume e os disparos me ensinaram que se deve aproveitar a época de transição para destrinçar o brilho As revoluções sempre foram o lugar certo para a descoberta do sossego: Talvez porque nenhuma casa é segura Talvez porque nenhum corpo é seguro Ou talvez porque depois de encarar uma arma finalmente seja possível entender as múltiplas possibilidades de uma arma. CAMPILHO, 2015, p. 77

“encaminhássemos” ações e problemas. Precisávamos nos deter neles. Precisávamos escutá-los. Deixar que os problemas e as questões que emergiam dos encontros produzissem derivações, acionamentos, tensionamentos.

Derivar é abrir caminhos por onde a princípio não se reconhecia possibilidade. Não é ação pessoalizada que se figura por um único agente que controladamente calcula e intenciona. Derivação é movimento agenciado por muitas mãos. Decorre de elementos quase sempre imperceptíveis, de modulações incessantes.

Um professor que fala, que aparece, que some, que deixa rastros. Um militante que enfrenta e tensiona. Um burocrata que aprisiona. Um poder que veste camisa e faz outro jogo, que se investe e desinveste. Um estudante que experimenta a vertigem e os embaralhamentos das vozes plurais. Um pesquisa-dor que escuta com susto o que seu lugar de saber não dá conta quando diante do acontecimento precisa acolher enunciações diversas e sustentá-las até onde for possível. Presenças silenciosas. Pequenos gestos.

Daqueles, muitos, que têm que driblar grande parte dos engessamentos diários para manifestar a presença em meio a outros. Não foram poucas as vezes que as professoras envolvidas na experiência Cosate, para participarem do Fórum, tiveram que custear suas saídas, valendo-se de estratégias como as substituições, diante do término da liberação formal do poder municipal e inclusive correndo riscos de que tais ações as colocassem na reta de processos de punição institucionalizado pela prefeitura e pela escola. Não foram poucas as vezes que pesquisadores saíram de seus lugares comuns para sustentarem o corpo a corpo Fórum.

Não poucas vezes foram divididas e compartilhadas ações entre Sindicato, Universidade, Ministério Público, direções de escolas, técnicos de serviços da rede, Conselho Municipal, Centro de Formação, Centro de Referência em Saúde do Trabalhador do Espirito Santo, Divisão de Medicina e Segurança do Trabalho da Prefeitura de Serra, Fundação Jorge Duprat e Figueiredo.

Achar canais de conversa diante de tantos envolvimentos, conexões e situações concretas, pontos de vista e limites irredutíveis produziu-se por meio de um laborioso

trabalho miúdo, de recolher diante de todos os avatares, pequenas pistas, seguindo adiante e mirando o imprevisível.

Sustentação de paradoxos.

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Experiência como compartilhamento público aponta para o caráter político da comunhão entre homens.

A transmissão, então, não se afirma como troca de informações ou do repasse destas a outro. Transmissão aqui vincula-se a ideia de que algo germina. Um indeterminável germina. Um indecidível espreita passagens subterrâneas ou como nos diria Batista (2015) efetua-se certa experiência labiríntica na produção dos percursos. E isto porta a extensão no tempo e as atualizações possíveis, pela via das intensidades, das forças e das pulsações. Pulsar não é seguir reto, em sentido linear. Pulsar é articular presença e ausência, aproximação e distância. É agitar movimentos, expansões e retrações, contornos imprecisos e saltos improváveis. Pulsar é bifurcar, desviar, embaralhar-se, seguir ziguezagueante. Numa zona de improvisação viva e vibrátil, enérgica e movediça.

Isso produz um saber estranho, um saber que não se sabe, um agitar de coisas que germinam insistentemente passagens, apontando algo que escapa e que se configura por uma transmissão que não se confunde com a aquisição de conhecimento pelo viés da informação. Mostrou Freud (1913/1998b) em “O interesse científico da Psicanálise” que a transmissão escapa à consciência e faz-se sobre a emergência de uma outra relação com o desejo de saber.

Sugere-nos Caiafa (2000, p. 18) “é preciso um lapso de tempo para que a experiência se dê. E é na dimensão da experiência que o desejo se inscreve, assim como a criação poética”. Aponta-nos a autora que o desejo precisa da distância no tempo e que o gesto brusco tão pertinente aos modos de vida implementados no capitalismo tende

a esgotar o instante oportuno no imediatismo do consumo. Isto concorre para a produção do eclipse da narração, conforme mostrou Benjamin (1992), e da desqualificação da experiência.

A experiência se espraia na direção de qualquer resto que a possa portar: um, mais um, mais um. Qualquer detalhe ordinário digno de emprenhar-se. Os restos transmitem-se. Enviam a letra. Pelas frestas dos totalitarismos, por meio de limiares, passagens se efetuam... não cessam de acontecer. Passar de coisa a outra pode propagar, difundir, irradiar, contaminar e contagiar.... sentidos derivativos. Isso comporta exercícios de deslocamentos incessantes.

Assim, a política aponta para a incapacidade de existirmos sós. A saúde para a capacidade de variação e fluxos desejantes. O trabalho para a ligação entre homens, coisas, restos, tempos, mundos, palavras e não-palavras.

Daí que pesquisar e escrever – ou ainda, e, por que não, narrar – não é enveredar-se por caminhos plenamente prescritos. Mas sim embrenhar-se em composições, impermanências, transformações, produzindo-se na medida mesmo em que se forja a experiência. A experiência é um atravessar passagens e limiares. Ela só acontece, acontecendo.