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Capítulo 3 – Família e escola: contextos de socialização política

4.2 Percursos militantes recentes

São 8 os jovens que têm percursos militantes mais recentes, ou seja, tempo de militância partidária de até 5 anos. Apenas dois desses jovens iniciaram sua militância quando estavam no ensino básico e seis a iniciaram quando estavam na universidade.

Os percursos mais recentes coincidem com a iniciação mais tardia do engajamento – na universidade. Os percursos de maior tempo de existência eram constituídos, em sua maioria, por jovens que iniciaram o engajamento no ensino básico. No grupo de jovens de percursos mais recentes, também há maior presença de jovens oriundos de famílias sobre as quais relataram pouca ou nenhuma porosidade ao universo da política ou formas de engajamento. Exceções são Marina e Núbia, oriundas de elites intelectuais e herdeiras do engajamento dos pais. No caso de Núbia, a transformação das disposições em prática ocorreu cedo, quando ainda estava no ensino médio. O fato é que ela é a mais jovem entre todos os entrevistados e, por isso, sua militância é mais recente, ainda que tenha iniciado cedo seu engajamento. No caso de Marina, suas disposições se transformaram tardiamente em ação, porque apenas na universidade ela encontrou um espaço organizado de engajamento, que não existiu ao longo

68 Partidos disponíveis, do ponto de vista de sua presença no movimentos estudantil e nos núcleos estudantis (escolas e cursos universitários) onde estavam os jovens.

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de sua escolarização básica. Mas, quando Marina estava pensando em se filiar a um partido, engravidou e viu seu engajamento adiado para mais tarde69.

Nesse grupo está a jovem Antônia, a militante mais recente de todo o grupo. Em 2009, no momento da entrevista, ela participava de um núcleo de estudantes vinculado a uma corrente do PT havia apenas 6 meses, tempo do 1º semestre de seu curso universitário. Ela ainda não se reconhecia como uma militante do partido, ainda que seus colegas a tenham indicado como tal. Ela participava das reuniões semanais do núcleo, mas ainda conhecia pouco da dinâmica propriamente partidária, pois transitava apenas pelo universo da militância estudantil. Um dos jovens petistas entrevistados considerava que Antônia poderia suceder às lideranças petistas que estavam prestes a se graduar, mas os planos dessas lideranças, aparentemente, ainda não tinham sido percebidos pela jovem.

A jovem disse que, chegando à universidade, procurou grupos de estudantes mobilizados, porque achava que o engajamento era uma característica tão marcante dos estudantes que lhe parecia quase uma obrigação engajar-se, por sua condição de estudante universitária. Seu pai era um simpatizante do PT e já tinha sido secretário de uma prefeitura municipal de interior. Por isso, pretendia engajar-se em um grupo do mesmo partido. Ela afirmou que estudantes do PSOL também a convidaram para participar de um núcleo70 e que ela gostou das pessoas,

porém pesou mais a socialização familiar e ela acabou por seguir a preferência do pai, o que não significa que tenha recebido alguma indicação paterna explicitamente. Na verdade, ele nem estava por perto para influenciar as escolhas da filha, mas ela se apoiava em sua experiência com o partido, tendo, assim, mais segurança de que sua escolha era a mais acertada. Entre experimentar uma novidade completa ou escolher algo já experimentado por outra pessoa, ela optou por aquilo que já conhecia de alguma forma.

Fernanda é uma jovem de militância relativamente recente, que inciou seu engajamento quando estava no ensino superior e, apesar de relatar que seu pai era filiado ao PDT por força do excercício de cargo público, não teve socialização política familiar muito significativa para a formação de disposições ao engajamento. A escola também não foi, segundo a jovem, um lugar de socialização política significativa. Mas, ao entrar na universidade, deparou-se com uma greve em andamento (assim como foi narrado por Tamara, que tem percurso longevo de militância e foi anteriormente referida) e foi participar de uma reunião de alunos do DCE com

69 O tema da maternidade e seus reflexos sobre a militâcia será retomado adiante e no próximo capítulo.

70 E um jovem do PSOL afirmou que Antônia estava militando com eles, ainda com uma participação pouco orgânica, mas contavam com sua aproximação definitiva.

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os calouros, para que explicassem aos novatos as razões da greve e futuras atividades de mobilização. Fernanda contou que entrou na universidade, em 2005, “sem noção nenhuma do mundo da política”. Ela gostou da atividade realizada pelo DCE e resolveu participar de outras atividades para as quais os alunos foram convidados. Ainda no primeiro ano de faculdade, participou de um congresso da UNE. Desde as primeiras aproximações com o movimento estudantil, teve contato com um grupo de militantes do PSOL, onde se incluía Mariano, que se engajou no PSOL dois anos71 antes. Disse que relutou em se filiar a um partido: “eu tive muita resistência, assim como muitos têm, né?...de partido político, que a gente acha que não serve pra nada, que é só uma balela”. Foi no início do segundo ano de faculdade, em 2006, que ela se filiou. Afirmou que o primeiro ano de experimentação do partido foi necessário, para que ela reconstruísse sua percepção sobre a militância e para perceber a utilidade e a finalidade do partido.

(…) e aí, depois eu fui vendo que não era bem assim [balela ou bagunça], e que um partido pode ser construído pela base, né? E que a gente pode participar ativamente. Dependendo de qual é o partido, que tem espaços democráticos para que a gente possa colocar as nossas ideias. E aí, eu fui conhecendo o PSOL e fui vendo que isso era possível ser feito dentro. Tanto é isso, que eu comecei a participar sem me filiar, pra conhecer. E aí, depois que eu senti uma segurança, eu tive coragem de me filiar. (Fernanda, PSOL)

A jovem expressou uma percepção que não é exclusivamente sua, mas compartilhada por alguns outros entrevistados. Ela falou sobre seus receios e sobre sua experiência de construção da militância como um processo bastante refletido. Teve dúvidas sobre o engajamento, experimentou, esteve atenta à dinâmica do partido e, afinal, decidiu: o engajamento lhe interessava e era considerado importante. O tempo de militância estudantil sem vínculos partidários, vivido por quase todos os jovens entrevistados, parece corroborar a afirmativa de Fernanda, sobre uma necessária experimentação até a decisão de filiação partidária.

Müxel (2008) afirmou que a geração dos pais dos jovens de hoje formou suas convicções políticas a partir de marcadores ideológicos relativamente claros, a separação entre direita e esquerda estava claramente estabelecida. Assim, para os pais, a vivência do político se dava sobre algumas bases comuns e transparentes. Os jovens de hoje vivem num mundo onde os

71 Ela e Mariano começaram a namorar pouco tempo depois de seu envolvimento com o movimento estudantil, ainda antes da filiação de Fernanda ao PSOL.

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marcadores se tornaram muio mais fluidos. Características de direita e esquerda foram assumidas por ambos os lados. Os marcadores não são mais claros, para os filhos, como eram para seus pais. Afirma, portanto, que a socialização política dos jovens se caracteriza mais por uma experimentação da política. Ou seja, é mais experimentação que transmissão de valores e modos de fazer política de uma geração a outra. O percurso de Fernanda ilustra a experimentação de jovens que, sem valores políticos significativos internalizados ou transmitidos pela família, experimentam nos grupos que encontram em seus percursos de vida. A trajetória universitária abriu caminho para o ME universitário que, por conseguinte, apresentou-a a um partido e à possibilidade de engajamento.

No caso de Fernanda, ainda é preciso levar em conta uma influência afetiva: ela e Mariano iniciaram namoro numa viagem para um congresso de estudantes.

Roberto é o jovem que formou disposições ao engajamento nas práticas religiosas de uma igreja protestante e atualizou tais disposições quando fez um cursinho pré-vestibular. No cursinho, conforme relatado no capítulo 3, conheceu pessoas ligadas ao PT e ao PCdoB e disse que “não encontrou afinidades” com essas pessoas. Chegando à universidade, estava decidido a buscar outros grupos políticos para descobrir com qual teria afinidade e neste se engajaria. Segundo ele, era uma ideia fixa e elaborada antes da chegada à universidade: encontrar um grupo político ao qual se filiar e tornar-se um militante.

Este jovem foi um dos poucos, com militância em movimento estudantil, que não fizeram “estágio” no ME antes de se filiar a um partido. Os dois engajamentos foram efetivamente simultâneos. Afirmou que, ao entrar para a universidade, foi atrás de grupos de alunos engajados em partidos políticos, porque, após ter estudado política durante o cursinho pré- vestibular, teria ficado convencido de que deveria se engajar. “Na verdade, eu vim pra universidade no intuito de procurar os partidos de esquerda, atuais partidos no campo da esquerda do país”. Buscou encontrar grupos ligados ao PSTU, ao PSOL e ao PCB, pois o PT e o PCdoB já tinham sido desconsiderados de sua lista de partidos, a partir da convivência com os professores do cursinho. Não encontrou ninguém do PCB e com o PSTU também não teve afinidade. Passou, então, a participar das atividades de uma corrente do PSOL. Se, por um lado, não teve no movimento estudantil um período de experiência, por outro, usou seu primeiro semestre de aulas para experimentar os diferentes grupos de estudantes vinculados a partidos, para melhor escolher o partido ao qual se filiaria e onde se engajaria. Foi depois de

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participar de um congresso do PSOL e ver várias correntes defendendo suas teses que ele tomou a decisão de se filiar ao partido e de permanecer na corrente da qual já participava.

Eu vinha fazendo uma experiência, conhecendo, lendo, mas ali [congresso do partido] eu entendi e fiz uma opção política mais consciente. Isso foi junho de 2007. Eu comecei a fazer uma experiência na CST e, com um mês de universidade, assim… foi em abril; então, foi final de abril, maio e início de junho [seu período de experiência com vários partidos]. Aí, eu entrei no congresso e fiz a decisão. (Roberto, PSOL)

O percurso solitário de Roberto em busca de um partido ao qual se engajar se assemelha muito ao percurso de Tuco, militante do PDT citado anteriormente neste capítulo. Ambos se fizeram sozinhos, no sentido de não terem contado com colegas de escola ou apoio explícito de professores, nem com uma socialização familiar que apontasse caminhos a partir da transmissão de valores e comportamentos políticos claros. Foram construindo referências com base em experiências e informações difusas e, assim, definiram em que partido se filiariam. Klandermans (1984 e 1987) e McAdam (1993) atribuem grande importância às redes de relações na transformação de disposições em ação e isso é perceptível na experiência militante dos demais jovens, mas no caso de Roberto e Tuco, as redes foram se formando à medida que os jovens decidiam qual o caminho que pretendiam trilhar. Esses redes foram fundamentais para a permanência deles no grupo, mas não foram as determinantes do início do engajamento.

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A filiação partidária foi descrita pelos jovens, em sua maioria, como um momento sem rituais específicos ou atividades de iniciação ao partido. Alguns relataram o preenchimento da ficha de filiação como marco de entrada no partido, mas, para muitos, a ficha parecia apenas um detalhe, um fato a mais para uma militância que já era considerada efetiva para os jovens. Ou seja, o engajamento no movimento estudantil – ou a participação em atividades do partido, no caso de Joana e Tuco – ocorria, atividades se sucediam, os jovens se apresentavam como militantes do partido e, em algum momento, a filiação formal se concretizava, sem que representasse, necessariamente, um marco para o militante. Talvez para o partido a assinatura da ficha de filiação tenha importância distinta, mas, em seus relatos, os jovens não atribuíram a esse acontecimento importância maior. Ainda que o preencimento da ficha de filiação represente o recebimento da carteirinha de militante em alguns partidos (UJS/PCdoB, PT, por exemplo), ela poucas vezes foi mencionada pelos jovens. Também não foram relatados rituais

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de iniciação ou apresentação do novo militante ao partido. Havia, segundo relatos, um envolvimento gradativo no núcleo de militância.