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3. Genética das perdas auditivas

3.1. Perdas auditivas sindrômicas

Apesar de existirem mais de 400 síndromes reportadas que apresentam a surdez como sinal clínico, apenas 30% dos casos de perdas auditivas hereditárias são sindrômicos (Hilgert et al., 2009a). Nesses casos a perda auditiva pode estar associada a várias anomalias, como malformações craniofaciais ou cervicais, distúrbios oculares, musculoesqueléticos, cutâneos, renais, metabólicos, nervosos, de pigmentação, entre outros.

Até o momento foram identificados mais de 40 genes envolvidos com as principais síndromes que incluem a surdez como uma de suas manifestações clínicas (van Camp & Smith. Hereditary Hearing Loss Homepage. <http://hereditaryhearingloss.org>). A seguir estão destacados esses genes (Tabela 1).

Tabela 1. Principais síndromes que apresentam a surdez como sinal clínico e os genes envolvidos. (Adaptado de van Camp & Smith. Hereditary Hearing Loss Homepage. <http://hereditaryhearingloss.org>).

Síndrome Locus Gene Localização cromossômica Alport - COL4A5 Xq22 - COL4A3/COL4A4 2q36-q37 Branquio-oto-renal BOR1 EYA1 8q13.3 BOR2 SIX5 19q13.3 - Desconhecido 1q31 BOS3 SIX1 14q21.3-q24.3 CHARGE - SEMA3E 7q21.11 - CHD7 19q13.3 Jervell e Lange-Nielsen JLNS1 KCNQ1 11p15.5 JLNS2 KCNE1 21q22.1-q22.2 Norrie NDP NDP Xp11.3

Síndrome Locus Gene Localização cromossômica Pendred PDS SLC26A4 7q21-34 FOXI1 5q35.1 KCNJ10 1q23.2 Perrault - HSD17B4 5q23.1 - HARS2 5q31.3 - LARS2 3p21.31 Stickler STL1 COL2A1 12q13.11-q13.2 STL2 COL11A1 1p21 STL3 COL11A2 6p21.3 - COL9A1 6q13 - COL9A2 1p34.2 Treacher Collins TCOF1 TCOF1 5q32-q33.1 POLR1D POLR1D 13q12.2 POLR1C POLR1C 6p21.1 Usher USH1A - 14q32 USH1B MYO7A 11q13.5 USH1C USH1C 11p15.1 USH1D CDH23 10q22.1 USH1E Desconhecido 21q21 USH1F PCDH15 10q21-22 USH1G SANS 17q24-25 USH1H Desconhecido 15q22-23 USH1J CIB2 15q23-q25.1 USH1K Desconhecido 10p11.21-p21.1 USH2A USH2A 1q41 USH2B Desconhecido 3p23-24.2 USH2C VLGR1 5q14.3-q21.3 USH2D WHRN 9q32 USH3 CLRN1 3q21-q25 Waardenburg WS1/WS3 PAX3 2q35 WS2A MITF 3p14.1-p12.3 WS2B Desconhecido 1p21-p13.3 WS2C Desconhecido 8p23 WS2D SNAI2 8q11 WS4 EDNRB 13q22 EDN3 20q13.2-q13.3 SOX10 22q13 Wolfram WFS1 WFS1 4p16 WFS2 CISD2 4q22-q24

A síndrome de Usher é a forma mais comum de perda auditiva sindrômica de herança autossômica recessiva (Smith et al., 2014). Ela é caracterizada por perda auditiva neurossensorial associada à retinitis pigmentosa (degeneração progressiva na retina que provoca perda da visão). Três tipos de síndrome de Usher são reconhecidos. O tipo I é definido pela presença de perda auditiva neurossensorial congênita, de grau severo a

profundo, alteração da função vestibular e retinitis pigmentosa com início na primeira década de vida. O tipo II consiste em perda auditiva neurossensorial congênita, de grau leve a severo, função vestibular normal e retinitis pigmentosa com início na primeira ou segunda década de vida. Já o tipo III é caracterizado por perda auditiva pós-lingual, progressiva, deterioração progressiva da função vestibular e retinitis pigmentosa com idade de início variável.

No total foram reportados 10 genes envolvidos com os distintos tipos de síndrome de Usher. O tipo I está associado a mutações nos seguintes genes: MYO7A (USH1B), USH1C (harmonina ou PDZ73), CDH23 (USH1D), PCDH15 (USH1F), SANS (USH1G) e CIB2 (USH1J) (Smith et al., 1992; Weil et al., 1995; Bork et al., 2001; Ahmed et al., 2001; Alagramam et al., 2001; Weil et al., 2003; Riazuddin et al., 2012). Para o tipo II, três genes foram descritos: USH2A, VLGR1 ou GPR98 (USH2C) e DFNB31 ou whirlina (USH2D) (Eudy et al., 1998; Weston et al., 2004; Ebermann et al., 2007). Apenas um gene, CLRN1, foi identificado como responsável pelo tipo III (Joensuu et al., 2001). Adicionalmente, três outros genes foram relacionados à síndrome de Usher. Foi proposto que o gene PDZD7 poderia contribuir para herança digênica, juntamente com o gene GPR98, modificando a gravidade da doença em pacientes com síndrome de Usher tipo II (Ebermann et al., 2010). Recentemente, uma mutação bialélica no gene HARS foi identificada em dois pacientes com síndrome de Usher tipo III e, o gene CEP250 foi relacionado a uma forma atípica da síndrome de Usher (Puffenberger et al., 2012; Khateb et al., 2014).

A síndrome de Pendred é o segundo tipo mais comum de perda auditiva sindrômica de herança autossômica recessiva (Smith et al., 2014). As características clássicas incluem perda auditiva neurossensorial, congênita, de grau severo a profundo, e disfunção tireoidiana com presença de bócio. Além disso, podem ocorrer malformações na orelha interna como aqueduto vestibular alargado ou displasia de Mondini e, em alguns casos, alteração da função vestibular (Pendred, 1896). Mutações no gene SLC26A4 causam síndrome de Pendred, mas também podem estar associadas à perda auditiva não-sindrômica autossômica recessiva (DFNB4) (Everett et al., 1997; Li et al., 1998). Foi proposto que herança digênica envolvendo o gene SLC26A4 e os genes FOXI1 ou KCNJ10 pode estar relacionada à síndrome de Pendred, porém parece ser bastante rara (Chen et al., 2012; Cirello et al., 2012; Landa et al., 2013).

A síndrome de Jervell e Lange-Nielsen é o terceiro tipo mais comum de perda auditiva sindrômica de herança autossômica recessiva (Smith et al., 2014). Ela consiste de perda auditiva congênita e prolongação do intervalo QT, detectada por eletrocardiograma. Os indivíduos afetados apresentam episódios de síncope e podem ter morte súbita (Jervell &

Lange-Nielsen, 1957). Mutações em dois genes têm sido descritas em indivíduos com síndrome de Jervell e Lange-Nielsen, são eles: KCNQ1 e KCNE1 (Neyroud et al., 1997; Tyson et al.,1997; Schulze-Bahr et al., 1997).

A síndrome de Waardenburg (WS) é a forma mais comum de perda auditiva sindrômica de herança autossômica dominante (Smith et al., 2014). As principais características incluem perda auditiva neurossensorial, congênita, de grau variável, e alterações de pigmentação da pele, cabelo e olhos (Waardenburg, 1951). São reconhecidos quatro tipos clínicos diferentes: síndrome de Waardenburg tipo I (WS1), tipo II (WS2), tipo III (WS3) e tipo IV (WS4) – com base na presença de outras anomalias. Os tipos I e II compartilham muitas características, porém há uma importante diferença fenotípica: WS1 é caracterizado pela presença de telecanto (dystopia canthorum – deslocamento lateral do canto interno do olho), enquanto WS2 caracteriza-se pela sua ausência. Em WS3, estão presentes dystopia canthorum e anormalidades nos membros superiores, e em WS4, ocorre a doença de Hirschsprung, uma desordem digestiva relacionada à diminuição da motilidade intestinal causada pela ausência congênita das células nervosas do sistema nervoso entérico (Read & Newton, 1997). Mutações no gene PAX3 são responsáveis por WS1 e WS3 (Tassabehji et al., 1992; Hoth et al., 1993). Já os genes MITF e SNAI2 (SLUG) estão envolvidos em alguns casos de WS2 (Tassabehji et al., 1994; Sánchez-Martín et al., 2002). E mutações nos genes EDNRB, EDN3 e SOX10 estão associadas à WS4 (Attié et al., 1995; Edery et al., 1996; Pingault et al., 1998).

A síndrome Branquio-oto-renal (BOR) é o segundo tipo mais comum de perda auditiva sindrômica de herança autossômica dominante (Smith et al., 2014). Ela é caracterizada por perda auditiva condutiva, neurossensorial ou mista em associação a cistos ou fístulas da fenda branquial, malformações da orelha externa, média ou interna, e anomalias renais. Mutações no gene EYA1 são encontradas em cerca de 40% dos indivíduos com síndrome de BOR, porém alterações patogênicas nos genes SIX1 e SIX5 também podem estar envolvidas (Abdelhak et al., 1997; Ruf et al., 2004; Hoskins et al., 2007).

A síndrome de Alport consiste em perda auditiva neurossensorial progressiva, de grau variável e manifestação após a primeira década de vida, glomerulonefrite resultando em falência renal progressiva, e alterações oftalmológicas variáveis (Alport, 1927; Kashtan, 1999). Já foram reportadas formas de herança autossômica dominante, autossômica recessiva e ligada ao cromossomo X. Aproximadamente 85% dos casos de síndrome de Alport são de herança ligada ao cromossomo X, causados por mutações no gene COL4A5. Mutações nos

genes COL4A3 e COL4A4 são resonsáveis por herança autossômica recessiva e dominante (Barker et al., 1990; Mochizuki et al., 1994; Lemmink et al., 1997; van der Loop et al., 2000).

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