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Perfil básico das economias no mercado das commodities

Capítulo 4 A dinâmica do “mundo das commodities”, 1995-2015

4.2 Perfil básico das economias no mercado das commodities

No estágio de desenvolvimento das economias neste século XXI, a industrialização das suas estruturas produtivas é fenômeno em grande medida consolidado. No entanto, o processo de formação dessas estruturas industriais não foi concomitante, tão pouco homogêneo em grau de desenvolvimento tecnológico, e as disparidades resultaram em uma estrutura industrial mundial heterogênea. Uma das principais formas para compreensão dessa heterogeneidade está posta na teoria cepalina, na discussão para compreensão das relações entre desigualdades na formação das estruturas produtivas e a divisão internacional do trabalho. A heterogeneidade da indústria mundial reflete em grande medida a forma de inserção das economias no comércio mundial.

Mesmo que algumas economias, como as da América Latina, tenham passado por um processos de industrialização (em especial no período 1930-80), isso não foi capaz de igualar as estruturas industriais. Tão pouco isso ocorre a partir do movimento de indução da liberalização e desregulamentação dos mercados paralelo a redução da participação dos Estados Nacionais em projetos de desenvolvimento, após os anos 1990, fundamentado nas medidas propostas pelo Consenso Washington26.

O padrão de inserção de uma economia pelo lado das exportações e/ou das importações, pode resultar em uma série de distorções internas e portanto, os efeitos da inserção não podem ser reduzidos à captação de rendas externas – exportações – ou composição de mercado consumidor – importações.

26 Foi formulado em 1989 como um documento consensual de economistas de instituições como o FMI (Fundo

Monetário Internacional), o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, com o objetivo de indicar medidas de ajustamento macroeconômico a serem adotadas, em especial, pelos países periféricos que passavam por crises econômicas naquele momento. Ao passo que essas economias precisaram recorrer a empréstimos do FMI no contexto da crise da dívida externa, esse receituário tornou-se um movimento concreto de imposição dessa instituição das medidas entendidas como necessárias à esse ajustamento.

89 A escola cepalina ao se ocupar da interpretação da problemática do subdesenvolvimento, encontrou para o período em estudo uma relação da constituição da região central e da região periférica mundial a partir da forma de inserção dessas regiões na divisão internacional do trabalho, que refletia as suas estruturas internas de determinação do crescimento econômico.

De acordo com a interpretação Centro-Periferia, os países periféricos eram dependentes do crescimento econômico externo, devido à dependência que a renda nacional apresentava em relação as exportações de commodities primárias, e os países centrais eram especializados na produção e exportação de bens industrializados. Os resultados da análise indicaram que essas relações tornavam-se um agravante para a condição de periferia e “alimentava” o crescimento industrial no Centro. Um dos principais argumentos que dão base para construção da problemática entre desenvolvimento e inserção externa baseada em uma especialização na produção primária, na interpretação cepalina, está ancorado na hipótese Prebisch-Singer.

Singer e Prebisch, nos anos 1950, elaboram, em separado, uma análise, que ficou conhecida na literatura como a hipótese de Prebisch-Singer. A análise de Prebisch que centrou- se na relação entre os termos de troca da economia inglesa com o mundo, nos anos 1876 e 1947, considerando os bens primários e bens manufaturados, identifica que havia uma tendência de deterioração nos preços das importações em relação aos preços das exportações, sendo que, essas importações eram representadas pelos bens primários e, as exportações, pelos bens industrializados.

Na interpretação de Singer, em 1950, a deterioração dos termos de troca tem uma relação com a demanda inelástica por bens primários. Em face de um contexto de avanço da incorporação de progresso técnico na indústria, superior à incorporação na produção de bens primários, os preços dos bens industrializados aumentariam relativamente aos preços dos bens primários. Isso ocorreria porque a demanda por bens industrializados aumenta conforme ocorre a expansão da renda, mas, a de bens primários não, conforme a Lei de Engel27. “As relações de preços deslocam-se em favor dos produtos primários, nas fases crescentes; mas, em geral, nas fases decrescentes, perdem mais do que tinham ganhado durante o curso das primeiras” (CEPAL, 1949, p. 157).

Singer (1999) aponta que vários são os estudos que procuram, e procuraram, testar a hipótese da deterioração dos termos de trocas e, a maioria deles, tem identificado essa deterioração, ou pelo menos não a tem refutado. Nesse trabalho Singer realiza uma extensão da

27 Interpretação formulada pelo estatístico alemão Ernst Engel (1821-1896). Esse autor indica que quanto menor o

rendimento de uma família, maior será a proporção da renda empregada no consumo com alimentação, mas, ao passo que a renda aumenta, o gasto proporcional com alimentos diminui.

90 hipótese Prebisch-Singer, partindo da compreensão da evolução que as economias subdesenvolvidas passaram em suas estruturas industriais. Esse autor faz isso no sentido de testar a referida Hipótese, mas, ressalta que a análise deva ser ampliada para uma relação entre produtos de alta e de baixa tecnologia, ou produtos padronizados e produtos inovadores, dado a transformação das estruturas produtivas.

As estruturas produtivas são hoje muito distintas, como apontou Singer (1999), do que seria a “periferia clássica”. No entanto, considerando o aspecto do padrão de participação das economias no mercado mundial de commodities, as economias em desenvolvimento ainda apresentam uma grande dependência de suas receitas de exportação a partir das exportações de commodities e, em alguns casos, a renda interna (valor adicionado) também é dependente desse setor. Assim, mesmo em face de um processo de industrialização, o qual possibilitaria a participação dessas economias com bens manufaturados no mercado internacional, as commodities ainda representam suas principais mercadorias para concorrência no mercado internacional de modo geral.

Identificamos dozes perfis (Quadro 4), que agrupam grupos de economias considerando duas variáveis principais: valor adicionado e exportações. Para identificação desses perfis, considerou-se a participação dessas duas variáveis, nas exportações e no valor adicionado mundial do setor total das commodities, além da importância dessas duas variáveis na pauta exportadora e no valor adicionado total doméstico. Os principais perfis, ou seja, que agrupam maior número de economias, com características semelhantes (de acordo com as referidas variáveis), são os perfis 1, 2, 3 e 4 (Quadro 5). Essa construção de perfis é extremamente básica, mas, nos auxilia a visualizar o agrupamento das economias, de acordo com o papel das commodities, dessas, e nessas economias, em relação ao peso em suas estruturas produtivas e no mercado internacional.

Desses perfis vale destacar os perfis 1 e 3. O Perfil 1 (alta, alta, baixa, baixa) agrupa as economias que apresentam, na participação mundial do setor (agregado dos setores das commodities) de commodities, uma participação acima da média mundial, tanto nas exportações, quanto na produção (VA), entretanto, a parcela desse setor na pauta exportadora e valor adicionado doméstico, se posicionam abaixo da média mundial. O Perfil 3 (alta, alta, alta) agrupa as economia em que o peso do setor das commodities está acima da média mundial, no que diz respeito à participação nas exportações e VA mundial das commodities, e também no âmbito doméstico.

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Quadro 4 – Classificação dos principais perfis de participação das economias na estrutura da produção e das exportações mundiais das commodities (agrupamento dos setores das commodities) no período 1995-2015.

Alta, participação (%) média do país é maior e/ou igual à participação (%) média mundial. Baixa, participação

(%) média do país é menor e/ou igual à participação (%) média mundial.

Perfis

Âmbito mundial Âmbito doméstico Part. das exportações de

commodities do país, nas exportações mundiais de

commodities

Part. do VA dos setores de commodities do país, no VA mundial dos setores de commodities

Part. das exportações de commodities do país, no total das suas exportações

Part. do VA das commodities do país, em

seu VA total doméstico

Perfil 1 Alta Alta Baixa Baixa

Perfil 2 Baixa Baixa Alta Alta

Perfil 3 Alta Alta Alta Alta

Perfil 4 Alta Alta Alta Baixa

Perfil 5 Baixa Baixa Baixa Baixa

Perfil 6 Alta Baixa Baixa Baixa

Perfil 7 Baixa Alta Baixa Baixa

Perfil 8 Alta Alta Baixa Alta

Perfil 9 Baixa Alta Alta Baixa

Perfil 10 Baixa Baixa Baixa Alta

Perfil 11 Alta Baixa Alta Alta

Perfil 12 Baixa Alta Baixa Alta

Fonte: Elaboração própria da Autora.

Os maiores exportadores mundiais de commodities (ano de 2015) estão distribuídos entre o Perfil 1: Estados Unidos, Alemanha, França, Espanha, Coréia e Japão; o Perfil 3: Austrália, Brasil, Canadá, Arábia Saudita, Rússia, Indonésia e Índia; Perfil 5: Holanda; e, Perfil 8: China. Destaca-se, portanto, que nos Perfis 1 e 3, encontra-se o agrupamento das maiores economias exportadoras de commodities, tanto no agregado das commodities, quanto em relação aos mercados individuais e, isso se deve em grande medida ao caráter desses dois perfis, que é o agrupamento das economias que apresentam participação médias nas exportações e na produção mundial das commodities, acima da média mundial. A principal diferença entre esses dois perfis, é o peso das commodities, em suas estruturas produtivas.

No Perfil 1, o peso das commodities nas exportações das economias que aparecem entre as quinze maiores exportadoras mundiais (Estados Unidos, Alemanha, França, Espanha, Coréia e Japão), é inferior à 17,9%. No perfil 3, considerando economias que estão no grupo dos quinze maiores exportadores, o peso das commodities na pauta exportadora interna é maior que 17,9%, sendo, de forma mais clara, de 20,2% nas exportações da Índia; 37,4%, no Canadá; na Indonésia, 38,6%; Brasil, 43,8%; Austrália, 48,7%; Rússia, 58,5%; e, Arábia Saudita, 83,4%. Em relação ao peso no valor adicionado interno, no Perfil 1, esse peso é inferior a 11,5% e, no perfil 3, estão entre, por exemplo, 12,0% no Canadá e 47,3% na Arábia Saudita.

Coincidentemente a participação dessas economias é predominância – não exclusividade - do peso das suas commodities enquanto commodities primárias no mercado mundial. Por

92 exemplo, a economia australiana ampliou sua participação nas exportações mundiais de 11,5%, em 2005, para 19,9% em 2015, no setor das commodities minerais não-energéticas (Tabela 26). No âmbito das suas receitas de exportação, o setor ampliou participação no período, 2005-2015, de 9,9% para 18,5% (Tabela 29). No caso da Noruega, no setor de minerais energéticos, mesmo em face de uma redução de 6,8% para 4,5% na participação nas exportações mundiais desse setor (Tabela 15), e redução do setor nas receitas de exportação, que reduziram de 51,4% para 40,8%, (Tabela 18) o peso do setor ainda é significativo na pauta exportadora dessa economia.

Quadro 5 – Classificação das economias por perfil, a partir da participação na estrutura da produção (valor adicionado) e das exportações mundiais das commodities (agrupamento dos setores das commodities) no período 1995-2015.

Alta, participação (%) média do país é maior e/ou igual à participação (%) média mundial; Baixa, participação

(%) média do país é menor e/ou igual à participação (%) média mundial.

continua

País

Part. média das exportações de commodities do país, nas exportações mundiais de commodities Part. média do VA de commodities do país, no VA mundial das commodities

Part. média das exportações de commodities do país, no total das suas exportações

Part. média do VA das commodities do país, em seu

VA total doméstico

Méd. Mundial 0,7 0,4 17,9 11,5

Perfil 1 Alta Alta Baixa Baixa

Alemanha 3,9 2,5 10,1 4,5 Espanha 1,7 1,5 15,7 7,3 França 2,7 2,1 13,5 5,2 Reino Unido 2,5 2,4 12,5 5,4 Itália 1,9 1,9 10,3 5,7 Japão 1,7 5,7 6,7 6,7 Coréia 1,6 1,3 11,7 8,4 Suécia 0,7 0,4 10,9 5,2 Taiwan 0,7 0,5 8,3 6,7 Estados Unidos 6,4 12,7 11,5 5,6

Perfil 2 Baixa Baixa Alta Alta

Bulgária 0,2 0,1 31,3 16,9 Brunei 0,2 0,1 87,0 62,8 Costa Rica 0,1 0,1 30,1 15,9 Islândia 0,1 0,03 48,3 16,3 Camboja 0,04 0,05 30,9 37,3 Marrocos 0,2 0,3 23,4 25,5 Nova Zelândia 0,5 0,3 39,7 14,8 Peru 0,6 0,4 65,4 24,8 Romênia 0,2 0,4 17,9 20,3 Tunísia 0,1 0,1 21,7 19,1 Vietnã 0,6 0,4 35,8 31,2

Perfil 3 Alta Alta Alta Alta

Argentina 1,0 1,1 50,2 24,8 Austrália 3,3 1,7 48,7 13,3 Brasil 2,3 2,5 43,8 12,6 Canadá 4,5 2,2 37,4 12,0 Chile 1,1 0,5 60,3 20,9 Colômbia 0,7 0,6 57,0 21,0 Indonésia 1,9 2,4 38,6 35,6 Índia 1,3 4,5 20,2 27,5 México 1,7 2,7 18,5 17,8 Malásia 1,3 0,8 21,5 29,7 Noruega 2,7 1,3 53,8 25,8

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Quadro 5 – Classificação das economias por perfil, a partir da participação na estrutura da produção (valor adicionado) e das exportações mundiais das commodities (agrupamento dos setores das commodities) no período 1995-2015.

Continuação

País

Part. média das exportações de commodities do país, nas exportações mundiais de commodities Part. média do VA de commodities do país, no VA mundial das commodities

Part. média das exportações de commodities do país, no total das suas exportações

Part. média do VA das commodities do país, em seu

VA total doméstico

Méd. Mundial 0,7 0,4 17,9 11,5

Perfil 3 Alta Alta Alta Alta

Rússia 5,7 3 58,5 21,8 Arábia Saudita 5,3 2,8 83,4 47,3 Tailândia 1,0 0,9 18,4 21,8 Turquia 0,7 1,3 17,9 16,6 África do Sul 1,2 0,7 44,7 17,4 Resto do Mundo 23,3 17,9 59,4 37,1

Perfil 4 Baixa Baixa Baixa Baixa

Áustria 0,6 0,3 12,3 5,9 República Checa 0,3 0,2 10,8 8,6 Finlândia 0,4 0,2 12,9 6,7 Hong Kong 0,1 0,1 2,6 3,7 Hungria 0,3 0,2 11,3 10,0 Irlanda 0,6 0,2 9,7 7,1 Israel 0,2 0,2 7,5 6,4 Portugal 0,3 0,2 10,8 6,3 República Eslovaca 0,2 0,1 17,3 10,8 Eslovênia 0,1 0,04 8,5 6,3

Perfil 5 Alta Alta Alta Baixa

Bélgica 1,5 0,4 18,9 5,5

Dinamarca 0,8 0,4 18,7 7,4

Holanda 2,4 1,0 25,2 8,5

Perfil 6 Alta Baixa Baixa Baixa

Cingapura 0,7 0,1 10,3 2,2

Perfil 7 Baixa Alta Baixa Baixa

Polônia 0,6 0,6 14,6 11,1

Perfil 8 Alta Alta Baixa Alta

China 2,9 11,7 9,4 25,4

Perfil 9 Baixa Alta Alta Baixa

Grécia 0,4 0,4 19,7 9,5

Perfil 10 Baixa Baixa Baixa Alta

Croácia 0,1 0,1 13,4 12,6

Perfil 11 Alta Baixa Alta Alta

Cazaquistão 0,9 0,3 74,4 30,4

Perfil 12 Baixa Alta Baixa Alta

Filipinas 0,2 0,6 9,5 27,9

Fonte: Elaborado a partir de OECD.Stat (2018).

Esses dados auxiliam na compreensão de que a participação significativa na produção e nas exportações de commodities não é algo restrito às economias em desenvolvimento, mas, são as economias em desenvolvimento que em geral apresentam maior dependência das receitas das exportações e do VA interno, em relação às commodities. No entanto, há algumas exceções, dentre as economias desenvolvidas, que apresentam dependência das exportações e/ou do VA do setor de commodities, quais sejam: Islândia, Nova Zelândia, Austrália, Noruega e o Canadá.

No âmbito doméstico, o peso das commodities, em geral, é mais significativo nas exportações, e menor em termos de produção, dado que na média mundial da participação das

94 commodities nas exportações totais do país é de 17,9% e, em relação ao VA doméstico, 11,5%. Dentre essas economias, a Noruega apresentou uma parcela média de 25,8% das commodities no VA doméstico, enquanto as economias em desenvolvimento apresentaram parcela média entre 10% e 20%.

Na Argentina, a média de participação do agregado das commodities nas exportações totais do país foi de 50,2%, e no valor adicionado doméstico foi de aproximadamente 24,8%; no Chile, essas médias foram de 60,3% e 20,9%; na Colômbia, 57,0% e 21,0%; no Peru, 65,4% e 24,8%, respectivamente; sendo que a economia peruana, dentre as últimas citadas, dentre as citadas, é a que apresenta uma participação nas exportações mundiais e na produção mundial de commodities abaixo da média mundial (Perfil 2). O Brasil apresentou uma média de 43,8% em commodities nas suas exportações e 12,6% na composição do valor adicionado interno.

De acordo com Sally e Fayre (2018) o fenômeno da concentração (acima de 40% da pauta exportadora) das exportações em commodities, mesmo que intuitivamente pareça um fenômeno particular de países menores, também ocorre em grandes países, especialmente grandes países de baixa renda. Os autores apresentam o caso da Venezuela, em que as exportações de uma única commodity representa mais de 50% da pauta exportadora; a economia de Angola, com concentração em três commodities; o caso das exportações de castanha-de-caju para a Guiné- Bissau; e, o urânio para a Eritréia.

No entanto, mesmo em face de uma participação expressiva de algumas economias desenvolvidas no mercado mundial das commodities isso não resulta em uma dependência das receitas das exportações e/ou do VA doméstico, não indica especialização da economia nesse setor, ao contrário do que continua sendo um processo presente na maior parte das economias em desenvolvimento que são importantes nesse comércio. Por oportuno, Oyejide (1989), ao analisar o comércio internacional de commodities até fins dos anos 1980, apontava que esse comércio era liderado por economias desenvolvidas, mas, eram as economias em desenvolvimento as mais dependentes delas para renda nacional, receita de exportações e emprego.

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