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4. Perfil e trajetória política das deputadas no pós-Constituinte

4.2. Quem são as deputadas do pós-Constituinte

4.2.3. Perfil das deputadas por naturalidade e região eleitoral

Outro indicador importante para o desenho do perfil das deputadas no pós- Constituinte é sua distribuição segundo naturalidade e região eleitoral. Alguns estudos partem dessas informações para estabelecer relações entre a eleição de mulheres, a corrente ideológica a que pertencem e a forma de ingresso na política. O estudo de Araújo283 conclui que, nas regiões Norte e Centro-Oeste, predomina a eleição de deputadas pelos partidos de centro e esquerda, apoiados por laços familiares, enquanto no Sul e Sudeste há maior proporção de mulheres da esquerda, a partir de vínculos com movimentos sociais.

Entre as deputadas eleitas no período 1987-2002 prevalecem aquelas oriundas das regiões Sudeste e Norte (ver Tabela 8). Essa observação vale para análise tanto de dados de naturalidade quanto de região eleitoral. É natural que uma parcela significativa das mulheres que entraram na Câmara dos Deputados tenha origem no Sudeste, uma vez que essa região concentra quase 43% da população total do país e, pela regra da proporcionalidade, conta com mais cadeiras no Parlamento. 284

Tabela 8

Distribuição do universo de deputadas, por naturalidade e região eleitoral Brasil, 1987 a 2002

Naturalidade Região eleitoral Regiões No Absoluto (%) No Absoluto (%) Norte 12 15,8 20 26,3 Nordeste 16 21,1 14 18,4 Centro-Oeste 8 10,5 11 14,5 Sudeste 33 43,4 27 35,5 Sul 7 9,2 4 5,3 Total 76 100,0 76 100,0

Fonte: Câmara dos Deputados. Elaboração própria.

283 ARAÚJO, 2001a.

284 Os dois estados que mais elegem são Rio de Janeiro e São Paulo, que, juntos, somam 26,3% do total de deputadas. No outro extremo encontram-se Sergipe e Paraná, que, ao longo período, não elegeram mulheres.

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Já a situação do Norte é outra: concentra apenas 7% da população brasileira, as mulheres nortistas encontram-se sobre-representadas no Parlamento, respondendo por 26% do universo de eleitas. As eleições de 2006 trouxeram novos dados para confirmar a importância dessa região para a representação parlamentar feminina. De fato, foi graças ao desempenho das candidatas do Norte que o número de mulheres na Câmara não foi reduzido. Ademais, as 13 deputadas eleitas pela região possibilitaram à Casa alcançar um total de 46 mulheres, número mais alto de toda a sua história. 285

A região Sul, por sua vez, foi a que menos elegeu mulheres ao longo da história: as mulheres sulistas conquistaram apenas quatro cadeiras (5,3%), mesmo respondendo por 15% da população feminina brasileira. As causas desses fenômenos merecem melhor investigação, especialmente por ser o Norte a região menos desenvolvida e o Sul estar em situação oposta, o que contraria a tese de serem as regiões mais industrializadas, ou os maiores distritos eleitorais, as que têm maior probabilidade de eleger mulheres. 286

Poder-se-ia supor que a sub-representação do Sudeste e a sobre-representação do Norte e do Centro-Oeste tivessem relação direta com os dispositivos eleitorais, que, ao estabelecer um teto e um piso para o número de deputados a serem eleitos em cada região, acaba prejudicando a primeira e favorecendo as demais. No entanto, da análise dos dados do Congresso Nacional, não é isso que se observa, o que aponta para a existência de mecanismos próprios à região relativos à eleição de mulheres. De fato, a distribuição das deputadas segundo a região eleitoral difere significativamente daquela apresentada pela totalidade do Congresso Nacional. Nessa comparação, ganham espaço o Norte e o Centro- Oeste, que, para o Congresso, representam, respectivamente, cerca de 12% e 9% dos parlamentares, e perdem força o Nordeste, com pouco mais de 30% do total, e o Sul, que concentra em torno de 15% desse universo.

Da análise desses dados ao longo das legislaturas aqui enfocadas, é possível perceber que a participação de mulheres eleitas pela região Nordeste cai significativamente, passando de 27%, na legislatura iniciada em 1987, a 7%, na de 1999. O Centro-Oeste ampliou bastante sua participação: de 11,5% para 25%. No caso do Sul, há tendência de estabilidade: após um

285 FERRARI e COBBOS, 2006.

286 Talvez esta seja uma característica da política local que não se repete no âmbito federal. Alguns estudos têm mostrado que nas eleições municipais as mulheres são mais eleitas nos estados menos industrializados, menos urbanizados e mais pobres. Por exemplo, COSTA, Ana Alice A. Donas no poder: mulher e política na Bahia. Salvador: Ed. do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher – FFCH/UFBA, 1998.

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crescimento da primeira para a segunda legislatura, as parlamentares dessa região têm ocupado, sempre, o mesmo número de cadeiras. Para o Norte, há uma queda expressiva no final do período, que, no entanto, já apresenta reversão nas eleições de 2006 (ver Tabela 9).

Tabela 9

Distribuição do universo de deputadas, por região eleitoral e legislatura Brasil, 1987 a 2002 1987-1991 1991-1994 1995-1998 1999-2002 Região Eleitoral No Absoluto (%) No Absoluto (%) No Absoluto (%) No Absoluto (%) Norte 8 30,8 8 27,6 10 34,5 5 17,9 Nordeste 7 26,9 3 10,3 3 10,3 2 7,1 Centro-Oeste 3 11,5 4 13,8 6 20,7 7 25,0 Sudeste 8 30,8 12 41,4 8 27,6 12 42,9 Sul - - 2 6,9 2 6,9 2 7,1 Total 26 100 29 100 29 100 28 100

Fonte: Câmara dos Deputados. Elaboração própria.

Nota: * O conjunto das deputadas não soma 76, pois, na análise que considera a legislatura, estão contadas repetidamente aquelas que foram reeleitas para o cargo. Assim, a soma, nesse caso, é igual a 112, o que significa que as 76 deputadas estudadas ocuparam 112 mandatos na Câmara.

Com a análise da distribuição regional das deputadas eleitas segundo o tipo de capital político predominante, diferenças importantes saltam aos olhos. Os dados da tabela 10 mostram que quase 50% das mulheres que construíram suas carreiras por meio dos movimentos sociais é eleita pelo Sudeste, enquanto outros 21,7% têm no Nordeste sua base eleitoral. São parlamentares que emergem no contexto político como porta-vozes de ideais ou interesses coletivos, como representantes de determinadas corporações profissionais – forte no Sudeste – ou de grupos em situação de maior pobreza e vulnerabilidade social, particularmente no Nordeste e Norte, as regiões onde a incidência de pobreza e extrema pobreza são as maiores do país. 287

Com relação às deputadas com um histórico de ocupação de cargos importantes no poder público, o que chama atenção é o fato de se concentrarem especialmente nas regiões Norte e Centro-Oeste do país. Uma possível explicação é que, uma vez que nessas regiões a competição para assumir cargos de relevância política tende a ser, proporcionalmente, menor, especialmente em função da possível menor disponibilidade de pessoas dotadas de

287 IPEA. Radar Social 2006: condições de vida. Brasília: Ipea, 2006. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/. Acesso em: 20 de outubro de 2006.

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saber técnico especializado288, há maior abertura para o acesso de mulheres a esses postos. Além disso, essas regiões comportam uma proporção elevada de mulheres cujos cônjuges são políticos dotados de poder e prestígio local. Nesses casos, é comum a ocupação de cargos públicos pelas esposas, principalmente na área social, dado que também pode contribuir para ampliar a compreensão do fenômeno.

Tabela 10

Distribuição das deputadas*, por região eleitoral e tipo de capital político Brasil, 1987 a 2002

Tipo de Capital Político

Movimentos Ocupação de Cargos Familiar Outros Campos

Região Eleitoral No Absoluto (%) N o Absoluto (%) N o Absoluto (%) N o Absoluto (%) Norte 4 17,4 5 35,7 8 25,8 3 37,5 Nordeste 5 21,7 1 7,1 8 25,8 - Centro-Oeste 1 4,3 4 28,6 6 19,4 - Sudeste 11 47,8 3 21,4 8 25,8 5 62,5 Sul 2 8,7 1 7,1 1 3,2 - Total 23 100,0 14 100,0 31 100,0 8 100,0

Fonte: Pinheiro, Luana. Vozes Femininas na Política. Brasília, 2006.

Nota: * O total de deputadas refere-se às 76 eleitas, tendo sido desconsideradas as duplas contagens resultantes de processos de reeleição.

Já a eleição de parlamentares oriundas de outros campos sociais é bastante forte no Sudeste brasileiro, pois nessa região concentram-se os principais canais midiáticos do país. Por fim, um outro dado importante refere-se às deputadas que se elegem por meio de seus vínculos familiares. Diferentemente do que se veicula com freqüência, esta é uma realidade presente em todas as regiões do país. Uma série de estudos associa a eleição de mulheres filhas/casadas com políticos às regiões menos desenvolvidas, na qual predominam as tradicionais oligarquias políticas. Em termos proporcionais, para as mulheres do Norte, Nordeste e Centro-Oeste esta é a via ainda mais importante, já que no Sul e no Sudeste o caminho alternativo aberto pelos movimentos sociais também se torna relevante. No

288 São as regiões Norte e Nordeste as que possuem menor proporção da população com nível superior completo; pouco menos de 8% da população, em comparação a 13% no Sudeste e 12% no Sul e Centro- Oeste. IPEA. Retrato das desigualdades. Brasília: Ipea, 2006.

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entanto, não é possível afirmar que esta é uma realidade exclusiva das regiões menos desenvolvidas do país; os dados coletados mostram que a entrada na política a partir do prestígio familiar aparece como um caminho importante para as mulheres de todo o país.

De fato, ao se analisar os dados de naturalidade, apresentados na tabela 11, percebe- se que 48% das deputadas com capital político familiar nasceram em cidades do Sudeste brasileiro, tendo, posteriormente, migrado para o Norte, Sul e Centro-Oeste. No caso do Nordeste, todas as deputadas que ali nasceram e que tinham trajetória política familiar foram eleitas na região, ou seja, há maior grau de fixação deste subgrupo de deputadas.

Tabela 11

Distribuição das deputadas*, por naturalidade e tipo de capital político Brasil, 1987 a 2002

Tipo de Capital Político

Movimentos Ocupação de cargos Familiar Outros Campos

Naturalidade No Absoluto (%) N o Absoluto. (%) N o Absoluto (%) N o Absoluto (%) Norte 2 8,7 5 35,7 3 9,7 2 25,0 Nordeste 6 26,1 1 7,1 8 25,8 1 12,5 Centro-Oeste 1 4,3 4 28,6 3 9,7 - 0,0 Sudeste 9 39,1 4 28,6 15 48,4 5 62,5 Sul 5 21,7 - 0,0 2 6,5 - 0,0 Total 23 100,0 14 100,0 31 100,0 8 100,0

Fonte: Pinheiro, Luana. Vozes Femininas na Política. Brasília, 2006.

Nota: *O total de deputadas refere-se às 76 eleitas, tendo sido desconsideradas as dupla contagens resultantes de processos de reeleição.

Da comparação das tabelas 10 e 11, é possível visualizar esse processo migratório entre as deputadas, especialmente em direção às regiões Norte e Centro-Oeste. Este também foi um comportamento observado para os demais parlamentares do Congresso Nacional, tendo sido explicado por Messenberg como “diretamente relacionado à condição de zona de fronteira agrícola assumida por essas regiões, sobretudo a partir da década de 70, a qual estimulou a migração de milhares de famílias, especialmente as sulistas, no rumo da exploração econômica de suas áreas”.289 A direção desse fluxo migratório é interessante, pois aponta que as mulheres migram das localidades onde a competição eleitoral é mais intensa (Nordeste e Sudeste) para aquelas onde a disputa pode ser

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considerada menos difícil. Para a elite parlamentar do Congresso essa situação é distinta, já que a migração se dá em direção ao Sudeste, vinda especialmente do Nordeste. Não é possível, porém, estabelecer que há uma estratégia eleitoral conscientemente assumida pelas deputadas no sentido de migrar para regiões menos competitivas, de modo a construir suas carreiras políticas. De fato, como apontou Messenberg, essa migração deve estar relacionada, muito mais, a fatores econômicos e sociais que, em algum momento, incentivaram as famílias dessas mulheres a mudarem de região.