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A pergunta de partida, hipóteses e objectivos do estudo

Capítulo IV Opções Metodológicas

1. A pergunta de partida, hipóteses e objectivos do estudo

Toda a investigação no âmbito das ciências sociais, prevê à priori um processo comparativo, tendo em conta um conjunto de linhas orientadoras traçadas intencionalmente, para que todo o trabalho não seja elaborado fortuitamente. Neste sentido, de acordo com Quivy e Campenhoudt (2003), interessa essencialmente que o investigador consiga definir e concretizar um processo para a concretização do projecto, ou seja, organizar um método de trabalho.

Assim sendo, para circunscrever a determinação da nossa pesquisa, elaborámos a pergunta de partida que serve de referência para a realização do nosso trabalho de investigação. De acordo com Quivy e Campenhoudt (2003, p.44) a pergunta de partida tem um papel fundamental para todo trabalho de investigação, pois através desta “o investigador tenta exprimir o mais exactamente possível aquilo que procura saber”, isto é, a pergunta de partida desempenha a função de “fio condutor da investigação”. De acordo com os mesmos autores a formulação da pergunta de partida deve apresentar três propriedades, ou seja, a pergunta deve ser clara, precisa, sucinta e unívoca; exequível, ou seja, a questão deve ser realista; por fim, deve ser uma pergunta pertinente, ou seja, deve ter uma intenção concreta para a compreensão dos fenómenos estudados.

Neste sentido, durante as investigações por nós realizadas, levantou-se aquela que nos parece ser uma questão pertinente no âmbito do contexto familiar, designadamente em famílias que evidenciam falta de competências educativas chegando ao ponto de maltratar as suas crianças. Assim, a nossa pergunta de partida é a seguinte: Será que o

adulto ao maltratar a criança, tem consciência dos danos que lhe está a causar?

Ao formular a nossa pergunta de partida procurámos que esta preenchesse os requisitos pretendidos (exequível, pertinente e clara), para que houvesse um suporte consistente, isto é, o fio condutor indispensável para a elaboração de todo o trabalho, que nos possibilitasse abranger as temáticas a estudar, atendendo às limitações impostas

Maus-Tratos na Infância: Uma Perspectiva do Bairro da Colina

pelas próprias características do estudo pois, como nos diz Lessard Hérbert (1996, p.150) “A apresentação dos limites do projecto é a descrição do conjunto de constrangimentos, tempo, espaço, imprevistos, absentismo, falta de conhecimento do meio”, factores a que vamos estar atenta.

Porém, para orientar a resposta à pergunta de partida, construímos quatro conceitos e quatro hipóteses, logicamente articulados entre si, que constituem, portanto, o Modelo de Análise. De acordo com Raymond Quivy e Luc Van Campenhoudt (2003, p.118-122) o Modelo de Análise “é composto por conceitos e hipóteses que estão (…) articulados entre si para, em conjunto, formarem um quadro de análise coerente e unificado”. Da mesma forma, os autores definem hipótese como um instrumento que “fornece à investigação um fio condutor particularmente eficaz que, a partir do momento em que ela é formulada, substitui nessa função a questão da pesquisa”. Assim sendo, a hipótese é considerada como uma tentativa de solução para o problema a desenvolver. Relativamente aos indicadores, os mesmos afirmam que são demonstrações realmente notáveis das dimensões do conceito (…). Mas, de igual modo “existem conceitos para os quais os indicadores são menos evidentes”, podendo ser “uma marca, um sinal, uma expressão”, ou até “qualquer fenómeno que nos informe acerca do objecto da nossa construção”. Logo é através da construção dos conceitos e seus indicadores, que as hipóteses se tornam observáveis.

É neste contexto que para a determinação de possíveis respostas à pergunta de partida, construímos três hipóteses, logicamente articuladas entre si. Assim, as hipóteses elaboradas, na tentativa de dar uma resposta à nossa pergunta de partida, são as seguintes:

H1 – É no seio da família que ocorrem as situações mais gravosas de mau trato; H2 – O adulto pensa que as punições que aplica não se reflectem na saúde física e emocional da criança;

H3 – O adulto admite que está a favorecer o desenvolvimento social da criança.

Neste âmbito são objectivos deste estudo:

• Compreender o conceito de mau trato e de negligência segundo alguns autores que estudaram esta problemática;

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79 • Identificar os sinais e sintomas nas crianças vítimas de maus-tratos;

• Analisar a consciencialização da família relativamente aos maus-tratos; • Identificar situações de maus-tratos no seio familiar;

• Analisar a adaptação ou intervenção técnica em termos preventivos; • Avaliar a intervenção em termos preventivos.

Sempre na tentativa de uma maior clarificação do caminho a seguir, procurámos encontrar os indicadores que melhor caracterizassem as dimensões implícitas na nossa análise deste fenómeno social, como consta no quadro seguinte.

Quadro nº.1 – Caracterização dos indicadores de maus – tratos no contexto famíliar.

Dimensão Conceito Indicadores

Mau-trato Físico

• Equimoses ou hematomas frequentes em diversas zonas do corpo e face; • Histórias de “acidentes” repetidas e frequentes;

• Alterações de comportamento: agressividade, tristeza; • Lesões diversas com tempo de evolução;

• Marcas de mordeduras;

• Queimaduras com cicatrizes visíveis de cigarros e com localizações múltiplas; • Realização de trabalhos excessivos;

• Passividade, timidez excessiva.

Negligência

• Alimentação desadequada; • Falta de higiene;

• Cáries dentárias; • Unhas quebradiças;

• Vestuário desadequado em relação à época; • Falta de assistência médica;

• Absentismo escolar;

• Atrasos nas aquisições sócias em todas as áreas (linguagem, motricidade, socialização);

• Pobre relacionamento com outras crianças; • Condutas para chamar a atenção do adulto.

Meio Familiar

Mau-trato Emocional

• Perturbações funcionais: Controle dos esfíncteres: enurese; encoprose;

• Perturbações cognitivas: Alterações de concentração, atenção e memória; atraso no desenvolvimento da linguagem; Baixa auto-estima;

• Perturbações comportamentais: desinteresse total em si próprio, carência do comportamento exploratório natural da idade; socialização escassa, ou conflituosa;

• Perturbações psíquicas: Alteração da personalidade, depressão, hiperactividade, ansiedade, alterações bruscas de comportamento;

• Perturbações afectivas: Choro incontrolável; sentimentos de vergonha e culpa; medos concretos ou indeterminados;

• Perturbações do comportamento. • Ralhar constantemente;

• Humilhar;

• Isolamento de outras crianças; • Proibição de brincadeiras.

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Abuso Sexual

• Dor na região vaginal ou anal;

• Submissão exagerada aos adultos; Preocupação em agradar; • Apetite: Anorexia; bulimia;

• Perturbações funcionais: enurese; encoprose; • Pobre relacionamento com outras crianças; • Desenhos ou brincadeiras sexuais explícita;

• Mudança súbita de comportamento na escola: diminuição do rendimento escolar, incapacidade de concentração;

• Excesso de limpeza, ou total despreocupação com a higiene; • Relutância em trocar de roupa para a ginástica;

• Medo a algumas pessoas ou lugares; • Má relação com os pares.

Tendo em conta que este assunto é delicado, cremos efectivamente que através de uma abordagem intensiva e aprofundada, possamos melhor compreender a forma como (num todo) os participantes, em paralelo com os pais e alunos reflectem sobre a problemática.

Portanto, este estudo comporta uma abordagem de carácter qualitativo, nomeadamente o estudo exploratório de caso comparativo. De acordo com Adelman et. al., (cit. in Bell, 2002, p.22) o estudo de caso tem sido definido como sendo um “termo global para uma família de métodos de investigação que têm em comum o facto de se concentrarem deliberadamente sobre o estudo de um determinado caso”.

Segundo Bell (2002, p.23) este método é vantajoso pois “consiste no facto de permitir ao investigador a possibilidade de se concentrar num caso específico ou situação” e, ao mesmo tempo pode “ identificar os diversos interactivos em curso”.