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3.1 A Capitania de Pernambuco e a Missionação Jesuítica

3.1.1 Pernambuco do século XVIII

Figura 4 — Capitania de Pernambuco e Anexas: no Estado do Brasil56 - XVIII

Fonte: Tamires Pereira Silva, Lisboa, 2016.

A Capitania de Pernambuco e anexas, desde o século XVI, em comparação com as outras capitanias da América Portuguesa, apresentou proeminência política e econômica para Portugal. O território designado Pernambuco constituía a segunda maior capitania, sendo

56 Em 1621, o Brasil é dividido em dois Estados com administrações autônomas uma da outra, mas ambos ligados e dependentes da Metrópole. O objetivo de Felipe II de Portugal (Felipe III da Espanha) era defender o Brasil das invasões de outros povos europeus e estimular as atividades comerciais. Em 13 de junho de 1621, a América portuguesa passou a ter duas unidades administrativas: Estado do Maranhão, com capital em São Luíz, e Estado do Brasil, cuja capital era Salvador. Em 1654, o Estado do Maranhão passou a ser designado Estado do Maranhão e Grão-Pará (ver Anexo A).

desenhado, no século XVIII, no mapa do Estado do Brasil. Tendo, ao sul, o Rio São Francisco como limite, dispunha de rios com volume de água considerável, uma vegetação densa no sul e no litoral, clima tropical e, em seu interior, uma extensão de terra agreste (MATIAS, 2002, p. 796)57. O oeste da capitania, de clima semiárido, região denominada na documentação pesquisada como “os sertões”, correspondia a 80% do território da capitania.

A capitania teve como primeira capital Olinda, fundada em 1537, sendo esta, algumas décadas depois, substituída por Recife, elevada à vila em 1710. A mudança de Capital é um reflexo de vários movimentos sócio-políticos acontecidos na passagem do século XVII para o século XVIII. Ainda no século XVII, os holandeses invadiram a capitania, fixando-se em Recife e incendiando Olinda em 1631. Na segunda metade do século XVII, houve um surto de febre amarela, dizimando grande parte da população da capitania; só em Recife, cerca de duas mil pessoas contraíram a doença. Essa epidemia foi usada como argumento contra Olinda por a mesma não dispor de administradores e estrutura para sanar problemas de saúde da capitania. A Guerra dos Mascates, entre 1710 e 1711, muito contribuiu para fazer de Recife a capital de Pernambuco.

A posição econômica e social de Olinda e Recife se distingue cada vez mais no início do século XVIII. Para António Jorge Siqueira (1988), Olinda, após invasão holandesa, passou a ser “entreposto/povoação umbilicalmente ligado à produção, apropriação e exportação de mercadorias e, mais tardiamente, à incipiente administração dos interesses fazendários da coroa lusitana”58. Como muito bem ressalta Gilda Verri, às “características agroexportadoras

de produtos naturais da Colônia somavam-se as múltiplas atividades do clero, incluindo as agrícolas e as educacionais, no Colégio dos Jesuítas de Olinda e Recife” (VERRI, 2006, p. 66). Para garantir a subsistência desses colégios, justificava-se a posse de engenhos e fazendas e uma larga atividade de exportação, como veremos.

Pernambuco, desde o início da colonização, destacou-se na produção de açúcar, que sempre esteve equiparada ou em concorrência com outras formas de produção e exploração das fontes de riqueza da colônia Brasil. A atividade açucareira pressupunha a instalação de diversos engenhos na capitania e essa ação definiu, desde cedo, a expansão territorial e demográfica de Pernambuco. Aqui é importante lembrar que, em termos de expansão territorial e demográfica, a criação de engenhos se assemelha, em suas lógicas, à função das missões com os índios

57 Ver também Marcus Carvalho. Pernambuco, Capitania de. In: SILVA, 1994, pp. 628-632.

58A.J Siqueira, “Questionamento acerca do espaço urbano na Colônia: Recife-Olinda, in Clio: Revista do Curso de Mestrado em História, Recife, n. 10, 1988, p.77. Disponível em: <http://www.revista.ufpe.br/revistaclio/index.php/revista/article/viewFile/842/690/>. Acesso 22 de fevereiro de 2016.

aldeados. Nessa dinâmica de produção, Olinda e, depois, Recife se tornaram núcleo irradiador de povoações, engenhos e missões.

A distribuição de engenhos ao longo do território da capitania seguiu uma racionalidade de ocupação. Constata-se que os locais de implementação das unidades produtoras de açúcar deveriam considerar uma vasta área para plantação da cana e de uma agricultura de subsistência; teriam que ser juntas das matas, com recursos hídricos e fluviais, os quais deveriam possibilitar o acesso e o escoamento da produção. Verri (2006) chega a sugerir que houve um planejamento que definia a distância de um engenho para outro, o que contribuiu, entre outros fatores, para a segurança e defesa de possíveis ataques. O resultado desse planejamento é que, no século XVIII, mesmo com a diminuição de engenhos após a invasão holandesa, a capitania contava com 230 engenhos em 1761 e 296 em 1775, além de um território delineado e protegido.

A formação da população de Pernambuco incluiu os “degradados portugueses, alemães e italianos”, os quais foram denominados por Duarte Coelho de “gente da melhor estirpe” social e étnica. A presença indígena na formação demográfica da capitania foi notável e diversificada. Ao sul de Pernambuco, dominavam os índios Caetés, que representaram, na visão dos colonos, um grande obstáculo à expansão agrária açucareira por serem, segundo Manuel Diégues, de “camaradescas relações com os franceses” (JÚNIOR, 1954 apud LEITÃO, 2011, p. 16). Somavam-se aos Caetés, os Tupinambás, os Potiguaras e os Tabajaras, que se distribuíam no litoral.

[...] com o desenvolvimento da indústria açucareira, a demanda de mão-de-obra foi-

se acentuando, num ‘dos principais focos de recebimento e distribuição de escravos’,

recorrendo-se essencialmente a dois tipos: angola-congos e os negros da costa. Estes fatos mostram um movimento de colonização do litoral para interior da capitania, o que proporcionou uma diminuição da população indígena na costa tanto de Pernambuco como das anexas, Rio Grande do Norte, Paraíba e Ceará. (LEITÃO, 2011, p 17)59.

A história eclesial de Pernambuco ganhou relevo com a elevação da prelazia de Olinda em 1614 e o estabelecimento do seu bispado por meio da bula “Ad sacram Beati Petri sedem”, assinada pelo Papa Inocêncio XI em 1676. Esses marcos são relevantes por estarem relacionados com outras dimensões da sociedade da época, visto que a criação de um bispado,

59 Ana Rita Bernardo Leitão (2011), desenvolveu uma pesquisa de doutorado tendo como objetivo principal refletir o processo de introdução da língua portuguesa nas aldeias indígena de Pernambuco. Ela analisa a intervenção da Coroa Portuguesa por meio da Direção dos Índios e o papel de missionários e professores régios, suas metodologias de ensino e problemáticas associadas ao impacto da aprendizagem da língua portuguesa para a população indígena nos séculos XVII e XVIII.

no século XVIII, estava diretamente vinculada à importância econômica e política da capitania, assim como a intenção de um maior vínculo desta com a metrópole, favorecido pela Igreja, já que a relação Igreja e Estado se estreitava através do padroado.

A criação da Diocese de Olinda consolidou a presença institucional da Igreja Católica e o estabelecimento legal do vínculo entre os poderes temporais da Coroa e os poderes espirituais dos agentes eclesiais. Para o funcionamento de uma diocese no período colonial, além do bispo, contava-se com a participação de um deão60, do cabido e do vigário geral. Vale ainda ressaltar que a esta diocese pertencia toda a Capitania de Pernambuco e anexas — Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará —, área territorial deste nosso estudo.

A força do bispo de Olinda e o vínculo deste com o Estado podem ser demostrados em 1710, quando Dom Manoel Álvares da Costa, ao chegar a Olinda, leu a carta régia de elevação de Recife à vila. A esse bispo coube a missão de administrar não só a Igreja, mas os conflitos políticos entre olindenses e recifenses, quando os primeiros resistiram à elevação de Recife à vila e os outros defendiam a autonomia da nova vila.

Dom Manuel Álvares da Costa pelo tempo que levara para assumir o cargo talvez tivesse preferido ficar em Lisboa. Mas, em Olinda, teve que tomar partido na disputa política, apresentar-se e ausentar-se do palácio episcopal, para poder manter o equilíbrio espiritual e temporal requerido pela função e ainda acumular o cargo de governador interino da capitania, em lugar de Castro e Caldas. Posto entre discórdias, aguardara, para administrar Pernambuco, a chegada de Felix José Machado de Mendonça Eça Castro e Vasconcelos (1711-1715) (VERRI, 2006, p. 110).