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4 EDUCAÇÃO DO CAMPO NO BRASIL E O PROGRAMA ESCOLA NOVA NA

5.4 Perspectiva Pós-Crítica do Currículo

A perspectiva pós-crítica do currículo refere-se às teorias que questionam os pressupostos das teorias críticas, notadamente, marcadas pelas influências do Marxismo, da Escola de Frankfurt e, em certa medida, pela Fenomenologia (LOPES, 2013). Surgem em um contexto de agravamento das desigualdades sociais evidenciando que as relações desiguais de poder não se reduzem apenas a determinantes econômicos e políticos, mas refletem também os aspectos socioculturais de raça, de gênero e de sexualidade.

Neste contexto, emergem as lutas travadas pelos grupos silenciados e subalternizados tais como: mulheres, negros, índios e homossexuais, entre outros; passa-se a questionar os alicerces que legitimam e validam o que deve ser ensinado e para quem deve ser ensinado nos currículos escolares (SILVA, 2000).

Nessa direção, o Feminismo denunciava que a sociedade estava estruturada não só pelo capitalismo, mas também pelo patriarcado. Essa denúncia recaía sobre a educação e o currículo (SILVA, 2010). A Perspectiva Tradicional Feminista em educação preocupou-se fundamentalmente com o acesso e o desempenho das mulheres no sistema educacional. Essa perspectiva apontava que o nível de educação das mulheres em muitos países era baixo em relação aos homens, sobretudo naqueles países situados na periferia do capitalismo, como é o caso dos países da América Latina. Posteriormente, as críticas passaram a compreender não só o acesso, mas o quê do acesso. Esta análise revelou que havia um currículo para os homens e outro para as mulheres, bem como disciplinas e conteúdos específicos para mulheres e para homens. Nessa linha, também foram realizadas análises dos materiais curriculares, tais como o Livro Didático. As análises realizadas apontaram que os livros didáticos faziam circular os estereótipos sexistas reproduzindo as desigualdades de gênero presentes na sociedade, o que contribuiria para dificultar o acesso das mulheres a postos profissionais, predominantemente, masculinos (SILVA, 2010).

Destacamos que o ponto chave da Crítica Feminista à educação e ao currículo foi evidenciar que o conhecimento e consequentemente o currículo eram masculinos uma vez que encarnavam os ideais modernos do “sujeito cartesiano, unitário e centrado, que está na raiz mesma do projeto científico, é macho, branco e europeu” (SILVA, 1995, p. 189). A Crítica Feminista ao currículo e ao conhecimento que o constitui revelou não só que o currículo é masculino, mas também etnocêntrico.

É nesse cenário de questionamentos que a Perspectiva Pós-Crítica de Currículo encontra-se abordando os seguintes enfoques: Pós-Modernistas, Pós-Estruturalistas e Pós- Colonialistas. Destacamos que trataremos especificamente do enfoque Pós-Colonialista dentro da Perspectiva Intercultural Crítica de Currículo à qual nos afiliamos.

O enfoque Pós-Modernista advém de críticas realizadas aos currículos formulados e fundamentados na modernidade. Esses currículos caracterizam-se por serem disciplinares, segmentados, lineares, estáticos, objetivistas e encarnavam os princípios modernos. Em uma acepção pós-moderna o currículo privilegiaria “a mistura, o hibridismo e a mestiçagem – de cultura, de estilos, de modo de vida” (SILVA, 2010, p. 114).

Em relação ao enfoque pós-estruturalista, “o currículo é, como muitas outras, uma prática de atribuir significados, um discurso que constrói sentidos” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 203). Nessa concepção, é abandonada a ênfase na “verdade” e os binarismos são contestados, tais como: teoria/prática, sujeito/objeto, natureza/cultura. Logo, são desestabilizados os projetos curriculares que buscam formar uma dada identidade nos estudantes, ligada aos ideais de sujeito emancipado e consciente capaz de dirigir a transformação social (LOPES, 2013).

Por sua vez, o enfoque pós-colonialista é um termo utilizado para designar formulações teóricas que objetivam entender os efeitos políticos, sociais e culturais em países que passaram por processos de colonialismo e de colonização (LOPES; MACEDO, 2011). Estes processos impuseram relações de poder desiguais que repercutiram diretamente na educação, uma vez que era/é preciso garantir a construção/manutenção dos Estados-Nação.

Os LD assumiram um papel importante para a difusão da narrativa nacional nas antigas colônias. Segundo Silva (2010, p. 128), “o saber e o conhecimento estiveram estreitamente ligados aos objetivos de poder das potências coloniais europeias”. Nessa direção, além de impor um modelo político de organização social, o poder colonial precisou estabelecer-se culturalmente, para isto foi imposto ao outro subjugado uma determinada forma de conhecimento legitimada como única e verdadeira. A educação então se tornou chave mestra para a imposição de um conhecimento masculino, branco, cristão e europeu. Contudo, estas imposições não ocorreram sem que houvesse resistências. Logo, não podemos afirmar que há pureza nestas relações de poder, haja vista que são constituídas pelo híbrido “carrega as marcas do poder, mas também as marcas da resistência” (SILVA, 2010, p. 129).

Seguindo esta linha de raciocínio, o Currículo Pós-Colonial busca descortinar as heranças coloniais que permanecem celebrando a soberania eurocêntrica. Desse modo, tal currículo ultrapassa a mera integração e oficialização da diferença nas determinações

curriculares; este contempla formas outras de produzir conhecimentos que não estão referenciados no cânone eurocêntrico. Nessa direção, Silva questiona:

em que medida as definições de nacionalidade e “raça”, forjadas no contexto da conquista e expansão colonial, continuam predominantes nos mecanismos de formação de identidade cultural e da subjetividade embutidos no currículo oficial? De que forma as narrativas que constituem o núcleo do currículo contemporâneo continuam celebrando a soberania do sujeito imperial europeu? Como é que nessas narrativas são construídas as concepções sobre “raça”, gênero e sexualidade que se combinam para marginalizar identidades que não se conformam com as definições da identidade considerada normal? (2010, p. 129).

O Currículo Pós-Colonial vai de encontro às formas de fixação de sentidos empreendidas pelo colonialismo que inviabiliza formas outras de pensar e de dizer diferente (LOPES; MACEDO, 2011). Desse modo, compreendemos que as mulheres sofreram/sofrem com os estereótipos de subalternidade, principalmente, as mulheres marcadas pela interseccionalidade de raça, de etnia, de gênero, de classe, de território e de sexualidade que as localizam em uma posição subalterna frente ao homem branco e à mulher branca e aos homens racializados.

Pressupomos que os LD podem contribuir para a celebração de um currículo masculino, branco, urbanocêntrico, cristão que localiza as mulheres em posições de subalternização, reforçando a colonialidade do poder, do ser, do saber e da natureza. De acordo com Santomé

a imensa maioria dos livros didáticos ainda hoje continua incorporando uma filosofia de fundo que considera que somente existem no mundo homens de raça branca, de idade adulta, que vivem em cidades, estão trabalhando, são católicos, de classe média, heterossexuais, magros, são musculosos. Dificilmente encontraremos nos conteúdos de tais materiais curriculares informações sobre temas como a história e a vida cotidiana das mulheres, seus âmbitos de discriminação (o trabalho doméstico, a maternidade e o cuidado da prole, a violência contra as mulheres, a precarização do trabalho, “o teto de cristal”, a prostituição) (2013, p. 240).

No entanto, também compreendemos que a eliminação dos estereótipos determinada pelo edital de seleção resulta das lutas dos Movimentos Sociais, entre outros, os Movimentos Feministas que lutam pela eliminação de preconceitos sexistas presentes nos currículos e nos materiais curriculares como os LD. Por exemplo, no âmbito das políticas para as mulheres, tanto o Brasil quanto a Colômbia possuem instrumentos legais que objetivam romper com a propagação de discriminação sexista na educação, principalmente, por meio dos livros

didáticos, a saber: 1) No Brasil o III Plano Nacional de Política para as Mulheres (PNPM/2013) tem enfatizado a necessidade de “eliminar conteúdos sexistas e discriminatórios e promover a inserção de temas voltados para a igualdade de gênero e valorização das diversidades nos currículos, materiais didáticos e paradidáticos da educação básica” (BRASIL, 2013, p. 23); 2). Na Colômbia, através do Decreto nº 166 de 04 de maio de 2010, é reforçada a urgência de “eliminar estereotipos sexistas a través de la transformación de las prácticas pedagógicas, los contenidos curriculares, los textos escolares y los materiales pedagógicos para la visibilización de los aportes de las mujeres en todos los campos del conocimiento” (p. 16).

Frisamos que o currículo na perspectiva pós-colonial intercultural toma por referência epistemológica, para a seleção e organização dos conteúdos de ensino-aprendizagem, os conhecimentos e as experiências dos povos subalternizados. O currículo pós-colonial intercultural não nega as contribuições da episteme eurocêntrica, no entanto esta não é mais referência na construção dos currículos. Logo, o currículo, em concordância com as demandas dos povos subalternizados, recontextualiza e difunde conhecimentos e práticas educativas outras, possibilitando o diálogo em paridade entre conhecimentos eurocêntricos e conhecimentos outros. Assim, podemos dizer que o currículo pós-colonial intercultural visa à decolonização dos conhecimentos que constituem os currículos escolares.

No que concerne à Teoria Pós-crítica, evidenciaremos as lutas dos movimentos feministas por um currículo despatriarcalizado. Dessa maneira, as concepções identificadas foram: sociedade patriarcal/capitalista; conhecimento masculino; educação patriarcal/sexista; sujeito masculino/branco/heterossexual.

Referente à concepção de sociedade patriarcal/capitalista, as feministas denunciavam que a sociedade estava estruturada não só pelo capitalismo, mas também pelo Patriarcado (SILVA, 2010). Essa denúncia recaia sobre a educação e o currículo.

Em relação à concepção de conhecimento masculino, as feministas apontavam que o conhecimento encarnava os ideais modernos do “sujeito cartesiano, unitário e centrado, que está na raiz mesma do projeto científico, é macho, branco e europeu” (SILVA, 1995, p. 189). A Crítica Feminista ao currículo e ao conhecimento que o constitui revelou não só que o currículo é masculino, mas também etnocêntrico, haja vista que sua referência de raça era a branca. Esta análise revelou que havia um currículo para os homens e outro para as mulheres, bem como disciplinas e conteúdos específicos para mulheres e para homens.

Nessa direção, a educação é concebida como uma educação patriarcal/sexista/racista, na medida em que reproduzia as desigualdades de gênero ao negar as mesmas oportunidades

de acesso e permanência de mulheres nas escolas; de raça ao valorizar a raça branca em detrimento de outras, tais como a negra e a indígena.

A concepção de sujeito, segundo as feministas, estava ainda pautada no ideal masculino/branco/heterossexual, as mulheres eram tidas como seres débeis, na medida em que eram vistas como seres sentimentais, sem razão.

Diante do exposto, compreendemos que a Teoria Pós-Crítica em sua vertente feminista se mostrou revolucionária, pois não só denunciou as relações de poder presentes nos currículos, como também, ao questionar a ciência moderna, realizou rupturas epistemológicas. Assim, evidenciamos que as feministas conduziram/conduzem um movimento de despatriarcalização do Currículo Patriarcal/Racista ao questionar as bases que lhe dão sustentação, ou seja, a sociedade patriarcal; o conhecimento masculino/branco/heterossexual; a educação patriarcal/racista e o sujeito masculino/branco/heterossexual.