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4 EDUCAÇÃO DO CAMPO NO BRASIL E O PROGRAMA ESCOLA NOVA NA

5.2 Perspectiva Tradicional do Currículo: a emergência de um campo específico de

As discussões sobre currículo constituíram-se como um campo específico de estudo tal qual o conhecemos hoje nos anos finais do século XIX e durante o século XX, em um contexto histórico-social marcado pelo processo de industrialização dos Estados Unidos. O processo de industrialização levou a educação escolar a assumir outras responsabilidades. Até meados do século XIX, a educação estava preocupada em desenvolver através de disciplinas/atividades as faculdades mentais dos estudantes, não havia a preocupação de saber sobre o quê e para quê se ensinava (LOPES; MACEDO, 2011).

A partir das novas demandas decorridas da industrialização dos Estados Unidos, no século XX emergem as primeiras preocupações sobre o que a escola precisa realizar para dar conta de solucionar os problemas sociais gerados pelas mudanças econômicas. Nesse

contexto, surgem dois movimentos de teorias curriculares: o Eficientismo Social e o Progressivismo.

O Eficientismo Social defendia “um currículo científico, explicitamente, associado à administração escolar e baseado em conceitos como eficácia, eficiência e economia” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 22). Em 1918, Bobbit lança o livro The Curriculum; o modelo de currículo defendido por Bobbit tinha por base a teoria da administração científica desenvolvida por Taylor. Bobbit advogava que o currículo escolar deveria preocupar-se com a particularização exata de objetivos, procedimentos e métodos necessários para a aquisição de resultados que pudessem ser precisamente mensurados. Nessa ótica, a escola seria semelhante a uma grande fábrica na qual os sujeitos eram moldados para as exigências do mundo do trabalho e da vida econômica.

Em oposição ao Eficientismo, o Progressivismo, no século XX, busca o controle da elaboração dos currículos oficiais e lança mão de mecanismos menos coercitivos. No entanto, compartilham da mesma ideia de educação dos eficientistas, de que esta seria um meio para diminuir as desigualdades sociais advindas da sociedade urbana industrial. O objetivo da educação para o Progressivismo seria a construção de uma sociedade harmônica e democrática (LOPES; MACEDO, 2011).

John Dewey é o teórico mais conhecido do Progressivismo. Ele defendia que o foco do currículo deveria ser “a experiência direta da criança como forma de superar o hiato que parece haver entre escola e o interesse do aluno” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 23). Para o Progressivismo, a aprendizagem é um processo contínuo e não uma preparação para a vida ocupacional adulta, como é advogado pela perspectiva eficientista. A centralidade do currículo defendida por John Dewey é a resolução de problemas sociais, logo as atividades educacionais careceriam de conexão com as experiências que as crianças vivenciavam em outras instituições sociais como é o caso da própria família (LOPES; MACEDO, 2011).

Apesar da importância do modelo de currículo desenvolvido por John Dewey, o modelo que se consolidou naquele contexto foi o desenvolvido por Bobbit e concretizou-se com a publicação do livro de Ralph Tyler intitulado “Princípios Básicos de Currículo e Ensino” em 1949. O modelo curricular de Tyler centra-se na organização e no desenvolvimento do currículo de forma linear, podendo ser resumido em quatro etapas: “definições dos objetivos de ensino; seleção e criação de experiências de aprendizagem apropriadas; organização dessas experiências de modo a garantir maior eficiência ao processo de ensino; e avaliação do currículo” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 25).

Percebemos que o modelo de currículo tyleriano evidencia o que a escola deve ensinar, que estratégias de ensino são condizentes com os objetivos propostos, qual a forma mais eficiente de ordenar as estratégias e a avaliação final tendo por referência os objetivos estabelecidos no início do desenvolvimento curricular.

Para atingir de forma eficiente os objetivos propostos, Tyler advogava a necessidade de se realizar estudos sobre os estudantes e sobre a vida fora da escola, também defendia que fossem consideradas as sugestões de especialistas de distintas disciplinas. Contudo, estes estudos deveriam estar pautados na filosofia social e educacional adotada pela escola e na psicologia da aprendizagem (SILVA, 2000).

Frisamos que tanto o modelo de currículo Eficientista quanto o Progressista se contrapunham ao currículo clássico, humanista, advindo da Antiguidade Clássica. Tal currículo fazia parte da educação universitária medieval e renascentista, as disciplinas eram organizadas da seguinte forma: Trivium (gramática, retórica, dialética) e Quadrivium (astronomia, geometria, música, aritmética). Basicamente o ensino destas disciplinas objetivava conduzir os estudantes ao repertório das grandes obras literárias e artísticas gregas e latinas, inclusive o domínio das respectivas línguas. Estas obras e essas línguas encarnavam os mais altos níveis de ideais humanos, o conhecimento e a encarnação destes ideais formariam o homem culto, vale ressaltar que a formação do ser humano neste modelo curricular restringia-se ao gênero masculino (SILVA, 2000).

No início das teorizações sobre o currículo não se questionavam o lugar e o papel das mulheres dentro da sociedade e, muito menos, nos espaços de produção científica, haja vista que as funções e os lugares que distintas mulheres ocupavam estavam atrelados ao cuidado da prole e aos afazeres domésticos.

As críticas ao currículo clássico por parte dos teóricos do currículo Eficientista assinalavam a inutilidade dos conhecimentos e das habilidades que constituíam o currículo clássico para a vida ocupacional adulta dos estudantes, enquanto que as críticas proferidas pelos Progressistas se voltavam para o distanciamento entre os interesses e as experiências dos destinatários do currículo, ou seja, os estudantes.

Assinalamos que este panorama referente às primeiras formulações sobre currículo, como um campo de estudo, é de caráter global, haja vista que no Brasil as primeiras teorizações acerca do currículo remontam à década de 1980. Até então o Brasil importava as teorias curriculares desenvolvidas nos Estados Unidos (SOUZA, 1993).

Assim, a partir da década de 1980 o campo de estudo em Currículo no Brasil se estendeu consideravelmente e atualmente há uma produção nacional sobre Currículo. Os

modelos de Currículo Eficientista e Progressistas persistiram/persistem até o surgimento de movimentos contrários aos seus postulados, como veremos na próxima seção.

Referente à Teoria Tradicional, identificamos as seguintes concepções: sociedade urbana/industrial/capitalista; conhecimento neutro/estático/objetivo/aplicável; educação tecnicista; sujeito universal/sem saber/passivo.

Concernente à concepção de sociedade urbana/industrial/capitalista foi possível identificá-la tendo em vista o contexto de desenvolvimento econômico, nos Estados Unidos, dado o avanço das indústrias e do capitalismo (SILVA, 2010). A concepção de conhecimento estava fundada na ciência moderna, assim, o conhecimento é tido como neutro, estático, objetivo e aplicável. Logo, “o conhecimento relevante a ser ensinado na escola deve ser o conhecimento capaz de ser traduzido em competências, habilidades, conceitos e desempenhos passíveis de serem transferidos e aplicados em contextos sociais e econômicos fora da escola” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 74).

Dessa forma, a educação é concebida como algo técnico aos moldes da teoria da administração (SILVA, 2010). O sujeito é universal, sem saber, passivo, depositário de conhecimentos úteis ao desenvolvimento da sociedade urbana/industrial/capitalista (LOPES; MACEDO, 2011).

Através da identificação das concepções supracitadas na Teoria Tradicional, percebemos que a ênfase dada ao Currículo era a de organizar os meios para atingir os objetivos que melhor respondessem às demandas do modelo de sociedade em voga. As relações desiguais de poder entre gênero, raça, classe, sexualidade, entre outras, não são mencionadas no currículo, uma vez que a marginalidade na sociedade urbana/industrial/capitalista estava associada à falta de eficiência por parte dos sujeitos de dar respostas adequadas ao desenvolvimento industrial. O currículo na Teoria Tradicional resume-se a uma questão de desenvolvimento, os arranjos sociais de classe, de raça, de gênero não eram questionados (SILVA, 2010). Nesse sentido, o Patriarcado é tido como um dado natural, a possibilidade da despatriarcalização ainda permanecia remota.